Carl Gustav Jung é um críticos ferrenho da unicidade do individuo. A criação de sua obra teve como pano de fundo o século XX, tempo de passagem do sujeito iluminista, quando a pessoa humana era concebida como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de razão e, tinha o eu como centro essencial da identidade, para o sujeito sociológico, que questionava a autonomia do núcleo interior do sujeito.
Stuart Hall na sua obra A identidade cultural na Pós-modernidade, esclarece que no século XVIII, “ainda era possível imaginar os grandes processos da vida moderna como estando centrados no indivíduo, sujeito-da-razão”, mas, a complexidade que as sociedades modernas foram adquirindo, lhes concedeu formas mais coletivas e sociais e o indivíduo passou a ser visto como “mais definido no interior das grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna”. Na base que fundamentou o surgimento do sujeito moderno estão: a institucionalização do dualismo cartesiano por meio da divisão das ciências sociais, entre elas a psicologia, que tornou os processos mentais, objeto privilegiado de estudos. O segundo fator foi a biologização do indivíduo, influencia da teoria darwiniana da evolução das espécies, que postulou que a razão tinha uma base na natureza e a mente, um “fundamento” no desenvolvimento físico do cérebro humano.
O pensador francês Michel Foucault pesquisou com profundidade a história das ciências, em especial o nascimento da clínica. Foucault defendeu que a psiquiatria abandonou o delírio e a alienação mental e passou servir como instrumento de controle social, no livro A ordem do discurso (1996) ele especificou os três grandes sistemas de exclusão que atingiram o discurso: “a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade”.
O neojunguiano James Hillman (1984) nos fornece um panorama do pensamento acerca da psique no final do século XX, quando Jung iniciou a construção de suas teorias. Desde o final do século XVIII, norteados pelo espírito do iluminismo tardio e da confiante idade da razão, os acadêmico passaram a sentir um forte fascínio pela cabeça, que adquiriu o simbolismo de “topo” do homem. Conta-nos Hillman que, até meados do século XVIII, a sede das desordens psíquicas era procurada no estômago, nas entranhas e no diafragma.
A filosofia dessa época contribuiu e preparou caminho para tal migração do interesse científico. Voltaire, por exemplo, havia declarado que a loucura “era uma doença dos órgãos do cérebro”, já Kant, considerava a psicose “uma enfermidade da cabeça”, embora ainda se acreditasse que a sua origem estivesse no sistema digestivo. Se a psicologia moderna nasceu comprometida com o espírito secular do iluminismo e sob a égide da filosofia, pode-se dizer que o pai deste movimento foi o filósofo Johann Friedrich Herbart (1776- 1841), sucessor da cátedra deixada por Kant, e responsável pela criação de mapas e guias psicológicos muito difundidos nas universidades da Europa e da América. A ascensão da psicologia nos meios médicos e o duradouro postulado herbartiano fez com que a “alma” fosse despida de toda sua potencialidade, deixado de ser o centro vivo da individualidade e, até mesmo a palavra “alma”, caiu praticamente em desuso. Herbart escreveu que a alma “não possui conhecimento de si mesma nem de outros objetos”. Ele destacou também que esta não possuía “categoria de pensamento e intuição, nem faculdade de desejos e ação” . A alma, em princípio, não quaisquer teria predisposição, e a sua natureza elementar seria totalmente desconhecida, devendo permanecer desconhecida. Desse modo, “a alma não poderia servir como tema nem para a psicologia especulativa, nem para a psicologia empírica” .
De forma marginal e muito criticado pelos acadêmicos, Freud começou a construir, a partir das experiências com seus pacientes, em consultório particular, a psicanálise. Paralelamente, Jung desenvolvia seus estudos e, embora institucionalizado, pois era estagiário de Eugen Bleuler no Hospital universitário de Burghölzli, passou a direcionar o seu olhar para aquilo que julgava ser “uma rica colheita para a psicologia experimental”, ou seja, o estudo Sobre a psicologia e a patologia dos assim chamados fenômenos ocultos, que se tornou tema de sua monografia de especialização. O Dr. Bleuler era conhecido na Alemanha e na Suíça por seus métodos pouco ortodoxos para a época, como por exemplo, obrigar os médicos a aprenderem os dialetos falados pelos pacientes. Em 1902, Jung foi para Paris estudar com Pierre Janet e Charcot. Como professor universitário e ainda trabalhando no Hospital Burghölzli Jung passou a elaborar, a partir de estudos de casos, especialmente o do Dr. Otto Gross, o que chamou num ensaio de “a importância do pai no destino do indivíduo”. Seus trabalhos anteriores já davam indícios das teorias que estavam por vir e, Jung, ao argumentar que “o destino” e não “Deus ou o Demônio” era “o responsável por nossas infelicidades e suas conseqüências”, já citava Shakespeare, apoiava-se em Schopenhauer, utilizava analogias e referências bíblicas e, no decorrer dos anos, com a incorporação de novas idéias, o conceito de “Destino” tornou-se “o arquétipo”.
Com suas pesquisas Jung buscava mostrar que os poderes psíquicos vinham de estados psicológicos da mente e não tinha ligações com forças espirituais, indo desta forma na contramão da doutrina espírita que florescia. Estes dados esclarecem que Jung sempre separou religião de experiência religiosa, sendo a segunda, para ele, uma expressão da psique e uma construção cultural. Embora com vínculos institucionais, a forma como Jung lidou com temas referentes à alma encontrou pouca aceitação nos meios acadêmicos e clínicos. Jung lera A Interpretação dos Sonhos, de Freud, em 1900, mas, foi em 1906, que iniciaram as correspondências entre ambos e uma relação pessoal que duraria até 1914. Freud era persona non grata no meio acadêmico, mas , com o lançamento do livro A interpretação dos sonhos, passou a ser conhecido como o fundador de uma nova teoria. Jung havia assumido abertamente na comunidade científica internacional, sobre como seu trabalho com as associações de palavras estavam em conformidade com a teoria de Freud sobre os mecanismos de repressão, destacando a importância da obra de Freud nos seus estudos. Na relação com Jung, Freud deixou claro quem era o aprendiz, e que estava confiante que, muitas vezes, Jung estaria em posição de lhe “secundar”.
A relação entre Jung e Freud termina quando Jung expressa suas reservas a respeito da primazia da sexualidade na teoria freudiana. No artigo intitulado Sigmund Freud, um fenômeno histórico-cultural, Jung lança uma dura crítica ao “pomo da discórdia”, afirmando que o iluminismo foi “o chão pátrio” que firmava o pensamento psicanalítico freudiano, e interroga sobre todas as complexas manifestações da alma, como arte, filosofia e religião pareciam-lhe suspeitas, ou melhor, “nada mais do que” repressões do instinto sexual. Essa posição essencialmente limitadora e negativa em relação a reconhecidos valores culturais baseiavam-se num condicionamento histórico. Para Jung Freud via como sua época o obriga a ver. Isso aparece melhor na obra Die Zukunft einer Illusion, onde Freud traça uma imagem da religião que corresponde exatamente ao preconceito da época materialista.
O neojunguiano James Hillman (1984) nos fornece um panorama do pensamento acerca da psique no final do século XX, quando Jung iniciou a construção de suas teorias. Desde o final do século XVIII, norteados pelo espírito do iluminismo tardio e da confiante idade da razão, os acadêmico passaram a sentir um forte fascínio pela cabeça, que adquiriu o simbolismo de “topo” do homem. Conta-nos Hillman que, até meados do século XVIII, a sede das desordens psíquicas era procurada no estômago, nas entranhas e no diafragma.
A filosofia dessa época contribuiu e preparou caminho para tal migração do interesse científico. Voltaire, por exemplo, havia declarado que a loucura “era uma doença dos órgãos do cérebro”, já Kant, considerava a psicose “uma enfermidade da cabeça”, embora ainda se acreditasse que a sua origem estivesse no sistema digestivo. Se a psicologia moderna nasceu comprometida com o espírito secular do iluminismo e sob a égide da filosofia, pode-se dizer que o pai deste movimento foi o filósofo Johann Friedrich Herbart (1776- 1841), sucessor da cátedra deixada por Kant, e responsável pela criação de mapas e guias psicológicos muito difundidos nas universidades da Europa e da América. A ascensão da psicologia nos meios médicos e o duradouro postulado herbartiano fez com que a “alma” fosse despida de toda sua potencialidade, deixado de ser o centro vivo da individualidade e, até mesmo a palavra “alma”, caiu praticamente em desuso. Herbart escreveu que a alma “não possui conhecimento de si mesma nem de outros objetos”. Ele destacou também que esta não possuía “categoria de pensamento e intuição, nem faculdade de desejos e ação” . A alma, em princípio, não quaisquer teria predisposição, e a sua natureza elementar seria totalmente desconhecida, devendo permanecer desconhecida. Desse modo, “a alma não poderia servir como tema nem para a psicologia especulativa, nem para a psicologia empírica” .
De forma marginal e muito criticado pelos acadêmicos, Freud começou a construir, a partir das experiências com seus pacientes, em consultório particular, a psicanálise. Paralelamente, Jung desenvolvia seus estudos e, embora institucionalizado, pois era estagiário de Eugen Bleuler no Hospital universitário de Burghölzli, passou a direcionar o seu olhar para aquilo que julgava ser “uma rica colheita para a psicologia experimental”, ou seja, o estudo Sobre a psicologia e a patologia dos assim chamados fenômenos ocultos, que se tornou tema de sua monografia de especialização. O Dr. Bleuler era conhecido na Alemanha e na Suíça por seus métodos pouco ortodoxos para a época, como por exemplo, obrigar os médicos a aprenderem os dialetos falados pelos pacientes. Em 1902, Jung foi para Paris estudar com Pierre Janet e Charcot. Como professor universitário e ainda trabalhando no Hospital Burghölzli Jung passou a elaborar, a partir de estudos de casos, especialmente o do Dr. Otto Gross, o que chamou num ensaio de “a importância do pai no destino do indivíduo”. Seus trabalhos anteriores já davam indícios das teorias que estavam por vir e, Jung, ao argumentar que “o destino” e não “Deus ou o Demônio” era “o responsável por nossas infelicidades e suas conseqüências”, já citava Shakespeare, apoiava-se em Schopenhauer, utilizava analogias e referências bíblicas e, no decorrer dos anos, com a incorporação de novas idéias, o conceito de “Destino” tornou-se “o arquétipo”.
Com suas pesquisas Jung buscava mostrar que os poderes psíquicos vinham de estados psicológicos da mente e não tinha ligações com forças espirituais, indo desta forma na contramão da doutrina espírita que florescia. Estes dados esclarecem que Jung sempre separou religião de experiência religiosa, sendo a segunda, para ele, uma expressão da psique e uma construção cultural. Embora com vínculos institucionais, a forma como Jung lidou com temas referentes à alma encontrou pouca aceitação nos meios acadêmicos e clínicos. Jung lera A Interpretação dos Sonhos, de Freud, em 1900, mas, foi em 1906, que iniciaram as correspondências entre ambos e uma relação pessoal que duraria até 1914. Freud era persona non grata no meio acadêmico, mas , com o lançamento do livro A interpretação dos sonhos, passou a ser conhecido como o fundador de uma nova teoria. Jung havia assumido abertamente na comunidade científica internacional, sobre como seu trabalho com as associações de palavras estavam em conformidade com a teoria de Freud sobre os mecanismos de repressão, destacando a importância da obra de Freud nos seus estudos. Na relação com Jung, Freud deixou claro quem era o aprendiz, e que estava confiante que, muitas vezes, Jung estaria em posição de lhe “secundar”.
A relação entre Jung e Freud termina quando Jung expressa suas reservas a respeito da primazia da sexualidade na teoria freudiana. No artigo intitulado Sigmund Freud, um fenômeno histórico-cultural, Jung lança uma dura crítica ao “pomo da discórdia”, afirmando que o iluminismo foi “o chão pátrio” que firmava o pensamento psicanalítico freudiano, e interroga sobre todas as complexas manifestações da alma, como arte, filosofia e religião pareciam-lhe suspeitas, ou melhor, “nada mais do que” repressões do instinto sexual. Essa posição essencialmente limitadora e negativa em relação a reconhecidos valores culturais baseiavam-se num condicionamento histórico. Para Jung Freud via como sua época o obriga a ver. Isso aparece melhor na obra Die Zukunft einer Illusion, onde Freud traça uma imagem da religião que corresponde exatamente ao preconceito da época materialista.
autoria: Renata Bomfim
Um comentário:
Muito bacana os links, feitos de maneira esclarecedora, aliados à introdução/nascedouro de Jung na história. Obrigado!
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