autora: Renata Bomfim
(resumo do artigo)
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Jorge Luis Borges (1899- 1986) inovou a narrativa contemporânea pela singularidade de sua escrita ficcional, que influenciou significativamente o movimento vanguardista argentino, como também a escritores, cineastas e críticos de todo mundo. Sua obra está inscrita na primeira etapa do século XX, tempo de problematização e negação de todos os conceitos. Bella Josef, estudiosa que conheceu Borges pessoalmente, no Livro Jorge Luiz Borges, nos esclarece que: “A formulação estética de Borges desconstrói o modernismo: transforma a realidade e fragmenta o tempo relativisando a forma em sua crítica do sujeito. Com isso, anuncia a pós-modernidade” (JOSEF, 1996).
Borges é instigante, através da escrita o autor cria outros mundos regidos por leis próprias, abalando as realidades objetivas, concretas e fixas, presas às leis do tempo, para tal, ele utiliza elementos variados como o labirinto, vastos espaços que se desdobram infinitamente, caminhos sem fim, rodas e labirintos lineares e cíclicos.
O livro Ficções (editado em 1944) brinda o leitor com contos que desfazem os limites entre o real e o fantástico e, entre tempo e realidade, fazendo emergir um mundo de multiplicidade de sentidos que possibilita ao leitor inúmeras interpretações. Borges afirmou certa vez:“durante toda a minha vida cheguei às coisas depois de havê-las transitado nos livros” (JOSEF, 1996), para ele o livro é uma metáfora do universo.
O Conto intitulado A Biblioteca de Babel, por exemplo, apresenta-nos uma biblioteca labiríntica infinita de galerias que se repetem e a metáfora do labirinto redesenha a trajetória do homem. A imprevisibilidade expressa no conto mostra o homem preso ao labirinto do tempo, peregrino, labirinto que é, também, uma metáfora da tessitura textual, que é inesgotável:
Afirmo que a biblioteca é interminável. Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço. Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (BORGES, 2001)
[...] A Biblioteca existe ab aeterno. [...] Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um viajante atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que reiterada seria uma ordem: a Ordem). (BORGES, 2001)
Nesse mesmo conto percebemos o ser humano buscando respostas para problemas que não têm solução, para questões impossíveis de se responder:“[...] também se esperou, então, o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da biblioteca e do tempo”. A narrativa de Tlön , Uqbar, Orbis e Tertius apresenta a descoberta, ao acaso, de um mundo paralelo e desconhecido, construído por meio da linguagem, chamado Uqbar, nascido da conjunção de um espelho e de uma enciclopédia. Este mundo é a imagem inversa do mundo real, é uma imagem refletida em um espelho imaginário, onde as coisas se projetam e duplicam. Acerca desse planeta imaginário criado pelo conhecimento humano, o texto nos diz:
[...] quem são os inventores de Tlön? O plural é inevitável, pois a hipótese de um único inventor [...] fora descartada unanimemente. [...] Esse plano é tão vasto que a contribuição de cada escritor é infinitesimal. [...] Conjectura-se que este breve new Word é obra de uma sociedade secreta de astrônomos, de biólogos, de engenheiros, de metafísicos, de poetas, de químicos, de algebristas, de moralistas, de pintores, de geômatras, dirigidos por um absoluto homem de gênio. (BORGES, 2001)
Em Tlön , Uqbar, Orbis e Tertius, Borges cria uma nova realidade que nega o tempo e nos mostra a visão do autor acerca da angústia do homem que pretendem encontrar uma explicação racional para o universo, e a realidade vê-se ameaçada de ser tragada pela fantasia: “O mundo será Tlön”.
Outro conto intrigante intitula-se As ruínas circulares, este conto aborda temas variados e recorrentes na obra borgeana, dentre os quais, a circularidade captada nos níveis do tempo e do espaço. O conto narra a história de um homem velho, um “mago”, que se refugia nas ruínas circulares de um templo que foi consumido pelo fogo. Seu intento era criar outro homem: “O propósito que o guiava não era impossível, ainda que sobrenatural. Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com integridade minuciosa e impô-lo à realidade”. Este homem percebeu que moldar a matéria de que é feita o sonho é tarefa árdua, ele reviu o seu fracasso e buscou outra tática para realizar seu intento, “abandonou toda premeditação de sonhar” e, para retornar a tarefa, executa um ritual de purificação, [...] e quase de imediato sonhou com um coração que pulsava, [...] cada noite percebia-o com maior evidencia”.
A ambição de criar um homem tão perfeito que se impusesse à própria realidade, revela a busca de Borges por vencer o tempo e a sucessão a que estamos imersos, de alcançar a eternidade. Para o estudioso Pommer (1991), “a eternidade seria uma invenção humana capaz de dar sentido às nossas vidas fugazes, já que o tempo, é algo que nos escapa por completo à compreensão”.
Ao final do conto o mago descobre que também é ele a criação do um sonho de um outro. Bella Josef (1996), afirma que Borges recorre ao tempo cíclico em suas narrativas para justificar a permanência de um mesmo fato ou objeto em muitos lugares. Ele busca a intemporalidade do tempo, anulado em sua unicidade. [...] a simultaneidade ou repetição cíclica, que leva ao tema da criação e ao tema do labirinto. [...] A fantasia é mais real que a própria realidade e nela tudo se repete. [...] Se o tempo é cíclico deixa de existir o tempo cronológico.
O filho sonhado pelo mago vai gradualmente acostumando-se a realidade, mas não sabe que é um simulacro, um fantasma. O mago consegue realizar o intuito de sua vida, e numa espécie de êxtase entrega-se ao fogo para ser consumido. As ruínas circulares mistura planos: “Não ser homem, ser a projeção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem. [mas o mago] com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era a aparência, que outro o estava sonhando. O mago ao descobrir-se também uma projeção, um simulacro sonhado por um terceiro, sente um alívio, pois há uma desconstrução da individualidade, o sujeito tendo sua individualidade diluída, torna-se parte de algo maior que ele, de um tempo fora do tempo, de um tempo mítico.
Nos conto A forma da espada, o protagonista dirá: “O que faz um homem é como se todos o fizessem”. Ao serem abolidos passado e futuro, resta ao homem o tempo presente. Santos (1996) nos diz que “a destruição do tempo, anula conseqüentemente o individuo e dá ao universo um caráter eterno”. Este conto mostra a busca do homem borgiano pela imortalidade, lutando incessantemente contra o tempo.
Enquanto a realidade for regida pelo tempo, e este for o limitador da realidade humana, não haverá nunca uma possibilidade do homem retirar a máscara e descobrir seu verdadeiro rosto. A possibilidade de encontrar-se só pode ser vislumbrada num mundo atemporal, em um mundo não limitado pelo tempo sucessivo e temporal. (SANTOS, 1996)
Já Cerqueira (2006), destaca que na obra de Borges o tempo é um eterno retorno, e por isso não se pode afirmar que este mundo é real, mas um simulacro, uma máscara. [...] por isso não podemos decifrá-lo. Sendo assim, o homem que o habita é também um simulacro, pois repete os mesmos atos mecanicamente há séculos. Por ser prisioneiro do tempo, o eu, que é Borges, só se pode experimentar no fluir deste, que devora toda a realidade. Fruto de uma imaginação privilegiada, o livro Ficções é uma aventura imaginativa que busca discutir a pretensão da linguagem em ser a expressão fiel da realidade. Nele Borges constrói um caleidoscópio, cujos espelhos, a cada momento nos surpreende com novas possibilidades de desdobramento de imagens.
Referências:
CERQUEIRA, Dorine. Joege Luis Borges e a narrativa fantástica. Disponível em: < www.hispanista.com.br>. Acesso em: 30 nov.2006.
JOSEF, Bella. Jorge Luis Borges. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S. A., 1996.
JOSEF, Bella. Uma estética da inteligência. In: Jornal do Brasil, 1999.
POMMER, Mauro Eduardo. O Tempo Mágico em Jorge Luiz Borges. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991.
PINTO, Júlio Pimental. Uma memória do mundo: Ficcção, memória e história em Jorge Luis Borges. São Paulo: FAPESP, 1998. p. 167- 175.
SANTOS, Ana Cristina. Algumas reflexões sobre o infinito na obra borgiana. In: anuário brasileiro de estudos hispânicos, n. 6, 1996. p. 71 – 81.
SANTOS, Ana Cristina. O Tempo e a Morte em Borges: “As Ruínas Circulares”. In: América Hispânica. Ano V, n. 7. 1992.
Um comentário:
Oi Renata, gostei muito do teu blog, sou fã do JLB, leio-o, releio e não me canso de descobrir assombramentos nessa obra inigualável.
Ps. Também sou (penso) ser, educadora ambiental, algo na incerteza de acertar, "lança atirada no porvir".
passe pelo http://www.in-di-gestao.blogspot.com/ e confira.
abraço
Juliete Oliveira
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