17/03/2021
14/03/2021
Pedro Sevylla de Juana, escritor e artista multifacetado.
Pedro Sevylla de Juana é um
amigo do Brasil e, especialmente, do Espírito Santo. E foi aqui, em terras
capixabas, que ele construiu fortes laços de amizade e parcerias literária de
forma que tornou-se Acadêmico Correspondente na Academia Espírito-Santense de
Letras (AEL) e possui várias publicações e traduções de obras de escritores capixabas, com
destaque para a obra que traduziu para o castelhano, O Coração da Medusa, que está
em fase de editoração.
Durante a sua
estada no Espírito Santo, Pedro Sevylla proferiu uma palestra na Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) e participou de tertúlias no Instituto
Histórico e Geográfico do ES. Tive a alegria de levá-lo ao Morro da Fonte Grande, uma região Periférica da capital, Vitória, onde tenho muitos amigos e amigas. Lá pudemos tomar um café com a atleta Xuxa Capixaba e visitar pessoas da comunidade. Seu ultimo trabalho dedicado ao Brasil foi o
livro bilíngue e ilustrado de poesias Brasil Sístoles e diástoles.
Pedro Sevylla de Juana
nasceu no dia 16 de março de 1946 em Valdepero, província de Palencia, na
Espanha. Descendente de agricultores e artesãos, possui formação em
publicidade, direção e marketing, desenvolvendo trabalhos no campo da arte como
o desenho e a fotografia. Pedro trabalhou em variadas multinacionais e,
atualmente, dedica-se por completo ao campo da escrita, sendo o autor de várias
obras premiadas e do blog literário que leva o seu nome. (http://pedrosevylla.com/)
Desde muito jovem Pedro Sevylla demonstrou interesse pelo campo
literário, dedicando especial atenção à poesia e a prosa poética. Possui uma
extensa produção narrativa que abarca contos, romances e novelas e uma fortuna
crítica que dá uma visão da abrangência de sua escrita. A tradução é
outra faceta desse artista multifacetado que dedica ao Brasil variados estudos,
traduzindo textos de escritores brasileiros de diferentes épocas.
Pedro Sevylla é um ser humano inquieto. Ele gosta de conhecer
pessoas, lugares, Nov as culturas e essas experiências convergem
para os seus textos de forma poética e lúdica. Já viveu parte de sua vida em
Barcelona, Madri, Genebra, Paris, entre outros e, segundo ele, possui três
paixões: "Vivir, leer y escribir". Suas obras estão publicadas em
várias antologias internacionais. A profícua produção literária de Pedro
Sevylla de Juana nos legou personagens complexos como Estela e Lázaro, da
obra Estela e
Lázaro vertiginosamente, romance publicado em 2014, mas, entre essas
múltiplas figuras destaca-se a de Cesáreo Gutiérrez
Cortés, personagem nascido nas tramas da novela Ad Memoriam (2007),
fruto da necessidade de sua filha, Alba Gutiérrez Peña, de realizar um trabalho
sobre algum escritor para a aula de literatura. Alba, então, recordando-se do
pai falecido, sobre o qual pouco sabia, decide empreender uma viagem em busca
do Cesáreo pai e escritor. Pedro construiu, em um ensaio recente intitulado Cesáreo
Gutiérrez Cortésartista y pensador, um
diálogo com Cesáreo.
Nesse estudo, deparamo-nos com a voz de Cesáreo
Gutiérrez Cortés, realizando um largo esclarecimento sobre sua vida interior e
motivações. A partir dos pressupostos bakhtinianos, podemos dizer que
Pedro Sevylla de Juana, enquanto consciência autoral, ideólogo da arquitetônica
do texto, permite o escoamento de excedentes do texto e Cesáreo pode, então, se
manifestar de forma mais livre expondo mais sobre a sua vida literária,
aspectos e fatos que fugiram das publicações anteriores e revisando alguns
fatos de sua existência, como a inconformidade com a sua morte prematura.A
filha de Cesáreo, Alba Gutiérrez Peña, recorreu a um acervo de memórias para
reconstituir o perfil inacabado de seu pai, as imagens das fotografias
passaram a ganhar vida e a memória passou a ser completada com as tramas da
imaginação. Um caderno deixado por Úrsula, sua mãe, seria a fonte de dados
inéditos para a jovem, e esse achado lhe possibilita montar o quebra-cabeça, ou
seja, o perfil desse personagem singular. A relação entre Pedro Sevylla e
Cesáreo Gutiérrez é caleidoscópica e reflete fragmentos das vidas de um e
de outro em uma permuta possível apenas por meio do fenômeno literário, ou
seja, da fabulação.
O olhar de Úrsula para Cesário, somado ao de Alba, acrescido,
ainda, do olhar de Pedro Sevylla, observador privilegiado, visto que é autor,
descortina a existência de um personagem que nasce nas páginas do papel
enquanto memória vida e o leitor, mesmo com essas informações, ainda se
pergunta: mas, quem será, na realidade, Cesário Gutiérrez Cortés?
O linguista russo Mikhail Bakhtin fala sobre a importância de não
se confundir a vida do escritor com a do personagem, ou seja, o autor
deve ser observado como uma instância que se imbrica numa vivência estética, ele
luta por configurar o personagem como um OUTRO de si mesmo. Esse exercício de
objetivar-se, como acontece nas autobiografias, por exemplo, exige um exercício
de deslocamento no qual o autor olha de fora do mundo íntimo do personagem, de
maneira que esse adquire um quantum significativo de autonomia, eis o que então
que, no plano da existência, possibilita o nascimento de um novo ser. Não poderia deixar de citar personagens que gozam de
vida própria como os universais Hamlet, Dom Quixote, Madame Bovari, Drácula, Macunaíma,
Dom Casmurro, Macabéa, Capitu, entre outros. Essa autonomia do personagem emana
do campo estético que gera uma força a partir da qual autor e personagem
dialogam intersubjetivamente, destacando aqui o diálogo como um campo de
embate, nem sempre harmônico.
Nesse diálogo franco com Pedro Sevylla, autor, Cesáreo Gutiéres, personagem, expressa
algumas singularidades da sua existência literária, especialmente, como citado
anteriormente, o descontentamento com a própria morte. Certa vez, a escritora
nascida no Espírito Santo, Neida Lúcia Moraes, revelou que um personagem seu
trazido à luz diretamente das páginas amareladas de documentos antigos, para as
páginas de um romance histórico contemporâneo, recusava-se a morrer, inclusive
visitando a autora em sonho, descontente com o fim trágico que lhe relegaria
uma segunda morte. Enfim, é interessante observar que muitos desses seres
de papel, animados pelo espírito do escritor, são insuflados a desejarem a
eternidade, quem sabe pelo próprio escritor, de forma inconsciente, ou pelos
leitores. Como não desejar que Diadorim e Riobaldo não fossem separados pela
morte e ficassem juntos, mas como não reconhecer a perfeição dessa obra que nos
brinda com uma dor essencial, visceral e necessária, permitindo que por meio da
catarse, morramos junto com o jagunço que renasce um Riobaldo transformado, um
homem pacífico que narra a sua história ao médico viajante, alter
ego de Guimarães Rosa. É a partir desse esquema estético e
ficcional que compreendo Cesário Gutiérres, um personagem inquieto, assim como
o seu autor, mas livre para fazer as suas escolhas dentro desse universo de
alteridade que é o da Literatura.
Aproveito o momento no qual teço essas breves considerações sobre a escritura do amigo e tradutor Pedro Sevylla de Juana para lhe desejar um feliz aniversário e muitos anos de vida e de produção literária, celebrando os vínculos de amizade que a literatura e a pesquisa literária nos favorece.
Santo Agostinho, entre as suas proposições filosóficas, nos fala sobre os "bons encontros", ou seja, aqueles encontros que aumentam a potência de (cri)ação dos sujeitos, que permitem a formação de singularidades sem medos e nem despotismos, enfim, é assim que agradeço ao Pedro ser esse amigo presente na minha vida há muitos anos e desejo a ele, a sua amada esposa Elvira e aos seus filhos e netos muitas alegrias.
Renata Bomfim. Vitória, ES, Brasil, 14 de março de 2021
12/03/2021
Eles querem a glória (Renata Bomfim)
O Estrangeiro de Albert Camus: Filosofia e linguagem (Renata Bomfim)
XXXXX A obra camusiana apresenta e descreve o absurdo como algo da condição humana. Em Explicações de O Estrangeiro”, Sartre já afirmava que: “Se somos capazes de recusar a ajuda enganosa das religiões ou das filosofias existenciais, restam-nos algumas evidências essenciais, o mundo é um caos, [...] não há dia seguinte, visto que se morre”. Para Sartre, Camus tinha um certo gênero de sinistro solar, ordenado, cerimonioso e deslocado”, que anunciava “um clássico, um mediterrânico”, que diferiria desse “outro mediterrânico” em muitos aspectos, não lembrando tanto um “fenomenólogo ou um existencialista dinamarquês” (SARTRE, 1968, p.89-90).
XXXXX Já Boudon (1996, p. 1), ressaltava que O estrangeiro fitava a narrativa, “a partir do olhar do artista sobre o existir velado na sua estrangeidade, estado difuso, compacto, encoberto”, absurdo que pode ser percebido e descrito sob vários aspectos da obra, especialmente, no silêncio. Uma ausência propositada da fala, magistralmente trabalhada por Camus, põe Meursault, protagonista principal do romance, contra a convenção. Holanda (1992, p. 42) em Criação e Crítica afirma que “a linguagem contém seu poder de liberdade, de subversão do real, quando uma palavra imprescindível, um acordo inesperado, nos acorda a consciência". Para essa critica, “o primeiro passo de Meursault é o de tirar da palavra o ‘phathos’, termo grego que designa sentimentos, estados da alma, cujo peso impede uma relação mais livre com o mundo”.
XXXXX Assim, palavras como não sei, tanto faz, nada comentei, disse que sim, mas tanto fazia, fazem parte do vocabulário de Meursault. Sartre (1968, p. 98) diz que “um mal comum a muitos escritores contemporâneos é a obsessão do silêncio”. O silêncio na obra de Camus reflete “a demasiada desconfiança diante do signo lingüístico”, Para Holanda (1992, 68), não podendo calar a sociedade, Meursault cala a si mesmo, e seu comportamento é o de quem “tendo perdido a adesão ao que as palavras vinculam, perdeu aí, a significação do mundo até então seu. Seu silêncio assinala desapropriação do mundo, desinteresse.
XXXXX Quanto ao crime cometido por Meursault, reproduz-se a indiferença, o personagem tira a vida de um árabe em circunstâncias repletas de subjetividade. Assassino circunstancial, Meursault atribui a culpa por seu ato criminoso ao sol e em várias passagens que cercam o acontecido ele atribui vinculação ao sol: “O sol estava agora esmagador”, “Era o mesmo brilho vermelho”, “sentia a testa inchar sob o sol”, “eu estava só [...] todo corpo ao sol”, “era o mesmo sol do dia em que enterrara mamãe”, “o gatilho cedeu”, “sacudi o suor e o sol”. Acerca da presença do sol na escrita camusiana, Sartre (1968, p. 99) escreve que “O estrangeiro oferece uma série de opiniões luminosas, [e que o] verão perpétuo de Argel é a sua estação preferida, a noite quase não entra no seu universo”.
XXXXX A narrativa nos mostra que as noções de bem e de mal parecem indiferentes para Meursault que, após cometer o assassinato, demonstra não tem noção da gravidade de seu ato, e que cometera um crime que, mais tarde, o condenará a pena de morte. Meursault não tem o hábito de refletir e nem de questionar, ele está entregue a própria sorte, ao acaso. O texto nos mostra que na prisão, quando este foi interrogado, por variadas vezes acreditou que seu caso “era muito simples”, mas seu advogado lhe advertia apontando o contrário, que o seu caso “era delicado”. O descaso para com a morte da mãe lhe pesou no julgamento, até com mais força do que a acusação de assassinato:
XXXXX O promotor voltou-se, então, para o júri e declarou:
__ O mesmo homem que, no dia seguinte à morte de sua mãe, se entrega a mais vergonhosa devassidão, matou por motivos fúteis e para liquidar um inqualificável caso de costumes.
[o advogado rebate]
__ Afinal, ele é acusado de ter enterrado a mãe ou de matar um homem? (CAMUS, 1957, p. 98).
XXXXX Meses de cárcere promoveram algumas mudanças em Meursalt, privado de sua liberdade ele passou a fazer algumas reflexões, o texto nos mostra que, no banco dos réus as vezes o personagem “ficava tentado a intervir”, mas o seu advogado lhe dizia: “cale-se, é melhor para o seu caso”. O personagem ressalta que acertaram seu destino “sem pedir opinião”, e que às vezes “tinha vontade de interromper todo mundo e dizer: mas afinal, quem é o acusado? É importante ser o acusado. E tenho algo a dizer” (CAMUS, 1957, p. 100). Mas logo o desejo esvaziava-se e ele percebia que “nada tinha a dizer”.
XXXXX Camus tece uma crítica sobre o arbitrário sistema da justiça quando, na fala do promotor, apesar do silêncio, Meursault tornou-se réu das próprias palavras:
__E aqui está meus senhores- disse o promotor. [...] não se trata de um crime comum, de um ato impensado que os senhores poderiam achar atenuados pelas circunstâncias, Este homem, senhores, [...] é inteligente. Ouviram-no falar, não é verdade? Sabe responder. Conhece o valor das palavras. (CAMUS, p. 101-102).
XXXXX Ao final da narrativa, Meursault “esvaziado de esperança”, entrega-se à morte. Para não se sentir só o personagem deseja que no dia de sua execução, “muitos expectadores” o recebam com “gritos de ódio” e o assistam morrer (CAMUS, p, 122). Segundo Holanda (1992, p. 80), “o que Camus intenta certamente, é fazer com que o leitor partilhe sua visão de sociedade, ele busca traduzir o absurdo da realidade social. Stuar Hall (2004, p.9), no livro A identidade cultural na pós- modernidade, aponta para as transformações que marcaram a modernidade, transformações estas que estão mudando também as nossas identidades pessoais e abalando “a idéias que temos de nós próprios como sujeitos integrados”. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito.[...] e constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo.
XXXXX Em 1940, com o Estrangeiro já escrito, Camus escreveu: “Não sou daqui, mas também não sou do outro lado. E o mundo não é senão uma paisagem desconhecida, onde o coração já não tem apoio” e o escritor pergunta: “Estrangeiro, quem pode saber o que esse nome significa?” e desabafa: “Estrangeiro - confessar a mim mesmo que tudo me é estrangeiro” (HOLANDA, 1992, p. 78).
Referências:
- HOLANDA, Lourival. Sob o signo do silêncio. São Paulo: Editora da Universidade Federal de São Paulo, 1992.
- CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Tradução de Valerie Rumjanek. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1957.
- TOOD, Olivier. Que Absurdo? Texto disponibilizado em: <%20.htm">http://www.rubedo.psc.br/Artlivro/absurdo>%20.htm. Acesso em 23 nov. 2006.
- BOUDOU, Telma Martins. A construção do olhar. Anais ABRALIC, 1996.
- HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2004.
08/03/2021
Homenagem as Bordadeiras Reluz no Dia Internacional da Mulher
06/03/2021
Escritora Giovana Schneider lança o romance "Paralelos da vida".
A vida é cheia de altos e baixos. São momentos que se tornam cruciais para o sujeito repensar quem é, de onde vem e para onde vai. Alguns episódios podem ser por demais marcantes. É o caso especialmente dos ritos de passagem, como casamento, nascimento de um filho, aposentadoria. Há, inclusive, quem pontue sua trajetória por estes ritos: me alfabetizei aos sete, aprendi a andar de bicicleta aos oito, meu primeiro amor foi aos 16, passei no vestibular aos 17, casei-me aos 36, tive filhos com 40, e assim sucessivamente.
Giovana Schneider, no “Paralelo da vida”, escolheu uma experiência de quase morte para assinalar o antes e depois de sua protagonista. Uma escolha, eu diria, bastante ousada. Além de ser um tema tabu, não é algo com vasto material disponível para pesquisa. Acertadamente, Giovana trilhou a senda da intuição para ir desdobrando os acontecimentos na vida de Mayara. Por demasiada humana, trata-se de uma narrativa linear e deliciosamente cotidiana. Os diálogos são tão naturais que é possível se sentir junto dos personagens, no quarto de hospital, na cafeteria da esquina, ou no sofá da sala enquanto o “dogo” corre pelas pernas, para, depois, cansado, aninhar-se no nosso colo. É possível sentir toda dor de determinado personagem, bem como a alegria de outro; e também o torpor e sensação de confusão que outro personagem sente diante de uma vida que se apresenta às vezes tão sem nexo ou sentido.
E nesse embalo despretensioso, enquanto vamos saboreando a história, também somos convidados a refletir sobre nossa própria vida. Como eu agiria nesta situação? Como eu me sentiria diante de tal acontecimento? O que eu faria caso tivesse que passar por tal experiência? Isso tudo faz de “No paralelo da vida” uma obra de leitura singular. A história pede a companhia um bom chá, café ou taça de vinho. É obra para degustar, muito embora ela nos tome, vira e mexe, de assalto, e exija uma leitura voraz, ansiosa. A mim, “No paralelo da vida” impactou. Mexeu comigo de diversas formas. Espero que faça o mesmo com você. Boa leitura!
PDF da obra Frauta Agreste, de Maria Antonieta Tatagiba.
Olá estimados leitores(as) e estudiosos(as) da Literatura produzida por mulheres, o NEPLES/ UFES publicou a obra Frauta Agreste, de Maria Antonieta Tatagiba, primeira mulher a publicar um livro de poesias no Espírito Santo. Baixe aqui o PDF da obra.
