O poema Thálassa Thálassa, foi escrito por Haroldo de Campos em 1952, no volume 1 da revista Noigandres, fase anterior ao lançamento da poesia concreta que ocorreu em 1956. Thálassa Thálassa, segundo as palavras do próprio Haroldo:
Significa “O mar ! O mar”. Provém de Anábasis, de Xenofonte (430 c.a – 355 a.C.), da cena em que descreve a retirada de dez mil gregos, sob seu comando, e registra a exclamação de suas tropas quando, após árduas peripécias, os soldados defrontam-se finalmente com o Mar negro ( Ponto Euxino). (1992, p. 147):
Thálassa Thálassa
1
Não sabemos do Mar.
O Mar varonil com seus testículos de ouro
O Mar com seu coração cardial de folhas verdes
E suas imensas brânquias de peixe aprisionado
O Mar, não esse que dá as nossas costas
Pantera de espuma que as mulheres domesticam
Em suas redes de látex
Rei de Bizâncio e ungüento movendo entre as esposas
As mãos manicuradas.
Não sabemos do Mar
O dia nos confina entre a pobre matéria da madeira calada
Entre os pássaros ocos, os cavalos de força e a mucosa eletrônica
E à noite adoramos ao Sol de Galatite e o Poderoso Às de Espadas
Enquanto os cinocéfalos correm sobre os nossos telhados
Aguardando a mulher- Nua que há de aparecer com seus pequenos seios
Bela como o almíscar, que rói as pituitárias
E as zibelinas que mortas em torno de suas nádegas de prata.
2
Não sabemos do Mar.
Ó trombeta de osso!
Pífaros surdos emboscados na areia!
_ Um pássaro que se perdeu no céu de celofane
Esquece o seu grito de gaivota marinha.
É aqui a morte de sete- palmos- de- terra
E tríplice coroa de chumbo sobre a fronte
A morte, o grande cão montando um asno negro
E tangendo à sua frente os zabumbas do luto.
É aqui a terra- Firme e os navios- ancorados
A Madeira-de lei e as Construções- de pedra
_ O homem que lê a sorte nas vísceras sagradas
Suspende à sua porta o bucrânio dos loucos.
... E falam de uma Cidade antiga
Como essa moeda de argila
E viva como o odor dessa rosa.
Dos seus mercados onde se bebia o vinho de lótus
Dos seus destinos confinados a Anciãos de barbas de papirus
De suas leis, de seus Deuses, e de suas Virgens, seus Reis:
E o imenso dique de pedra erguido por seu povo
Para deter o Mar
_ São essas torres de prata que vemos à vasa da maré-
E Ele agora a recobre como um verde morcego
Recolhendo a membrana das asas e às avessas
Suspenso
Como um verde morcego em sua sesta lunar.
3
Eu também praticando os Ritos Fúnebres da Rosa
Quando os amigos – Os templários de um mistério sem templo-
Cruzam as lanças e se afastam num adeus melancólico
Eu nada sei do Mar, mas o poema o supre,
E um escaravelho de esmeralda pousado em minha fronte
Fala-me em sua rude algaravia marítima:
_ O Mar, Galo Sultão com seu clarim de Espanha
Seu triunfo de trezentos potros de ametista
Quando belo e animal rói as próprias entranhas
E um punho de sal se abate no horizonte.
_ O Mar em seu decúbito dorsal de folhas verdes
Sargão de uma longínqua dinastia de púrpura
Dom Diniz lavrador de suas lavras de espuma
Falconeiro, e no ombro o seu falcão – a lua.
_ O Mar,
Não esse leão de pedraria que dá as nossas praias
Sol hidrópico, tigre
De tornassol que as mulheres amansam com o triângulo
Núbil em seu ventre de benjoin e eletro- imã.
_ O Mar, mancebo hirsuto
Com peixe nas virilhas
_ O Mar, coração cardial
Crivado de espadartes
E no peito de dura substância marinha
Como imensa tatuagem a fósforo e santelmo
O esqueleto de coral de todos os seus mortos.
4
E um menino ergue-se entre os homens e senta-se entre os sábios
(Teu signo, ó mistério, o carbúnculo sobre a testa dos linces!)
Um menino de orfandade magnífica, como o ultimo de uma raça.
Entre o povo das cavernas, o povo da terra firme
Os Comedores- de- terra
Cujos primogênitos apodrecem em cântaros de barro
E são os deuses- do- alicerce, os padroeiros, os lares
Das Construções- de- pedra e dos Bens- de raiz.
Um menino sentado entre os sábios e erguido entre os homens!
O Bastardo, o Herdeiro
Presuntivo de uma Linguagem a extinguir-se
(como os híbridos nas espécies carregando a semente infecunda)
E fala do Mar e de ancestrais de límpida
Geração marinha
Aos doutores que escrevem sobre placas de adobe
As mulheres que tingem as unhas dos pés com um esmalte de múrex
E a um homem que enterra os seus mortos nas manhãs de domingo
Colocando-lhes sob a língua uma pequena moeda
E recheando-lhes o ventre de natrão e especiarias..
5
Um menino e sua fronte
Como a asa de um pássaro de marfim
Um menino, e sua voz como a têmpera de uma espada
E uma isolação de vogais restaurando a língua- de- d’oc dos vaticínios!
6
_Tu, Deusa- Leoa
Ó morte de esporões de bronze
- Morte marítima, não essa de sete- palmos- de- palmos... _
Ergue o tridente de ouro, favorece
Também os alísios do Poema
- Virgem barroca, figura
Na proa dos navios
Sacode a cabeleira abissal profunda de pólipos
Quando o Mar almirante Te empolga e o tatuas no peito
Com o esqueleto de coral de todos os seus mortos
Sustém a andança do Poema, ó Favorita,
De fúnebre nudez sitiada por eunucos
Enquanto sobre Ti os dátilos claros como digitális
Se abrem
E nada á Tua ilharga ou cardume aguerrido dos delfins.
_ E TU, Árvore da Linguagem,
Mão do Verbo
Cujas raízes se prendem no umbigo do Mar
Ergue Tua copa incendiada de dialetos
Onde a Ave- do- Paraíso é um Íris de Aliança
E a Fênix devora os rubis de si mesma
Recebe este idioma castico como um ouro votivo
E as primícias do Poema, novilhas não juguladas
Te sejam agradáveis!
Tu, Mãe do verbo cercada de hespérides desnudas,
Cuja fala é sinistra qual a voz dos Oráculos,
E bífida como a língua dos dragões...
7
Um menino e seu canto
Como um pouco de sal nos ritos de amizade...
... Mas um dia o Povo se cansará de ouvi-lo,
O Povo se cansará de chamá-lo “O Justo”!
(Nesse dia os telefones serão pássaros de gargantas ocas
repetindo para sempre os nomes pérfidos do Exílio
E escorpiões domesticados devorarão a língua dos rouxinóis
Para que todos possam ouvir a irretrucável
Dialética do Encéfalo Eletrônico).
_ E como os Dez Mil que viram o Mar e disseram “O Mar”
_ E como o Doge de Arnês de prata no Bucentauro de núpcias
_ Ou essa criatura _ a medusa _ de pura substância marinha
Tão límpida que a retina não filtra – azul sem tara,
Um homem desce das Terras- Firmes e procura
O Mar
_ O Mar varonil com seus testículos de ouro
_ O Mar paternal de tórax iracundo
E sonoros pulmões de búfalo encerrado,
E àquele imenso coração filial rodeado de ametistas.
_ É esse elmo de púrpura que vemos na vasante das águas.
Significa “O mar ! O mar”. Provém de Anábasis, de Xenofonte (430 c.a – 355 a.C.), da cena em que descreve a retirada de dez mil gregos, sob seu comando, e registra a exclamação de suas tropas quando, após árduas peripécias, os soldados defrontam-se finalmente com o Mar negro ( Ponto Euxino). (1992, p. 147):
Thálassa Thálassa
1
Não sabemos do Mar.
O Mar varonil com seus testículos de ouro
O Mar com seu coração cardial de folhas verdes
E suas imensas brânquias de peixe aprisionado
O Mar, não esse que dá as nossas costas
Pantera de espuma que as mulheres domesticam
Em suas redes de látex
Rei de Bizâncio e ungüento movendo entre as esposas
As mãos manicuradas.
Não sabemos do Mar
O dia nos confina entre a pobre matéria da madeira calada
Entre os pássaros ocos, os cavalos de força e a mucosa eletrônica
E à noite adoramos ao Sol de Galatite e o Poderoso Às de Espadas
Enquanto os cinocéfalos correm sobre os nossos telhados
Aguardando a mulher- Nua que há de aparecer com seus pequenos seios
Bela como o almíscar, que rói as pituitárias
E as zibelinas que mortas em torno de suas nádegas de prata.
2
Não sabemos do Mar.
Ó trombeta de osso!
Pífaros surdos emboscados na areia!
_ Um pássaro que se perdeu no céu de celofane
Esquece o seu grito de gaivota marinha.
É aqui a morte de sete- palmos- de- terra
E tríplice coroa de chumbo sobre a fronte
A morte, o grande cão montando um asno negro
E tangendo à sua frente os zabumbas do luto.
É aqui a terra- Firme e os navios- ancorados
A Madeira-de lei e as Construções- de pedra
_ O homem que lê a sorte nas vísceras sagradas
Suspende à sua porta o bucrânio dos loucos.
... E falam de uma Cidade antiga
Como essa moeda de argila
E viva como o odor dessa rosa.
Dos seus mercados onde se bebia o vinho de lótus
Dos seus destinos confinados a Anciãos de barbas de papirus
De suas leis, de seus Deuses, e de suas Virgens, seus Reis:
E o imenso dique de pedra erguido por seu povo
Para deter o Mar
_ São essas torres de prata que vemos à vasa da maré-
E Ele agora a recobre como um verde morcego
Recolhendo a membrana das asas e às avessas
Suspenso
Como um verde morcego em sua sesta lunar.
3
Eu também praticando os Ritos Fúnebres da Rosa
Quando os amigos – Os templários de um mistério sem templo-
Cruzam as lanças e se afastam num adeus melancólico
Eu nada sei do Mar, mas o poema o supre,
E um escaravelho de esmeralda pousado em minha fronte
Fala-me em sua rude algaravia marítima:
_ O Mar, Galo Sultão com seu clarim de Espanha
Seu triunfo de trezentos potros de ametista
Quando belo e animal rói as próprias entranhas
E um punho de sal se abate no horizonte.
_ O Mar em seu decúbito dorsal de folhas verdes
Sargão de uma longínqua dinastia de púrpura
Dom Diniz lavrador de suas lavras de espuma
Falconeiro, e no ombro o seu falcão – a lua.
_ O Mar,
Não esse leão de pedraria que dá as nossas praias
Sol hidrópico, tigre
De tornassol que as mulheres amansam com o triângulo
Núbil em seu ventre de benjoin e eletro- imã.
_ O Mar, mancebo hirsuto
Com peixe nas virilhas
_ O Mar, coração cardial
Crivado de espadartes
E no peito de dura substância marinha
Como imensa tatuagem a fósforo e santelmo
O esqueleto de coral de todos os seus mortos.
4
E um menino ergue-se entre os homens e senta-se entre os sábios
(Teu signo, ó mistério, o carbúnculo sobre a testa dos linces!)
Um menino de orfandade magnífica, como o ultimo de uma raça.
Entre o povo das cavernas, o povo da terra firme
Os Comedores- de- terra
Cujos primogênitos apodrecem em cântaros de barro
E são os deuses- do- alicerce, os padroeiros, os lares
Das Construções- de- pedra e dos Bens- de raiz.
Um menino sentado entre os sábios e erguido entre os homens!
O Bastardo, o Herdeiro
Presuntivo de uma Linguagem a extinguir-se
(como os híbridos nas espécies carregando a semente infecunda)
E fala do Mar e de ancestrais de límpida
Geração marinha
Aos doutores que escrevem sobre placas de adobe
As mulheres que tingem as unhas dos pés com um esmalte de múrex
E a um homem que enterra os seus mortos nas manhãs de domingo
Colocando-lhes sob a língua uma pequena moeda
E recheando-lhes o ventre de natrão e especiarias..
5
Um menino e sua fronte
Como a asa de um pássaro de marfim
Um menino, e sua voz como a têmpera de uma espada
E uma isolação de vogais restaurando a língua- de- d’oc dos vaticínios!
6
_Tu, Deusa- Leoa
Ó morte de esporões de bronze
- Morte marítima, não essa de sete- palmos- de- palmos... _
Ergue o tridente de ouro, favorece
Também os alísios do Poema
- Virgem barroca, figura
Na proa dos navios
Sacode a cabeleira abissal profunda de pólipos
Quando o Mar almirante Te empolga e o tatuas no peito
Com o esqueleto de coral de todos os seus mortos
Sustém a andança do Poema, ó Favorita,
De fúnebre nudez sitiada por eunucos
Enquanto sobre Ti os dátilos claros como digitális
Se abrem
E nada á Tua ilharga ou cardume aguerrido dos delfins.
_ E TU, Árvore da Linguagem,
Mão do Verbo
Cujas raízes se prendem no umbigo do Mar
Ergue Tua copa incendiada de dialetos
Onde a Ave- do- Paraíso é um Íris de Aliança
E a Fênix devora os rubis de si mesma
Recebe este idioma castico como um ouro votivo
E as primícias do Poema, novilhas não juguladas
Te sejam agradáveis!
Tu, Mãe do verbo cercada de hespérides desnudas,
Cuja fala é sinistra qual a voz dos Oráculos,
E bífida como a língua dos dragões...
7
Um menino e seu canto
Como um pouco de sal nos ritos de amizade...
... Mas um dia o Povo se cansará de ouvi-lo,
O Povo se cansará de chamá-lo “O Justo”!
(Nesse dia os telefones serão pássaros de gargantas ocas
repetindo para sempre os nomes pérfidos do Exílio
E escorpiões domesticados devorarão a língua dos rouxinóis
Para que todos possam ouvir a irretrucável
Dialética do Encéfalo Eletrônico).
_ E como os Dez Mil que viram o Mar e disseram “O Mar”
_ E como o Doge de Arnês de prata no Bucentauro de núpcias
_ Ou essa criatura _ a medusa _ de pura substância marinha
Tão límpida que a retina não filtra – azul sem tara,
Um homem desce das Terras- Firmes e procura
O Mar
_ O Mar varonil com seus testículos de ouro
_ O Mar paternal de tórax iracundo
E sonoros pulmões de búfalo encerrado,
E àquele imenso coração filial rodeado de ametistas.
_ É esse elmo de púrpura que vemos na vasante das águas.
Um comentário:
Boa noite, Renata! Agradeço pela postagem deste poema de Haroldo de Campos. Eu li um fragmento dele há anos em uma coletânea, eu era bem jovem e imaturo, e me impressionou a suntuosidade da fraseologia de "Thálassa Thálassa". Hoje vejo claramente que é só jogo hábil com a linguagem mesmo - o conteúdo é reles, pagão, herético, revolucionário. Ainda bem que o tempo passa, e a gente muda, graças a Deus! Uma ótima semana para você.
Postar um comentário