12/07/2016

Transmissão interrompida (Diego Lops)


Pendurado na torre de TV, Alceu ouve os gritos de “Pula!” vindo lá de baixo, onde um crescente grupo de pessoas vestidas de verde e amarelo se aglomera em expectativa. Chegam carros de polícia, uma ambulância e um furgão de canal de TV. Centenas de celulares apontam para ele. Consegue distinguir Paula entre a pequena multidão. Ela fala com um policial, gesticulando bastante. Alceu não consegue pensar direito. Paula olha para cima, e, do alto, ele não consegue distinguir se sua expressão é de choro e desespero ou se comprime os olhos por causa da luz do sol. Ele prefere que ela esteja chorando em desespero, quer que ela se arrependa. Se ela disser que se arrepende, e que eu sou o homem da vida dela, eu desço, pensa ele. Pega o celular e tenta ligar para ela. Precisa ouvi-la dizer, entre soluços de choro e numa voz desesperada, que se arrepende e que ele é o homem da vida dela. Sem sinal. Ouve o som intermitente de vuvuzelas. O policial que falava com Paula pega um megafone e tenta dizer algo. Em seguida, faz um sinal para que a plateia silencie. Chama-o pelo nome, alerta para o transtorno que ele está causando, pois tiveram de desligar a transmissão da TV, e diz que, se ele descer agora, não vai intimá-lo por perturbação da ordem pública, que todo mundo ali entende sua situação, mas que é preciso pensar nos outros também, não pode ser egoísta assim, afinal ele é patriota ou não é? Alceu mal escuta o policial, novamente pega o celular de dentro da jaqueta. O policial do megafone ordena que ele não se mova e que largue a arma imediatamente. Dessa vez está chamando, mas Paula parece não escutar. Ele empunha o celular e aponta para ela repetidas vezes. O policial dispara dois tiros. Alceu cai em cima da ambulância. A multidão se dispersa rápido e vai para suas casas assistir à semifinal entre Brasil e Alemanha. O policial ainda dá entrevista para uma rádio, via celular, dizendo que felizmente conseguiu impedir que o meliante concluísse seu plano e atentasse contra a vida.

(Conto do livro Pessoas partidas, Edufes, 2016)


Sobre o autor

Diego Lops nasceu em Porto Alegre, onde abandonou o curso de Jornalismo para concluir o de Letras. É contista, cronista, revisor, tradutor, mau poeta, dicionarista amador, colecionador de frases e, como se não bastasse, namora uma bibliotecária. Mantém o luxuoso blog bemfacildelembrar e outros que tem vergonha de divulgar.

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