Poemas


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MINA

Questões poéticas


António, o que faço?

Colonizaram a minha bandeira.

Agora toda empresa é responsável,

toda exploração, sustentável,

toda carne, sadia,

mesmo que o bicho nasça, viva e morra

de forma miserável.

 

Anto, onde me encaixo?

Neste mundo, estou tão 

Me espanca este plágio:

"Ó dobres dos poentes às Ave-Marias!

Ó Cabo do Mundo! Moreia da Maia!

Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!

Casas dos pobres que o luar, à noite, caia..."

 

E você, José, que faz versos,

que ama, protesta?

Me diz: onde está a poesia?

O verbo também

tornou-se terra pisada?

Os ritos de fecundidade,

necessários para garantir a safra

do bem-dizer, serão ainda executados?

Me diz: e agora, José?

 

ARCANO DEZENOVE

Gernica hoje


Alivia-me dessa dor!
Seca o sangue que escorre e corre,
manchando a terra, a água e a flor.
Livra-me da força do império da agonia
Livra-me do medo dessa côrte maldita
consagrada à fantasmagoria
à vergonha!

Dor dentro e fora do tempo
que me atinge e finjo, finges, finge
que não a temos.
Letargia ignorante,
nem pão e nem circo.
Guernica atualiza-se:
Iraques, Palestinas, Brasís,
tsunamis, maremotos, terremotos
Haitís, favelas, esquinas, praças e
instituições mesquinhas.

Nada vemos, temos, ou queremos,
nada de ventos, nem de brisa, ou de Paz!
Tememos!
Trememos!

Alivia-me do grito que está preso nas entranhas
Liberta-o!
Conjuga os fragmentos dessa tragédia cardeal,
estranha: sem nome, sem rosto e sem norte.
Revela o poder pulverizado que faz chover sangue.
Alivia-me dessa dor que fede, anestesia e tem gosto de morte.


GUERNICA HOY

 

¡Alivíame de ese dolor!

Seca la sangre que escurre y corre,

manchando la tierra, el agua y la flor.

¡Líbrame de la fuerza del imperio de la agonía,

líbrame del miedo de esa corte maldita

consagrada a la fantasmagoría

y a la vergüenza!

 

Dolor dentro y fuera del tiempo

que me acierta y finjo, finges, finge

que no la tenemos.

Letargía ignorante,

ni pan ni circo.

 

Guernica se actualiza:

Irakés, Palestinas, Brasís,

tsunamis, maremotos, terremotos

Haitís, villas miseria, esquinas y plazas

Instituciones mezquinas.

Nada vemos, tenemos o queremos,

¡nada de vientos, ni de brisas, ni de Paz!

¡Tememos!

¡Temblamos!

 

¡Alivíame del grito detenido en las entrañas!

¡Libértalo!

Conjuga los fragmentos de esa tragedia

cardinal, extraña, sin nombre, sin rostro, sin norte.

Revela el poder pulverizado que hace llover la sangre.

Alivíame de ese dolor que apesta, anestesia

y sabe a muerte.

 

COLÓQUIO DAS ÁRVORES


Dionysos (Renata Bomfim)

                               À Rubén Darío, In Memoriam

Dans la sacrée forêt
les instincts bourgeonnent.
Chaque plante, chaque animal, l'air,
tout vit, tout parle.
Du vert ils surgissent
serpentantes secousses,
murmures,
rires…

C'est la nymphe que du dieu majestueux
boit le vin.
Elle se transforme dans la propre coupe
débordant de désirs.
Dionisio, perturbé, la désoriente
en la traînant, occulte, par le pâturage,
pour qu'elle s'ouvre, osée et parfumée.

Elle cède à sa sollicitude se soumettant.
Son corps maintenant se fond entre les âpres mains.
C'est une gazelle. Inhumaine,
sa lance la pénètre.
Déclenchée, elle veut plus…
Maintenant les dents du dieu lacèrent la chair
en marquant empreintes dessinées
par les cornes resplendissantes.

La nymphe s'élève entre râles,
la forêt compose une symphonie 
de gémissements heureux.
Extasiés, communient satisfaits.
Elle adore au dieu païen
seigneur des êtres de ce royaume.
Après, il repose en rappelant l'idylle,
jusqu'à ce que la nuit la couvre
avec son manteau d'argent.

(Tradução de Pedro Sevylla de Juana)



o poeta adâmico


No paraíso da linguagem,

o poeta zeloso se inclina
para amar a letra.
Nesse momento ele é Adão
no topo da hierarquia,
exigindo que Ela se submeta.

A letra mulher primeva,
dissimula
dribla a lei,
se agita.
Vê  homem, bicho, Deus,
quer comer tudo
quer conhecer tudo
provar de tudo muito
principalmente do fruto.

Cometidos todos os pecados,
Nua e ambígua
ouve do outro lado a pena:
"Ganharás o pão com o suor do teu corpo".

O homem, caído, se depara com o desconhecido,
A vida de agora é labor e sacrifício
Ela pari aos gritos
conhece a dor
Mas estava escrito, tinha que ser assim,
para puderem seguir  nomeando as coisas e
enchendo a terra de Abéis e Cains.


O CORAÇÃO DA MEDUSA

ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO

 

Entre a luz e a escuridão

há um rasgo,

uma fissura,

por onde o tempo espia.

De lá se contrai,

em dores, a ternura.

E já nascemos na bruteza,

com um grito embargado na garganta,

que, quando liberto,

revela ecos de outras vidas,

palavras-trama. E

somos postos entre

o estro e a afasia.

Sempre em busca da beleza,

a alma só na arte se encontra,

aprende a plasmar a terra e a si;

sua ferramenta, o coração.

E, para validar a existência,

transforma o caos em esperança,

recria, pariu a si mesma fora do tempo,

nas asas da poesia.


Casulo (poema Renata Bomfim)

"A vida é esse cacho de lilás... Mais nada. O resto é perfume..." (Florbela Espanca)

Não escrevo para
o hoje.

As palavras são casulos,
introitos.
Mistérios do dentro:
cores indecifráveis,
indecifráveis sentidos,
borboletas virtuais que
podem ser,
podem não ser,
carecem de...,
Tudo sabem.

Não satisfazer:
DESESTABILIZAR,
eis o projeto poético-
-patético-
frágil, frágil...
Não responder!
eis...

Receba o silêncio,
aceite o silêncio:
CASULO.

Acúmulo de subjetividades
sem espaço para expressão.
CASULO-SILÊNCIO.

Não escrevo para o hoje
planto, silenciosa, árvores.
Cada poema escrito no susto,
estranhamento, solidão, loucura,
utopias que se estendem e derramam.
Revolta!
POEMA-CASULO-SILÊNCIO.

A Mata Atlântica é o projeto
final:
poema-tatu
poema-palmito Juçara,
poema-flor da Acácia
Poema-macaco
poema-trinca-ferro,
poema-xaxim,

Não escrevo para o hoje.
O afeto- memória
salvará vestígios desses versos.
Os casulos romperão
longe dos meus olhos.
Outras gerações conhecerão
o poema que escrevi
mas que nunca cheguei a conhecer.



A REVOLUÇÃO DOS COLIBRIS (NO PRELO)

Máquina de Guerra (poema/Renata Bomfim)

SOB A CIDADE JAZ UMA FLORESTA (poema Renata Bomfim)



OUTROS POEMAS


A ausência é um deserto

Ronda a minha memória,
O seu vulto é miragem
Na casa deserta.
A ausência é um deserto
povoado por fantasmas!

La ausencia es un desierto

Patrulla mi memoria,
Su cuerpo es espejismo
En la casa vacía.
La ausencia es despoblado
habitado por espectros!




Nuestra América é o mundo
"No hay odio de razas, porque no hay razas" (José Martí)
Puseram flores no busto de José Martí.
Dois vasos de crisântemos.
Protesto estudantil
Contra a tradição,
Contra os monumentos,
Contra...
Mas, se esqueceram,
Que o busto do poeta não era túmulo.

Recolhi as flores secas.

Quem foi Martí?
Não fazem ideia.
Houve guerra pela independência?
Independência?

Martí, fantasma da esperança,
Cantor de voz veludosa e de mãos ásperas.
Morreu enxergando a aura da liberdade.
Morreram ainda, Paulo Cesar Vinha,
Irmã Dorothy, Berta Cáceres,
Morreram defendendo a vida.
Pusemos flores nos seus túmulos?
Poremos uma pedras sobre as suas memórias?

Recolhi as flores secas.

Toquei com carinho o busto do poeta cubano.
Sussurrei em tom de oração:
¾ Teu túmulo está assentado no silencio de uma isleta.
Toquei com carinho o busto do poeta latino-americano.
¾ É, Marti, a vida anda dura por aqui,
A vida anda dura.
Vida dura, corações que se fecham
Para o sofrimento, a dor. O capital se tornou
O capitão do mundo:
Nau fadada a naufragar,
Estamos sujeitos ao afogamento, todos!

Fomos descobertos
Fazendo amor sob a palmeira.
Fomos descobertos
Nus, radiantes, sem pudores e nem vergonha.
Tínhamos a proteção de Tupã,
A Mata Atlântica intacta cobria de verde 
Os nossos sonhos, o Rio Doce serpenteava 
 Livre, livre pelas serras...

Tínhamos a proteção de Tupã.

A vida anda dura, poeta, há emboscadas.
Em cada esquina o impensável.
Duros, os corações dobram as esquinas,
Caem nessas emboscadas,
Dobramos as esquinas
Como se pisássemos sobre o Nada. 

Eu odiava os crisântemos,
O cheiro de morte me nauseava.
Eu odiava a morte.
O tempo apaziguou esse meu dentro, já não odeio
Nem os crisântemos e nem a morte.
Mas, quero-os longe de mim!

Planto rosas, lírios, hortênsias rosa e lilases.
Planto abacateiros, mangueiras, goiabeiras,
jacarandás, laranjeiras.
Planto sementes de poesia para que o mundo
Não se torne busto adornado com crisântemos secos
Nem túmulo.
Planto árvores para por fim à dureza dos corações,
(do meu próprio)
Para que dobremos as esquinas conscientes
de que a terra é uma só:
Nuestra América é o mundo.

RB, Vitória, 21/06/2016

Verde abacateiro (poemas Renata Bomfim)


 Dedicado ao poeta venezuelano Adhely Rivero 

I- O anjo

Sol do meio-dia,
Quente como o inferno.
Vejo anjos descansando,
Sob a copa do abacateiro.

Suados,
Faces pessegadas,
Saudosos do céu.

Mas, lindo,
Lindo mesmo é o anjo
Negro. Num átimo,
Os movimentos ligeiros.
Produzem frescor.

A visão extasia:
Invergadura, brilho,
Maciez das 
translucidas asas,
Fazem com que eu reze desejosa
Para que ele seja
O meu anjo da guarda.


II- Fome

Quero a tua carne
Tenra.
Sorver o teu dentro,
Conhecer o doce e o azedo.

Digerir certezas
Desfazendo-as uma a uma.
Até que não saibas  nada.

Ah! o choque de sentir
A matéria sutil e bruta
Pelo avesso.

Ouvir a canção decantada
Captar o esplendor
De tua humanidade,
Vê-la emanando das sombras.

Desejo, desejo, 
desejo não desejar nada 
Além do absoluto.



I-                  III - O eterno é contraditório

Uma mesa com objetos.

Há máquinas fotográficas (a)guardando
Imagens magnificas.
- Só interessam a mim.

Ninguém quer saber
     De mim
     Das imagens
Carregadas de afetos.

Há canetas celibatárias.
Anos sem sentir o prazer da folha.

Eu sou o demônio das canetas.

Prefiro rasgar o branco do papel
Com o grafite.
Risco temerário fadado
Ao desaparecimento.

Quando chega o verdugo
(O tempo)
O traçado cede, foge, desaparece.

Essa mesa esteve em outra casa.
Paredes eram amarelas,
Quartos cuidadosamente decorados.
Dos objetos não recordo.
Eu naquele tempo? 
Vácuo!

Fomos assassinados pela memória.


II-                IV- Beijaste a minha boca

Ontem lembrei que um dia
Beijaste a minha boca
Sob o sol
Escaldante
Eu brilhava, você brilhava.
O calor penetrava as nossas carnes
E a brisa do mar temperava as línguas
Com o sal da alegria.

Ontem lembrei
Beijaste a minha boca.
Eu era todas as mulheres,
Era como se empreendesse
Uma viagem por dentro 
Dos órgãos.
Senti conhecidos os tecidos
De minha casa interior.

Por fora eu era apenas
Casca dura de mim mesma.

Beijaste a minha boca
Sob o sol escarlate e lilás:
A tarde eu era tua.
Deitei sobre o leito de rosas
E fizemos amor.

A noite brilhava o difuso
a noite reluziam e latejavam, 
Espinhos de ouro
Cravados nas minhas costas.


III-             V- Somente a ti devo palavras

Aos desafetos
O silêncio do inferno.

Salivei palavras doces quando
O fígado amargava o ódio
Do abandono.
Salivei palavras doces quando
Perdeste o meu nome
Pelas vielas do imemorável.

A semente do abacateiro rachou,
Partiu-se em duas e, do centro,
Uma haste:
O broto desafiou a gravidade.

É grave amar,
É grave desamar,
É grave.

Nasceste dentro de mim
E cresceste para além de mim:
Abacate.

Salivei palavras,
O ódio desapareceu entre as folhas,
Os primeiros frutos trouxeram esperança.

A ti dedico todas as palavras
Macias, delicadas,
Polpudas, excitantes,
Verde-amareladas.

Aos desafetos,
O silêncio do inferno.


IV-             VI- Por que nascemos para amar?

Se essa caixa
Feita de blocos e cimento
Pudesse conter sonhos,
Decifrar desejos,
Se essa caixa pudesse dar
Ao que não tem forma
Um grão de materialidade,
Eu saberia ter uma casa.

Olho para cima,
O infinito indecente se abre
Sobre a minha cabeça,
Mistérios indecifráveis
Pesam e
Sou apenas esse isso:
Empurrada para baixo,
Prensada entre a terra
E o imensurável.



VII- A traça

Meu Deus, que fantasma era aquele
Que subia comigo as escadas da biblioteca,
Deslizando para as estantes de literatura
Devorando livros de poetas?



VIII- Redução

Meus gestos ensaiam
A expressão perfeita.
Olhos e ouvidos buscam
O poema perfeito
     Ritmo, forma...
Mas, os versos se rebelam
Querem o deformado, o feio.
Os versos estão revoltados
Impregnam a folha do papel
Sem o menor respeito,
Fazem com que eu me sinta
Puta barata.
Barata
Rata.



IX- Redução II

Tua carne
Veludosa,
Graceja
Formas
Mutante
Moldadas
Pelo meu desejo.

Corpo âmbar
Quente
Sôfrego
Exalando
Sabores
Aromas
No céu
Da boca.

Tua
Sem ser tua
Minha
Sem me pertencer
Deixo de ser.

Ah! Não peças
Que eu enfeite a mesa
Com flores.
Não queira que
Meus lábios cantem
Canções populares.
Não!

Alegre-se,
Desapareceremos, meu amor!



Fome

Quero a carne tenra:
Teu corpo.

Sorver o teu dentro,
Conhecer a doce e o azedo.

Digerir as tuas certeza
desfazendo-as uma a uma.
Até que não saibas de mais nada.

Ah! o choque
de sentir
a matéria sutil e bruta
pelo avesso.

Conhecer o esplendor:
A tua humanidade.
Vê-la emanando das sombras.

Desejo, desejo, desejo não
Desejar nada além do absoluto.


A semente sonha (Renata Bomfim)

A semente sonha imagens 
espetaculares,
o desejo faz com que toque
maciez desconhecida;
é como se estranhas asas a elevassem
para a luz e para cima:
perfume indizível, explosão de cores,
flores: EPIFANIA!



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