O corvo poeticamente
pintado por Anahi Celeste Cao Cileiro canta a vida, diferentemente de “Nunca
mais”, ave “estranha e escura” pintada por Edgar Alan Poe e que simboliza o
luto e a ausência irremediável causada pela morte.
El
curvo blanco aponta ao leitor a sua estirpe insurrecta,
luminosa e vivificante desde as suas epígrafes, com versos do escritor russo
anarquista Piotr Kropotquin e da ativista transgênero argentina Lohana Berkin.
Não é impunimente que os versos das epigrafes cantem a vida emanando da própria
vida e a recuperação do corpo como fonte de liberdade. VIDA, CORPO E LIBERDADE são
palavras caras nesse poemário que se começa com um “húmedo temblor”, movimento
terreal que “inicia la vida y la muerte”. É impossível que o corpo fique
indiferente a esse movimento, assim, ele “palpita” e “inicia sus partos de piel
luminosa”.
O eu lírico está
desperto e sentindo tudo que está ao seu redor: “Siento mi cuerpo, su olor, el
cuerpo de un animal, su piel distinta”, assim como “la madera de los antiguos
arboles erguir el fuego, los profundos azules del mar, la noche negra que
orienta la sed y los latidos”. O desejo de conhecer o mundo se intensifica, uma
“inquietud vital” se apodera do ser e o mundo se torna “una lenta respiración
de cuerpos”.
Após o encontro com
outro, − essência e corpo −, e a descoberta do prazer, o eu lírico pode
reconhecer “el hilo” de suas voz, uma voz dolente, agônica, que se apresenta
como um convite ao abandono de si mesmo. É preciso “crear el calor que ilumina,
entender que todo regressa”. Amigo leitor, El
cuervo blanco, como destaquei inicialmente é diverso do corvo “Nunca mais”,
de Alan Poe, no sentido em que ele “pressente “la vida entre los muertos”,
tornando-se arauto da esperança e buscador da “ piel encendida que se abre a la
eternidad en el parto”: o eu lírico tem necessidade de existir.
“Soy una mujer, un cuerpo feminino/ [...] Yo
soy un cuerpo vivo”, diz o eu lírico que ama, se comove com “la vitalidad
irracional del fuego”. A identidade do eu se abre e a mulher se torna, também, mãe
que transborda de amor por sua filha, “mariposa de ojos negros y labios tibios
como cántaros de leche”.
El
curvo blanco é um livro onde as palavras voam livres
pelas páginas brancas. Nele, “El cielo
tiembla ansioso de luz sobre la más profunda oscuridad”, cada página emana
vida: “Todo me trae de regreso a la vida”. Porém, a vida, esse tecido feito com
fios dourados, quando se esgarça, revela o segredo de sua urdidura. É assim que
“La vida se deshace”, mas ainda não é o fim, pois, “Todo se conserva en el cuerpo del viento”
Renata Bomfim
(Espírito Santo/ Brasil)
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