Por
Renata Bomfim
Quando visitei a exposição
“Geografia afetiva”, da artista plástica Dayse Resende, logo me vieram à mente
as palavras de Carmélia Maria de Souza, a cronista do povo, que publicou em um jornal de junho de 1967: “Você, aí, precisa aprender a olhar com mais
ternura, ou por outra, com alguma ternura e um pouco de amor dentro dos olhos,
sempre que olhar para a nossa cidade”. É assim, com amor nos olhos, e ternura,
que Dayse Resende contempla Vitória. Acredito que é assim, também, que os
moradores da Ilha a veem. Talvez por isso essa exposição, esteja tocado, de forma especial, a sensibilidade de quem a visita. Imagino o olhar de assombro de
Vasco Fernandes Coutinho (e sua trupe) ao olhar para a Ilha pela primeira
vez, em maio de 1535, e se deparar com tanta beleza. Há um registro histórico,
de 1576, no qual a então capitania é descrita pelo colonizador como sendo “a mais fértil, melhor provida de todos os mantimentos da terra, que outra alguma
haja na costa”. Ah! embora eu não tenha vivido nessa época, ainda sonho com
ela! Também devo ressaltar a história de resistência dos índios que habitavam a ilha, ─ os tupiniquins─ , nossos
antepassados, corajosos guerreiros que lutaram contra a invasão. Essas e outras reflexões pululavam dentro de mim (capixaba da gema) na abertura da exposição. Não é de hoje que a ilha inspira
artistas plásticos, poetas, músicos, dançarinos. Ítalo Campos escreveu: “ A
ilha, provisória vida./ Vida, ilha provisória”, apontando para a mutabilidade
da cidade e de nós mesmos, seus moradores, ─ territórios de sonhos e
de ansiedades. Fernando Achiamé poetisou Vitória, pois, “Igual ao
Cosmos, a ilha está em ruínas:/ lavas petrificadas, vulcões extintos, poucas
chuvas ácidas, sem geleiras, gêiseres, furacões”. Sim, como destacaram os
poetas, Vitória está aí, e seus monumentos naturais não nos deixam esquecer dessa inscrição cósmica universal.
Dayse Resende se declara uma
“apaixonada por pedras”. Nessa exposição a Baía de Vitoria, ─ porto
aberto para o mundo─, o Mestre Álvaro, o Morro do Moreno, o Moxuara, o Penedo,
a Pedra da Cebola, ganham destaque: “Vitoria para mim ganha sentido nas
relações que se estabelecem entre esses grandes monumentos naturais, as
construções urbanísticas e as pessoas”, afirmou a artista. Segundo Dayse, essa
exposição é, também, um alerta para as intervenções que não respeitam o desenho
natural da cidade, e que interferem de forma indiscriminada em um patrimônio que é
de todos, criando ruídos e gerando desequilíbrios: “A ocupação desordenada, a
perda dessa vista é um prejuízo coletivo. A gente tem que se preocupar com
isso. Os espigões, frente aos monumentos naturais precisam ser repensados." Geografia afetiva é uma exposição
que celebra a relação entre Vitória e as pessoas, A artista destaca a
conectividade como um valor importante na poética das obras, e fala um pouco sobre o seu processo
criador: “Nós nos ligamos à Cariacica, à Serra e à Vila Velha; Vitória é uma cidade
metropolitana. Essa exposição foi se construindo, ela começou com o olhar para essa paisagem, depois veio o mapeamento da cidade, e terminou na união disso tudo.
O trabalho foi crescendo com as escolhas das tintas, das cores. Utilizei uma
cartela de cores específica”.
Na obra de Dayse Resende Vitória
flutua entre o céu e o mar, elementos que ora são negros, ora são azuis e
cinzas. A artista trata de forma singular variados elementos, a linha do
horizonte, por exemplo, é uma referência e recebe destaque, pois delimita a
realidade e a ilusão. Esse procedimento poético/pictórico encontra paralelismo
na técnica escolhida para as pinturas, que mescla a abstração e o figurativo.
As obras em azul nos remetem para a
influência da colonização portuguesa, ─ da azulejaria─,
ressaltando o caráter rico e plural do povo capixaba, fruto da
miscigenação com outros povos. Dayse escolheu um ponto de Vitória para
contemplar o Convento da Penha, e foi a partir daí que pintou: “Me agrada
pensar plasticamente essa paisagem”. O Convento da Penha faz parte da paisagem
da ilha. Podemos observar a padroeira do Espírito Santo, desde o alto do morro
(no continente), abençoando quem passa pela Reta da Penha, mirada que nos
aproxima do sagrado.
Vitória está dentro e fora do
tempo, tanto que a diva da literatura capixaba, Bernadete Lyra, na
obra Memória das ruínas de Creta, soltou o Minotauro na Ilha, “onde à
terra faltava consciência, ao ar luz e brilho, ao mar fluidez, ali a
única verdade era a face da Ilha”, mais recentemente, e
escritora lançou A Capitoa, obra que desvela uma ilha cuidada por
mulher, Dona Luisa Grimaldi, fidalga eborense que foi esposa do donatário Vasco
Fernandes Coutinho e primeira dirigente de uma capitania no Brasil. Muito há que falar sobre
Vitória, de suas belezas e singularidades. O saudoso escritor e radialista
Marien Calixte criou o slogan “viver é ver Vitória”, a nossa Carmélia Maria de
Souza criou a frase “Vitória é uma delícia”. A Ilha interliga a todos nós (seja por suas pontes,
por sua história, pelo amor...), talvez por isso a Carmélia Maria tenha
alertado ao leitor: “Não sei se
você sabe, mas ainda é tempo de termos o domingo que não tivemos, de cantar a
canção que não cantamos, de contemplar a estrela sentados numa varanda de
frente para o mar”. O mar é um companheiro para quem vive na Ilha, e foi
inspirada em Vitória que escrevi os seguintes versos: “Esta Ilha tem "um quê"/de
Ítaca, Olimpo, Pasárgada.../nela, eu sou eu!/nela me dissolvo.../
Nela florescem, por toda parte,/ múltiplos objetos de amor:/ rosas
fascinantes e assombrosas...”. Espero que visitem a exposição e
viagem por esse mar, por esse chão, descobrindo uma Vitória outra.
Exposição
Geografia Afetiva, de Dayse Resende
Abertura para convidados, 18 de setembro às 19H.
Visitação: de 19 de setembro a 10 de outubro
Entrada gratuita Segunda à sexta das 11h às 18h/ Sábados das 09h às 12h.
Abertura para convidados, 18 de setembro às 19H.
Visitação: de 19 de setembro a 10 de outubro
Entrada gratuita Segunda à sexta das 11h às 18h/ Sábados das 09h às 12h.
Local:
Escritório de Arte Dayse Resende
Av. Ranulpho Barbosa dos Santos, 587, sala 101, Jardim Camburi,
Av. Ranulpho Barbosa dos Santos, 587, sala 101, Jardim Camburi,
Vitória,
Espirito Santo.
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