Arteterapia e saúde mental
Renata Oliveira Bomfim***
“Todo mundo quer entender a pintura. Por que as pessoas não tentam entender o canto dos pássaros? Por que gostam de uma noite, uma flor, tudo o que cerca o homem, sem tentar entender essas coisas? Ao passo que quando se trata da pintura ...” (Picasso, 1935)
Introdução
Este artigo versa sobre a arte como uma expressão subjetiva e seu emprego no tratamento dos transtornos mentais. Fala, brevemente, da experiência e proposta da Arteterapia no Programa CDSM.
Renata Oliveira Bomfim***
“Todo mundo quer entender a pintura. Por que as pessoas não tentam entender o canto dos pássaros? Por que gostam de uma noite, uma flor, tudo o que cerca o homem, sem tentar entender essas coisas? Ao passo que quando se trata da pintura ...” (Picasso, 1935)
Introdução
Este artigo versa sobre a arte como uma expressão subjetiva e seu emprego no tratamento dos transtornos mentais. Fala, brevemente, da experiência e proposta da Arteterapia no Programa CDSM.
Ansioso por aplacar sua angústia frente à complexidade do mundo e sua inserção nele, o homem busca criar definições para tudo, e com a arte não seria diferente.
Acredita-se que a arte não deveria ser definida, visto que definir significa dar fim, esgotar. Parece-me melhor a idéia refletir, especular, flectir, e a partir desta inclinação, observar mais de perto as peculiaridades e empregos dela.
A arte se oferece como espelho multifacetado onde o homem pode se perceber e ver suas experiências refletidas. Viva, apaixonada, a arte não compete nem com a ciência e nem com a razão. Ela só pode ser explicada por ela mesma e na sua complexidade ela se realiza, sustenta e se abre para o social.
É um desafio trabalhar em saúde mental. Ao mesmo tempo instigante, o contato com os pacientes é um privilégio e, as oficinas terapêuticas, apresentam-se originais e, especialmente, inusitadas. A interação com a equipe faz valer o trabalho e renova as forças, muitas vezes tão gastas pela falta de recursos, de apoio e pela burocracia.
O Programa CDSM proporciona um saber sobre a loucura, não recuar diante dela e investir no resgate social do indivíduo. O enlouquecer é da condição humana e o desafio maior é lidar com os pré-conceitos, os estereótipos que retratam o desconhecimento sobre o assunto e a manutenção de uma determinada ideologia dominante.
A arte é uma forma de manifestação do humano, e desde os primórdios da cultura, este interage com a natureza plasmando a matéria e comunicando sua subjetividade.
A arte como expressão do humano
Nos primórdios da cultura o homem registrou nas cavernas cenas do seu cotidiano, seus símbolos, seus deuses e demônios e estas manifestações nos comunicam hoje, trinta e cinco mil anos depois, a forma da sua existência naquela época.
Os gregos já utilizavam a expressão pelas artes em seus processos de cura. Mas a Arteterapia instituída como tratamento terapêutico surgiu há cinqüenta anos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em 1946, a Drª Nise da Silveira, psiquiatra , iniciou um trabalho pioneiro no Brasil, no Hospital Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro. Inseriu, na sessão de terapia ocupacional, a pintura, a modelagem e a xilogravura. Ela chamou esta experiência de “Emoção de Lidar” que atestou que o paciente psiquiátrico não era afetivamente embotado, mas sim, capaz de produzir, de criar, revelando seu mundo psíquico e produzindo melhoras no seu estado geral.
Acerca desta experiência, Mário Pedrosa (1947), crítico de Arte, escreveu: ”Uma das funções mais poderosas da Arte- descoberta da psicologia moderna- é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como no chamado anormal”. Desde então o uso terapêutico da arte tem se difundido em larga escala no Brasil e no mundo.
A Arteterapia é uma modalidade de tratamento terapêutico onde os materiais plásticos atuam como veículos facilitadores da expressão humana. Neste contexto o “fazer” possibilita a expressão do não verbalizável.
Através da Arteterapia o indivíduo tem a possibilidade de criar, produzir e lançar um olhar sobre esta produção e, conseqüentemente, esta prática auxilia na reestruturação da sua subjetividade.
A proposta da Oficina Terapêutica de Arteterapia
A experiência aqui retratada iniciou pelo ingresso desta autora no Programa de Extensão Cada Doido Com Sua Mania. Ela proporcionou o primeiro contato ainda como estudante do curso de Artes Plásticas com o universo da saúde mental na Oficina Terapêutica de Pintura. Nesta época, o Programa atuava no CAPS – Ilha de Santa Maria, pelo convênio estabelecido entre Pro-Reitoria de Extensão da UFES e Secretaria Municipal de Saúde.
Esta experiência foi decisiva na escolha e formação profissional que mudou seu rumo e a disparou. Foi um privilégio o contato e orientação recebidos de profissionais como Nelma Pezzim e Ana Ofélia Brignol Pacheco da Silva, além da carinhosa parceria com Núbia Intra.
Em 2002, como profissional formada em Artes Plásticas e especialização em Arteterapia, propôs-se uma Oficina Terapêutica para os pacientes apoiada teoricamente pelos estudos de ‘Nise da Silveira’, sob nova Coordenação.
A Oficina Terapêutica de Arteterapia se apropria das variadas formas de expressão como a pintura, o mosaico, a modelagem, os fantoches, os contos, os adornos, entre outras como facilitadoras de uma expressão do indivíduo.
Neste espaço terapêutico tem se priorizado a expressão livre e espontânea e o participante desta oficina tem recebido auxilio técnico, caso o tenha solicitado ou houvesse necessidade. O prioritário não tem sido a técnica, e sim, a expressão e produção subjetivas. A técnica pode comparecer quando solicitada pelo paciente ou se necessária para execução de um trabalho específico, não sendo priorizadas questões de ordem estética.
A psicose produz uma subversão do espaço interno/ externo do indivíduo fazendo com que a subjetividade e realidade se misturem. O corpo é percebido de forma fragmentada e o trabalho em oficina terapêutica pode possibilitar uma melhor estruturação e organização do mundo psíquico do paciente. Os conteúdos que fazem parte dos delírios e alucinações, quando plasmados através da matéria, podem ser percebidos dotados de forma, cor, textura, pode ser redimensionado , fornecendo a possibilidade de despotencialização destes.
Num ambiente onde as diferenças têm sido acolhidas com liberdade, facilitou-se o desbloqueio da criatividade e estimulação à autonomia. Percebeu-se que na medida em que o paciente vai se familiarizando com os materiais, suas produções tornaram-se mais estruturadas e ricas em formas e cores.
A interpretação das imagens produzidas não tem sido empregada, mas quem a produziu tem sido estimulado a efetivar um diálogo com sua produção, nomeando e associando às outras imagens e palavras o que é chamado de amplificação simbólica. Estas imagens se apresentaram carregadas de afetividade e a materialização destas facilita o confronto e a assimilação destes conteúdos pela consciência.
Muitas vezes uma imagem desdobra-se em outras. Por exemplo, um desenho pode ser representado de forma tridimensional através da modelagem de argila. Isto possibilita uma visão mais ampla deste conteúdo e aumenta a possibilidade de que a energia psíquica se projete, potencializando o indivíduo e não imagem projetada. Conteúdos que não estão simbolizados passam a um plano que podem ser encarados, perdendo seu caráter ameaçador.
Conclusão
A arte contém uma linguagem universal e propicia um canal singular de expressão dos afetos, fantasias e sonhos humanos.
Criar para o homem é uma necessidade. Dessa forma ele comunica do potencial de uma subjetividade e vivencia a sensação de estar contido num espaço e de ter um outro contido dentro de si. Suas criações revelam suas experiências como indivíduo diante de propostas e valores existentes dentro de sua sociedade.
Através dos materiais plásticos começam a surgir possibilitando que os "não ditos" se expressem simbolicamente e que estes conteúdos possam ser integrados pela consciência.
Para que o indivíduo se beneficie terapeuticamente com a arte ele não precisa ter “habilidades artísticas”, mas pode ser acolhido numa proposta terapêutica.
Este trabalho com pacientes, equipe, profissionais, familiares e comunidade é um chamado de fé por uma sociedade mais justa e igualitária.
Esta é uma grande conquista, um ser íntegro, consciente de si mesmo, de seus potenciais e limites.
“O homem não cria apenas porque gosta, e sim porque precisa, ele só pode crescer enquanto humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando”. ( Fayga Ostrover)
REFERÊNCIAS:
2 JAFFÉ, A. O Mito do Significado. São Paulo: Cultrix,1995.
3 JUNG, C. G. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1964.
a) _______ Psicogênese das doenças mentais. Petropólis: Vozes, 1986.
b)_______ O Espírito na Arte e na Ciência. 3º ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
4 OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
5 PAIN, S. e GLADYS, J. Teoria e técnica da arte – terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
6 PHILIPPINI, A. Cartografias da Coragem- Rotas em Arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2000.
7 PEDROSA, M. Arte Forma e Personalidade. São Paulo: Kairós, 1979.
8 SILVEIRA, N. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ática: 1992.
a) ___________ Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
9 URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia A transformação Pessoal pelas Imagens. 2ºed. Rio de Janeiro: WAK editores, 2004.
Acredita-se que a arte não deveria ser definida, visto que definir significa dar fim, esgotar. Parece-me melhor a idéia refletir, especular, flectir, e a partir desta inclinação, observar mais de perto as peculiaridades e empregos dela.
A arte se oferece como espelho multifacetado onde o homem pode se perceber e ver suas experiências refletidas. Viva, apaixonada, a arte não compete nem com a ciência e nem com a razão. Ela só pode ser explicada por ela mesma e na sua complexidade ela se realiza, sustenta e se abre para o social.
É um desafio trabalhar em saúde mental. Ao mesmo tempo instigante, o contato com os pacientes é um privilégio e, as oficinas terapêuticas, apresentam-se originais e, especialmente, inusitadas. A interação com a equipe faz valer o trabalho e renova as forças, muitas vezes tão gastas pela falta de recursos, de apoio e pela burocracia.
O Programa CDSM proporciona um saber sobre a loucura, não recuar diante dela e investir no resgate social do indivíduo. O enlouquecer é da condição humana e o desafio maior é lidar com os pré-conceitos, os estereótipos que retratam o desconhecimento sobre o assunto e a manutenção de uma determinada ideologia dominante.
A arte é uma forma de manifestação do humano, e desde os primórdios da cultura, este interage com a natureza plasmando a matéria e comunicando sua subjetividade.
A arte como expressão do humano
Nos primórdios da cultura o homem registrou nas cavernas cenas do seu cotidiano, seus símbolos, seus deuses e demônios e estas manifestações nos comunicam hoje, trinta e cinco mil anos depois, a forma da sua existência naquela época.
Os gregos já utilizavam a expressão pelas artes em seus processos de cura. Mas a Arteterapia instituída como tratamento terapêutico surgiu há cinqüenta anos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em 1946, a Drª Nise da Silveira, psiquiatra , iniciou um trabalho pioneiro no Brasil, no Hospital Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro. Inseriu, na sessão de terapia ocupacional, a pintura, a modelagem e a xilogravura. Ela chamou esta experiência de “Emoção de Lidar” que atestou que o paciente psiquiátrico não era afetivamente embotado, mas sim, capaz de produzir, de criar, revelando seu mundo psíquico e produzindo melhoras no seu estado geral.
Acerca desta experiência, Mário Pedrosa (1947), crítico de Arte, escreveu: ”Uma das funções mais poderosas da Arte- descoberta da psicologia moderna- é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como no chamado anormal”. Desde então o uso terapêutico da arte tem se difundido em larga escala no Brasil e no mundo.
A Arteterapia é uma modalidade de tratamento terapêutico onde os materiais plásticos atuam como veículos facilitadores da expressão humana. Neste contexto o “fazer” possibilita a expressão do não verbalizável.
Através da Arteterapia o indivíduo tem a possibilidade de criar, produzir e lançar um olhar sobre esta produção e, conseqüentemente, esta prática auxilia na reestruturação da sua subjetividade.
A proposta da Oficina Terapêutica de Arteterapia
A experiência aqui retratada iniciou pelo ingresso desta autora no Programa de Extensão Cada Doido Com Sua Mania. Ela proporcionou o primeiro contato ainda como estudante do curso de Artes Plásticas com o universo da saúde mental na Oficina Terapêutica de Pintura. Nesta época, o Programa atuava no CAPS – Ilha de Santa Maria, pelo convênio estabelecido entre Pro-Reitoria de Extensão da UFES e Secretaria Municipal de Saúde.
Esta experiência foi decisiva na escolha e formação profissional que mudou seu rumo e a disparou. Foi um privilégio o contato e orientação recebidos de profissionais como Nelma Pezzim e Ana Ofélia Brignol Pacheco da Silva, além da carinhosa parceria com Núbia Intra.
Em 2002, como profissional formada em Artes Plásticas e especialização em Arteterapia, propôs-se uma Oficina Terapêutica para os pacientes apoiada teoricamente pelos estudos de ‘Nise da Silveira’, sob nova Coordenação.
A Oficina Terapêutica de Arteterapia se apropria das variadas formas de expressão como a pintura, o mosaico, a modelagem, os fantoches, os contos, os adornos, entre outras como facilitadoras de uma expressão do indivíduo.
Neste espaço terapêutico tem se priorizado a expressão livre e espontânea e o participante desta oficina tem recebido auxilio técnico, caso o tenha solicitado ou houvesse necessidade. O prioritário não tem sido a técnica, e sim, a expressão e produção subjetivas. A técnica pode comparecer quando solicitada pelo paciente ou se necessária para execução de um trabalho específico, não sendo priorizadas questões de ordem estética.
A psicose produz uma subversão do espaço interno/ externo do indivíduo fazendo com que a subjetividade e realidade se misturem. O corpo é percebido de forma fragmentada e o trabalho em oficina terapêutica pode possibilitar uma melhor estruturação e organização do mundo psíquico do paciente. Os conteúdos que fazem parte dos delírios e alucinações, quando plasmados através da matéria, podem ser percebidos dotados de forma, cor, textura, pode ser redimensionado , fornecendo a possibilidade de despotencialização destes.
Num ambiente onde as diferenças têm sido acolhidas com liberdade, facilitou-se o desbloqueio da criatividade e estimulação à autonomia. Percebeu-se que na medida em que o paciente vai se familiarizando com os materiais, suas produções tornaram-se mais estruturadas e ricas em formas e cores.
A interpretação das imagens produzidas não tem sido empregada, mas quem a produziu tem sido estimulado a efetivar um diálogo com sua produção, nomeando e associando às outras imagens e palavras o que é chamado de amplificação simbólica. Estas imagens se apresentaram carregadas de afetividade e a materialização destas facilita o confronto e a assimilação destes conteúdos pela consciência.
Muitas vezes uma imagem desdobra-se em outras. Por exemplo, um desenho pode ser representado de forma tridimensional através da modelagem de argila. Isto possibilita uma visão mais ampla deste conteúdo e aumenta a possibilidade de que a energia psíquica se projete, potencializando o indivíduo e não imagem projetada. Conteúdos que não estão simbolizados passam a um plano que podem ser encarados, perdendo seu caráter ameaçador.
Conclusão
A arte contém uma linguagem universal e propicia um canal singular de expressão dos afetos, fantasias e sonhos humanos.
Criar para o homem é uma necessidade. Dessa forma ele comunica do potencial de uma subjetividade e vivencia a sensação de estar contido num espaço e de ter um outro contido dentro de si. Suas criações revelam suas experiências como indivíduo diante de propostas e valores existentes dentro de sua sociedade.
Através dos materiais plásticos começam a surgir possibilitando que os "não ditos" se expressem simbolicamente e que estes conteúdos possam ser integrados pela consciência.
Para que o indivíduo se beneficie terapeuticamente com a arte ele não precisa ter “habilidades artísticas”, mas pode ser acolhido numa proposta terapêutica.
Este trabalho com pacientes, equipe, profissionais, familiares e comunidade é um chamado de fé por uma sociedade mais justa e igualitária.
Esta é uma grande conquista, um ser íntegro, consciente de si mesmo, de seus potenciais e limites.
“O homem não cria apenas porque gosta, e sim porque precisa, ele só pode crescer enquanto humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando”. ( Fayga Ostrover)
REFERÊNCIAS:
2 JAFFÉ, A. O Mito do Significado. São Paulo: Cultrix,1995.
3 JUNG, C. G. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1964.
a) _______ Psicogênese das doenças mentais. Petropólis: Vozes, 1986.
b)_______ O Espírito na Arte e na Ciência. 3º ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
4 OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
5 PAIN, S. e GLADYS, J. Teoria e técnica da arte – terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
6 PHILIPPINI, A. Cartografias da Coragem- Rotas em Arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2000.
7 PEDROSA, M. Arte Forma e Personalidade. São Paulo: Kairós, 1979.
8 SILVEIRA, N. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ática: 1992.
a) ___________ Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
9 URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia A transformação Pessoal pelas Imagens. 2ºed. Rio de Janeiro: WAK editores, 2004.
2 comentários:
Excelente artigo
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