05/06/2010

Dom Casmurro e a personagem do romance

                      Renata Bomfim
Dom Casmurro é um dos romances mais conhecidos de Machado de Assís e foi publicado em 1899. O cenário é um Brasil escravagista, clerical, em processo de laicização, os personagens são ambíguos membros de uma sociedade estamental e falocrata. Dentre os muitos personagens presentes em Dom Casmurro lançaremos o olhar sobre Dom Casmurro, que na infância se chamava Bentinho e na vida adulta Bento Santiago. O pensador Mikail Bakhtin desveveu as especificidades dos personagens do romance, a partir das pesquisas que fez dos personagens da obra de Distoiévisk. Para Bakitin, a personagem interessa como um ponto de vista específico sobre o mundo e sobre si mesma, e não dotada de traços típicos sociais. A partir deste olhar toda a característica da personagem dá forma a sua autoconciencia e o autor reserva a personagem a última palavra. No livro Estética da criação verbal, Bakhtin fala sobre o romance biográfico, e que este "nunca existiu de forma pura". Toda construção biográfica é construída com a enumeração de vitórias e fracassos e possui elementos basilares: nascimento, infância, aprendizagem, casamento, afazeres, morte, etc. No romance biográfico os instantes, o dia, a noite, perdem o significado e a construção da personagem culmina para o desaparecimento da heroificação. Em Dom Casmurro o narrador, em primeira pessoa, é Dom Casmurro, um advogado viúvo que julga, cheio de ressentimento, pelo viés da memória, fatos que deseja destacar do passado. O texto é um convite ao leitor, que aos moldes de um juri, é levados a acreditar que sua história é verdadeira e que Capitu, a esposa falecida, é adúltera. Esta é a estratégia da narrativa que busca, através de um discurso pretensamente verossímil, provar a traição da esposa Capitu com seu melhor amigo, Escobar: "Capitu era a fruta dentro do caroço", uma tese que antes de ser estética é moral. Na narrativa, Machado não descuida dos detalhes e detém o controle da obra. O leitor não se deve deixar iludir com a manupulação narrativa, é um jogo metalinguistico entre narrador e leitor. No capitulo I do romance  o termo "dom" é utilizado para dar ao personagem ares de fidalguia, o que reforça o seu discurso autoritário.  "Casmurro" quer dizer teimoso, ensimesmado, fechado em si mesmo. Em  A personagem do romance, Antônio Cândido destaca que a personagem não é o essencial do romance, e sim o seu suporte, o contexto,  juntamente com o enredo, o que lhe confere significado. Silviano Santiago afirma que tanto críticos quanto leitores se debruçaram na busca da verdade sobre Capitu, enquanto a única verdade a ser buscada era a de Dom Casmurro. Este pensador destaca que, antes de tudo, o romance machadiano é ético, e pede , ou melhor, exige do autor reflexão e distanciamento dos personagens e/ou narrador , a mesma distância que precisa ser guardada pelo escritor. A questão dos personagens em Dom Casmurro  refletem , não só, as problemáticas do amor, do casamento, do ciúmes, etc., mas as dificuldades de se viver numa sociedade asfixiante de fim de século. O advogado-narrador, Dom Casmurro, sabe de antemão que está conduzindo o leitor, por meio do discurso verossimel, ao resultado que ele ambiciona. Ele estrutura os fatos à sua maneira,  apresentando-os  do seu jeito, utiliza o que sabia de Capitu na infância para deduxir sobre a Capitu adulta: "a fruta dentro da casca". Helen Cadwel destaca que o personagem de Dom Casmurro gasta dois terços da narrativa descrevendo suas impressões sobre Capitu na infância e um terço sobre a Capitu adulta.  Esta estudiosa destaca a sagacidade com que Machado estrutura os personagens dos romances, a noção preconceituosa de que um adulto já está contido dentro de uma criança, provaria a tese de Dom Casmurro. Um outro argumento do narrador é de que o filho se parece com Escobar, suposto amante de Capitu. Dom Casmurro persuade o leitor, este convencimento, não objetiva levar o leitor à reflexão, mas que conclua, logo, de acordo com sua vontade, seguindo o status quo. Dom Casmurro isenta-se da responsabilidade pelo que diz, se colocando como vítima na narrativa. O discurso ordenado e lógico é a ferramenta utilizada por Dom Casmurro para dar conta de sua angústia existencial, depois de persuadir a si mesmo, quer fazê-lo também com os outros. Para Santiago, Machado põe em evidência, com Dom Casmurro, dois equívocos da cultura brasileira , o primeiro é o de sempre viver sob a proteção dos bacharéis e o segundo, sob o beneplácido moral dos jesuítas.

bairenatabomfim

Um comentário:

Carla disse...

Capitu traiu ou não traiu? Eis a questão!

Tomemos cuidado com a narrativa de Bentinho.


Machado, que mente brilhante!!!!!