"máquina de guerra" é uma proposta filosófica formulada por Gilles Deleuze e Félix Guattari, que não diz respeito ao poder bélico e estatal, mas a uma potência inventiva e nômade, capaz de escapar e causar fissuras no poder dominante, inventando para si "linhas de fuga" e novas formas de ver e habitar o mundo.

25/09/2011

Cadê a Maria Ortiz? (por Francisco Aurélio Ribeiro)

Estive no Rio, no XVI Encontro Nacional do Proler- Programa Nacional de Leitura, na Biblioteca Nacional, onde visitei a exposição “Brasil Feminino”, que reúne mais de 150 peças do acervo da Biblioteca Nacional, contando a trajetória da mulher na sociedade brasileira: jornais, revistas, pinturas, músicas e livros. A exposição, muito bem montada, mostra a opressão sofrida pelas mulheres no período colonial, o início das lutas por sua libertação, no século XIX, as primeiras conquistas, no século XX, até chegar ao prestígio das mulheres no Brasil contemporâneo, cujo clímax se dá com a eleição de Dilma Roussef para Presidente da República, em 2010. Imperdível e emocionante a exposição, para todos os brasileiros e brasileiras. No entanto, ela tem uma grande lacuna e já conto por quê.
A exposição foi organizada cronologicamente, seguindo a linha do tempo, do século XVI ao XXI. Relatos e ícones sobre as mulheres índias, as negras escravas, nossas mães primeiras, do início da colonização, passando para as mulheres que se destacaram no século XVIII: Chica da Silva, Bárbara Heliodora, Teresa Orta, nossa primeira escritora. Aí, vem minha primeira constatação: o Brasil desconhece a liderança de Maria Ortiz, heroína capixaba ao defender a vila de Vitória, contra os holandeses, em 1625. É ela, portanto, a primeira heroína brasileira, bem como Da. Luísa Grinalda, nossa primeira governadora. Tivéssemos maior destaque no cenário nacional, elas estariam em todos os livros de História do Brasil e não estariam ausentes de uma mostra tão representativa. O Espírito Santo não é somente esquecido pelas verbas federais; somos ignorados por nossa cultura, apesar de sua diversidade e riqueza patrimonial.
A exposição destaca o papel das heroínas do século XIX, Anita Garibaldi, Joana Angélica, Maria Quitéria e Ana Néri, 300 anos depois de Maria Ortiz. Dentre as capixabas, somente aparecem, no século XX, a nudista e vedete Luz Del Fuego, Dora Vivacqua; a cantora Nara Leão e a escritora Marly de Oliveira. Também pode ser lido um artigo sobre as mulheres escrito por Saul de Navarro, pseudônimo do escritor Álvaro Henrique Moreira de Souza, nascido em Santa Leopoldina, em 1890, e que teve grande destaque na imprensa de sua época. Mas é imperdoável a ausência de Maria Ortiz. Ela é o exemplo da mulher guerreira, a nossa Joana D’Arc, um testemunho de que as mulheres lutaram junto com os homens na implantação do modelo colonial português, de que o Espírito Santo foi ponta de lança. Maria Ortiz é o primeiro nome brasileiro de uma mulher de destaque no período colonial. Nós aqui sabemos disso. Por isso, ela é nome de escola, de bairro, de avenida e da principal comenda dada às mulheres pela Assembleia Legislativa. Infelizmente, o resto do país não sabe disso, mas deveria.
A Literatura, no entanto, não tem esquecido Maria Ortiz. Vira e mexe algum escritor lança uma chama na memória, para não deixar no olvido nossa heroína. Acaba de sair e, para um público muito especial, as crianças, um livro belíssimo chamado “História de uma escadaria”, da Ed. Nova Alexandria, escrito por Neusa Jordem Possatti. É uma história que tem como personagem a menina Maria Ortiz, brincando na ladeira que viria a ser a futura escadaria com seu nome, por ter sido palco da tentativa de invasão dos holandeses à vila de Vitória, em 1625. Como toda boa obra para criança, também será apreciada pelos adultos e é um belo presente para todos os capixabas, nesta semana em que se comemoram os 460 anos de Vitória.



Crônica do Prof. Drº Francisco Aurélio Ribeiro, pesquisador da literatura produzida no ES. Publicada no jornal A Gazeta  de 05 de setembro de 2011.

Fonte: AFESL

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