Pendurado
na torre de TV, Alceu ouve os gritos de “Pula!” vindo lá de baixo, onde um
crescente grupo de pessoas vestidas de verde e amarelo se aglomera em
expectativa. Chegam carros de polícia, uma ambulância e um furgão de canal de
TV. Centenas de celulares apontam para ele. Consegue distinguir Paula entre a
pequena multidão. Ela fala com um policial, gesticulando bastante. Alceu não
consegue pensar direito. Paula olha para cima, e, do alto, ele não consegue
distinguir se sua expressão é de choro e desespero ou se comprime os olhos por
causa da luz do sol. Ele prefere que ela esteja chorando em desespero, quer que
ela se arrependa. Se ela disser que se arrepende, e que eu sou o homem da vida
dela, eu desço, pensa ele. Pega o celular e tenta ligar para ela. Precisa
ouvi-la dizer, entre soluços de choro e numa voz desesperada, que se arrepende
e que ele é o homem da vida dela. Sem sinal. Ouve o som intermitente de
vuvuzelas. O policial que falava com Paula pega um megafone e tenta dizer algo.
Em seguida, faz um sinal para que a plateia silencie. Chama-o pelo nome, alerta
para o transtorno que ele está causando, pois tiveram de desligar a transmissão
da TV, e diz que, se ele descer agora, não vai intimá-lo por perturbação da
ordem pública, que todo mundo ali entende sua situação, mas que é preciso
pensar nos outros também, não pode ser egoísta assim, afinal ele é patriota ou
não é? Alceu mal escuta o policial, novamente pega o celular de dentro da
jaqueta. O policial do megafone ordena que ele não se mova e que largue a arma
imediatamente. Dessa vez está chamando, mas Paula parece não escutar. Ele
empunha o celular e aponta para ela repetidas vezes. O policial dispara dois
tiros. Alceu cai em cima da ambulância. A multidão se dispersa rápido e vai
para suas casas assistir à semifinal entre Brasil e Alemanha. O policial ainda
dá entrevista para uma rádio, via celular, dizendo que felizmente conseguiu
impedir que o meliante concluísse seu plano e atentasse contra a vida.
(Conto do livro
Pessoas partidas, Edufes, 2016)
Sobre o autor
Diego Lops nasceu em Porto Alegre,
onde abandonou o curso de Jornalismo para concluir o de Letras. É contista,
cronista, revisor, tradutor, mau poeta, dicionarista amador, colecionador de
frases e, como se não bastasse, namora uma bibliotecária. Mantém o luxuoso blog
bemfacildelembrar e outros que tem vergonha de divulgar.
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