Espaço literário e de defesa da arte, do meio ambiente e da democracia, compartilhado pela escritora e ativista ambiental Renata Bomfim.

05/09/2009

A condição da mulher na história: silêncio e enclausuramento

"Que a mulher conserve o seu silêncio” (Apóstolo Paulo)
A historiadora Andrée Michel afirmou que “a história das mulheres é antes de tudo a história da instalação de sua repressão e da ocultação desta”. Segundo esta autora não há nesse fenômeno, acaso, e nem ciência neutra. Este pensamento vai de encontro ao de Simone de Beauvoir (1980) que, com sua célebre frase: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, revelou o pensamento que defenderá em sua obra, de que o papel de coadjuvante da mulher em relação ao homem é uma construção social e não fator biológico ou psíquico. Tanto é cultural que, antes da cultura instituir-se, ou seja, entre 6.000 e 3.000 a.C., período que compreende o neolítico médio, a revolução técnica decorrentes da descoberta de novas fontes de energia como atração animal e a energia gerada pelas águas e pelo vento, de novas técnicas de produção e ferramentas como o arado, o moinho de vento, e o barco à vela, passou a substituir a mulher como agente de produção agrícola, e o status dessa passa sofrer profundas modificações que se perpetuarão por milênios.
Mas qual era a condição da mulher no paleolítico, antes das mudanças acontecidas no neolítico médio? O tema é controverso, muitos pensadores dizem não haver provas suficientes da existência de uma época dominada por matriarcado. Michel chamou a atenção para o fato de serem os referenciais mais antigos nos estudos científicos, também um produto histórico, cujo olhar está comprometido com uma visão de mundo que ratifica mulher como coadjuvante do homem na história, ela diz: “Num mundo em que o poder é masculino, a condição da mulher, quando não ocultada, é descrita por historiadores, etnólogos, sociólogos, de forma androcentrica”.
O paleolítico durou milênios e é um dos mais desconhecidos da história. Estudos feitos a partir de sinais encontrados em cavernas e estatuetas de osso e de pedra, levaram os cientistas a delinear essa sociedade como pacífica não foram encontrados indícios de guerra, embora esses povos já utilizassem armas para caçar. Homens e mulheres participavam de forma equivalente da caça e da coleta, não havia propriedade privada e nem cumulação ou exploração de um sexo pelo outro. Os primeiros signos parietais encontrados nas cavernas datam de 30.000 a. C. e eram signos sexuais femininos e masculinos, mas as únicas estatuetas, em pedra ou marfim, são representações femininas, mulheres com seus atributos destacados, seios fartos, ventre bem desenvolvido.
Estes indícios levam a crer que, nessas sociedades, a mulher tinha papel de destaque. Michel (1982, p. 15), relata que aproximadamente 10.000 a.C., a mulher teve papel preponderante na mudança do paleolítico para o neolítico. O clima foi o gatilho que desencadeou essa revolução, a escassez da caça e a aridez do solo, fez com que surgisse a agricultura de enxada. Vários estudiosos entre eles E. Bouding (1982), atribuem à mulher essa invenção, a partir da observação dos ciclos de germinação e produção dos cereais, e outras invenções como a fiação e a tecelagem, as primeiras cerâmicas, a criação de mós de pedra para triturar os grãos. O estatuto da mulher no neolítico é elevado, e as estatuetas femininas, primeiras divindades, em argila, eram chamadas “deusas mães”, e seu poder vinha da associação entre a mulher e a terra fecunda.
Com o neolítico médio, o estatuto da mulher passa a sofrer modificações, como já citamos anteriormente, os avanços e descobertas desse período fizeram com que a mulher fosse substituída como força de trabalho, a enxada substituída pelo arado o que ocasionou o excedente de alimentos e, conseqüentemente, o sedentarismo e a explosão demográfica. Surge nesse período a propriedade privada e a cumulação de bens, bem como os burgos, embriões das futuras cidades. Na sociedade estatal, baseada na escravidão, rompeu-se o equilíbrio entre o homem e a natureza e inaugurou-se uma nova forma de divisão do trabalho. Os espaços comunitários passam a ser palcos de antagonismo de classes onde variados grupos como artesãos, sacerdotes, militares, passaram a viver a serviço dos mais ricos. As necrópoles indicam o grau bélico dessa sociedade, foram encontradas fossas coletivas com corpos crivados de flechas, o homem agora “agricultor” e “sedentário”, já não tolera a extensão das florestas e nem “rebanhos pastando em seus campos de trigo”. Enfraqueceu-se a base ideológica do matriarcado com o reconhecimento da participação masculina na procriação. A “deusa-Mãe” que durante muito tempo foi o único objeto de veneração foi atribuída um parceiro macho que, inicialmente, lhe era subordinado mas depois igual e, finalmente, soberano, o “pai do céu”.
No seio da nova religião, o patriarcado, está à repressão e o entendimento da mulher como ser de segunda classe. Uma forma de solidificar a imobilidade social da mulher ocorre por meio da clausura. Nos séculos VI e VII às mulheres era vetado o direito ao episcopado, mesmo assim, elas ajudaram a construírem mosteiros, que era a instituição detentora do monopólio da educação. No século VIII um decreto do imperador Carlos Mágno proibiu que meninos fossem instruídos em mosteiros, o que fez com que nos séculos subseqüentes as mulheres tivessem um grau de instrução maior que os homens e, conseqüentemente, voltassem a gozar de uma liberdade esquecida pois podiam gerir negócios, além de herdar e alienas propriedades. Entre os séculos VIII e IX as mulheres conseguem resgatar a autonomia, isso aconteceu em diferentes lugares do mundo, por exemplo, no Islã, as mulheres tinham papel social de destaque e lecionavam nas universidades, em Roma, a imperatriz Teodora e sua filha controlavam o papado, em Bizâncio, as rainhas eram conhecidas por sua instrução, as mulheres eram numerosas nas universidades e exerciam profissões liberais.
A imagem convencional da exclusão da mulher, só viria a nascer após o século XII, com reformas promovidas pela igreja. Os conventos deixam de ser locais de fomento da educação, a hierarquia da igreja constrói universidades anexas às catedrais, cujo acesso era vetado a moças que continuavam a ter uma educação precária nos conventos. A defasagem na educação entre homens e mulheres tirou-as do mercado de trabalho e no século XIV o poder e a cultura já não estão mais ao seu alcance. Fortalecida com a exclusão das mulheres dos cargos de poder, a igreja uniu-se a uma nova classe, produto das cidades engendradas pelo comércio, os burocratas. Da aliança formada entre a igreja e tesoureiros, chanceleres e magistrados, surgem leis que proíbem a sucessão do domínio real pela linhagem materna, as mulheres perderam o direito de gerir seus bens e a independência econômica. A crescente extinção dos direitos das mulheres, principalmente pela via da educação e da divisão do trabalho, faz nascer nasce à contracultura feminina da resistência.
Tendo como únicas opções socialmente aceitas o casamento ou o convento, as mulheres passaram a se agrupam, muitas passaram a morar juntas e a trabalhar nas cidades. A igreja e a burguesia responderam a tal insubordinação com novas leis que, agora, as julgam “juridicamente incapazes”. Simultaneamente foram instituídos os julgamentos por heresia que, sob o pretexto de feitiçaria, tinham poderes sobre a vida e a morte. Durante o século XIII, período que foi instituída a inquisição, as mulheres que viviam sozinhas, ou em grupos, bem como as viúvas que recusavam um novo casamento, as solteiras ou separadas, eram as primeiras a serem acusadas de bruxaria e de “atacar a força sexual dos homens, o poder reprodutor das mulheres e de agir com o objetivo de exterminar a fé”. A inquisição dizimou milhares de mulheres, ela foi sendo extinta gradualmente, no decorrer do século XVIII, mas a sua essência original que era a guarda da pureza e da fé. No século XVI a “normatização” prosseguiu e, amparados na antiga idéia romana de fragilitas sexus, foi decretada a morte civil das mulheres na família e na sociedade.
O enclausuramento no seio da família era o destino da mulher do século XV e XVI. Elas só podiam agir com autorização do pai ou do marido e qualquer ação sem tutela era considerada judicialmente nula. A ética burguesa apoiava-se na idéia de que lugar de mulher era em casa, dedicando-se as funções domésticas, essa mentalidade gerou a filosofia de que as mulheres não indivíduos, cidadãs do estado nacional. As produções científicas e artísticas realizadas por mulheres desse período eram assinadas por seus pais, maridos, irmãos, que passavam a ter direito sobre a produção. Os séculos XVII e XVIII a economia passa a se basear na indústria, ancorada na exploração colonial e na guerra. A condição das mulheres degrada-se ainda mais, principalmente a das mulheres dos países pobres. A valorização da produção faz com que estas sejam julgadas como “ociosas” e portanto tornam-se objeto do desprezo masculino. A invenção de novas máquinas acelerou a divisão do trabalho restando as mulheres empregos cada vez mais mal pagos. Tais condições geraram no século XVIII vários movimentos de resistência feminina no mundo. As bas bleus animavam os salões literários da Europa, na América as quakers, muitas delas foram enforcadas, na França as salonnières ganharam celebridade, e passam a se agrupar em associações que foram o berço do movimento feminista.
No século XIX as mulheres se tornaram uma potencia produtiva doméstica e não-mercantil. As mulheres pobres produziam em casa artefatos que eram vendidos no mercado e as da burguesia, esposas de executivos e multinacionais, exerciam gratuitamente o papel de um empresário bem pago no setor mercantil. Essa mão de obra “não-remunerada” e a exclusão feminina do mercado de trabalho davam aos operários seguridade, as mulheres eram prisioneiras da família. As mulheres do século XIX “constituíram uma importante vanguarda dos movimentos sociais participando das doutrinas e movimentos revolucionários”. Em 1848 o movimento feminista desbobrou-se em muitas direções o que desperta uma forte onda anti-feminista que atingia os sindicatos masculinos que lutavam para que as mulheres não tivesse acesso ao mercado de trabalho, eles contestavam as lutas das operárias chegando a fazer greve quando mulheres eram contratadas, eles exigiam “a supressão do trabalho feminino” e, segundo M. Guilbert,“o problema se colocava idêntico em todos os lugares”. A resistência feminina continua gerando nos homens profunda indignação, não podendo deter o avanço feminino, os partidos políticos sexistas, criaram legislações para limitar a sua atuação e o seu tempo da mulher no mercado de trabalho.
pesquisa: renatabomfim

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