Espaço literário e de defesa da arte, do meio ambiente e da democracia, compartilhado pela escritora e ativista ambiental Renata Bomfim.

07/09/2009

C. G. Jung e a Literatura

A literatura, de forma especial a poesia, faz parte da história tanto familiar quanto profissional de Jung. Conta-nos Bair (2006), sua biógrafa, que ao nascer, Jung foi batizado com o nome Karl Gustav II Jung, uma homenagem ao seu avô paterno, Carl Gustav I Jung.
O avô de Jung era cidadão alemão, conhecido tanto por suas opiniões liberais, quanto pelas histórias que contava e que deram à sua biografia, tons ficcionais, entre elas, a suspeita de que era filho ilegítimo do poeta Goethe.
Na sua juventude, Carl Gustav I havia morado em Berlim, na casa de um editor chamado Geog Andréas Reimer, onde integrou um grupo de intelectuais do romantismo como Ludwig Tieck e os irmãos Schlegel.. A saber, August Wilhelm Von Schlegel foi o responsável pela tradução de Shakespeare para o alemão.
Doutor em medicina e ciências naturais, o avô de Jung, foi também, escritor de poemas e canções, algumas registradas no livro alemão de cantigas. Conta-se que foi muitas vezes persuadido a abandonar a medicina pela poesia, conselho que não seguiu, continuando a publicar suas obras anonimamente, sob o pseudônimo de Mathias Nusser.
O “K” foi uma atualização feitas pelos pais de Jung ao seu nome, mas ele optou manter o nome na forma original familiar, apenas uma das muitas identificações que mantinha com seu “abençoado avô”, que segundo ele, havia posto “um ovo muito estranho na sua mistura” (BAIR, 2006).
Paul Jung, o pai de Jung II, estudara línguas orientais na Universidade de Göttingen, especializando-se em árabe e escreveu uma dissertação acerca dos comentários em hebraico do sábio do século X Jephel Bem Eli sobre o Cântico dos Cânticos de Salomão. Mas, contrariando a vontade do pai, Carl Gustav I, não trilhou uma carreira brilhante como erudito, tornando-se padre numa igreja reformada da Suíça. Este breve histórico familiar mostra o berço intelectual onde foi recebido o jovem Carl Gustav Jung, que estudava idiomas como o latim e o grego e ingressou, aos treze anos de idade, no estudo da filosofia.
Jung era um homem erudito, lera durante a sua vida escritores como A. E. Biedermann, que tratava do dogmatismo cristão, leitura levou-o diretamente a Schopenhauer, Meister Eckhart, santo Tomás de Aquino, a quem “desprezava”, Hegel, Kant e Nietzsche, Shakespeare, Heráclito, “com menor interesse” Pitágoras e Empédocles, mas, a poesia, esta lia “com paixão e prazer”.
A paixão pela obra de arte poética levou Jung a escrever, na maturidade, o livro O espírito na Arte e na Ciência, onde volta à atenção para os movimentos culturais, entre eles as artes plásticas e a literatura. Nessa obra Jung reconhece o desafio de fazer dialogar a psicologia analítica e a arte que, “apesar de sua incomensurabilidade”, compartilham uma “estreita relação” e acrescenta:
[embora a poesia pertença ao campo da literatura e da estética, esta possui grande força imagística] não pretendo de modo algum substituir tais pontos de vista pela perspectiva psicológica. Acaso o fizesse incorreria no pecado da unilateralidade que eu mesmo censurei. Não arrogo também apresentar uma teoria completa da criação poética, isso ser-me-ia impossível. As minhas explanações significam apenas meus pontos de vista, a partir das quais poderia orientar-me uma consideração psicológica do fenômeno poético (JUNG).
Ciente dos perigos de misturar campos diversos de saber sem levar em conta a especificidade de cada um, e de que a essência da atividade artística é inacessível para a psicologia, Jung (1991) advertiu para perigo das leituras reducionistas que, “inopinadamente”, desviam o interesse da obra de arte enredando-a “numa embrulhada labiríntica, [de] pressupostos psíquicos, tornando-se então o poeta um caso clínico”. Sob essa ótica a psicologia pessoal do poeta não explica a obra de arte. Jung acreditava que reduzir a criação artística às relações pessoais que o poeta mantinha com os pais ou a outros fatores como distúrbios psicológicos, não contribuia para a compreensão desta e reinterou:
Um poeta pode ter sido influenciado mais pela relação com seu pai, outro pela ligação com a mãe e finalmente um terceiro pode demonstrar, através de suas obras, traços inconfundíveis da repressão sexual; tudo isso pode ser atribuído tanto a neuróticos, como a todas as pessoas [ditas] normais. E assim nada de específico se apurou para o julgamento de uma obra de arte, na melhor das hipóteses ampliamos e aprofundamos o conhecimento dos pressupostos históricos. [...] Bom senso e parcimônia, podem resultar uma interessante visão geral de como a criação artística está entrelaçada com a vida pessoal do artista, por um lado, por outro, como ela se projeta para fora desse entrelaçamento (JUNG, 1991).
O poeta na visão jungueana satisfaz as necessidades anímicas de um povo através de sua obra, e constitui para o autor, saiba ele ou não, mais do que o seu próprio destino pessoal. A interpretação da obra não compete ao poeta. Segundo Jung (1991, p. 93), “uma obra-prima é como um sonho que, apesar de todas as evidências, nunca se interpreta a si mesmo e nunca é unívoca”, portanto a interpretação não deve ser feita pelo poeta, mas “deve ser deixada aos outros e ao futuro”. O sentido da obra de arte poética só é alcançado quando o indivíduo se permite modelar por ela, assim como o poeta foi modelado, assim a obra tocará as regiões profundas da alma, onde os seres vibram em uníssono e a sensibilidade humana abarca a humanidade. Portanto, a obra de arte é ao mesmo tempo objetiva e impessoal.
pesquisa: renatabomfim

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