21/12/2016

“Triunfo de liras”: música e mito na poética de Rubén Darío (Prof.ª Dr.ª Renata Bomfim)

Dedico este artigo aos poetas e amigos nicaraguenses Francisco de Assis Fernández Arellano e Glória Gabuardi, batalhadores incansáveis pela divulgação da poesia no mundo, meu carinho e agradecimento.


Resumo:

Rubén Darío (1867-1916) é considerado a figura central do Modernismo Hispano-americano, movimento sincrético que se estruturou a partir do diálogo entre a literatura a pintura, as tendências filosóficas e, especialmente, a música. Variados poetas finisseculares se reuniram em torno da música e dos mitos tendo como inspiração Wilhelm Richard Wagner. Um dos maiores entusiastas do maestro alemão foi o poeta francês Paul Verlaine, cujo influxo foi determinante para a obra dariana. Rubén Darío é conhecido como o “Cisne da América”, ele fez do animal heráldico, cuja forma lembra um braço de lira, o seu ícone mais caro. O cisne é uma representação que remonta a Grécia, passando pela Idade Média, Renascimento e que alcançou renovação com os poetas modernos. Observa-se na poesia dariana que, ao cisne, se junta uma profusão de imagens que emanam do mundo mítico, habitado por deuses e deusas, ninfas e sátiros, e de onde brota “la armonía del gran Todo”. O poeta se identifica com Pã, divindade mitológica ligada à música, e o eu lírico se mostra um músico hábil com a lira, a flauta, o violino, o címbalo, ansiando produzir composições nunca ouvidas. Na busca por desbravar “o seu mundo interior”, Darío experimentou variadas formas métricas e rítmicas buscando a musicalidade do poema. Esse estudo utiliza como metodologia a Literatura Comparada e, como aportes teóricos basilares, a Teoria da Linguagem segundo Bakhtin, em especial os conceitos de dialogismo e polifonia e a Estética da Recepção. Ele conta, também, com a contribuição de pensadores como Octávio Paz, Julio Valle-Castillo, Luis Costa Lima e Angel Rama, objetivando analisar aspectos relacionados à música e ao mito na obra poética de Rubén Darío, o diálogo entre esses temas e a tradição literária, e a importância dos mesmos para o movimento Modernista Hispano-americano.

Palavras-chave: Rubén Darío, Música, Poesia, Crítica literária.


Paz (1998) destacou que no século XVI, a literatura castelhana foi transplantada para terras americanas e que o seu enraizamento foi lento e difícil. A civilização hispânica é herdeira duplamente, tanto da antiguidade greco-romana, quanto do judeu-criatianismo. Recebemos como herança “as uvas que não só dão o fruto que nos dá o vinho, como aludem a duas divindades: Cristo e Baco” (PAZ, 1998, p. 76). A literatura Novo-hispânica[1] teve consciência dessa dualidade, desse nascimento à “sombra do Outro”, “linguagem de fantasmas” formada de palavras, silêncios e sussurros que apareceu em poemas de poetas do século XVI sobre a forma de diálogo e embate, tornando-se ideia1 no século XIX e, no século XX falando abertamente e com voz própria. Desde o princípio a literatura Novo-hispânica esteve ciente dessa bifurcação que a pluralizou a partir das correntes culta, popular e tradicional, além da corrente edificante, a serviço da evangelização dos nativos. Entretanto, embora a estrutura do povo americano seja europeia, as armas que as dizimaram muitas culturas indígenas não impediram que muito ficasse no substrato em mitos e lendas transmitidos oralmente. Bella Josef (1989, p. 24) destacará que “a literatura hispano-americana começará com a conquista, uma literatura de transplantação” que misturou as criações indígenas com as importadas, o que significou uma “quebra de sua estrutura social e econômica”.
A obra de Rubén Darío (1867-1916) é modelo dessa tradição sincrética da literatura hispano-americana. O Movimento Modernista criou novos princípios estéticos a partir da reunião de elementos de escolas anteriores: Romantismo, Realismo, Parnasianismo e Simbolismo, marcados pelo “refinamento de sensações, a emoção, o artificialismo, os efeitos novos de luz, cor e som, de ritmos raros e exóticos, mundo original de imagens, virtuosismo formal”, que se opuseram a objetividade didática e social (JOSEF, 1989, p. 111).
Leopoldo Lugones, escritor argentino, em 1899, definiu a posição modernista destacando uma de suas inquietações, com a renovação da língua: “sofrimos ao ver anquilótica la sintaxis castellana [...] y la pobreza de adjetivación que caracteriza a los escritores peninsulares [...]. Quisiéramos más variedade de ritmo, mayor precisión calificativa, más liberdade em esse estilo” (JOSEF, 1989, p. 111)
A importância de Rubén Darío (1867-1916) para a poesia hispano-americana é incontestável. “O poeta se tornou intérprete das inquietações continentais”, como destacou Josef (1989, p. 112), pois, além de uma obra extensa, ele militou pela renovação da língua exigindo liberdade para o labor poético por meio da utilização de metros diferentes dos tradicionais.
A obra Azul..., de Darío, publicada em 1888, é considerada o marco de início do Modernismo hispano-americano. Foi nesse momento de produção que o poeta se voltou para o Simbolismo francês e para o procedimento temático e estilístico dos chamados “poetas decadentes”. Em Azul..., podemos observar, além da rebeldia do jovem poeta, a inconformidade para com a rigidez linguística que ameaçava engessar a liberdade de seus versos. Essa obra, que já apresentava inovações métricas, em 1890 recebeu mais nove sonetos que mudaram o que tradicionalmente se conhecia acerca do soneto endecassílabo (ao lhe acrescentar novo ritmo), convertendo-o em dodecassílabo, alexandrino, além da adaptação da rima francesa ou cruzada, seguindo o modelo parnasiano. Azul..., se nutre do valor musical e sonoro das palavras, e também do mito. A musicalidade gerada pelos novos metros. Em “el año lírico”, poema de abertura da obra o poeta convoca amada para “el gran bosque”, templo do amor, onde essa ouvira rimas raras que abarcarão “las palavras más soberbias de la frase, de lo verso”, e o som “de la lira universal”, o brinde com “vino de Naxos[2]” será tomado na “ânfora grega” de Diana (DARÍO, 2011, p. 257). O poema “Invernal” reapresenta o vinho como elemento divino capaz de aquecer a tristeza do inverno e solidão até que em no outono (“Pensamiento de otoño”), um cântico de amor brote do “pecho ardiente”, tempo no qual se inicia “um cântico de amores” dedicado à beleza feminina: “Mujer,eterno estío,/primavera imortal” (DARÍO, 2011, p. 272).  Em Azul... emerge o desejo do eu lírico de cantar temas Americanos, como no poema “Caupolicán”, que (re)conta a história do guerreiro índio Toqui. Sob o signo da música (lira) o poeta louva a inspiração dos poetas José Joaquim Palma (1844-1911), cubano, no poema “J. J. Palma” e o canto libertário de Salvador Dias Mirón (1853-1928), poeta mexicano precursor do Modernismo:
Lo que suena en tu lira lejos resuena,
como cuando habla el bóreas, o cuando truena.
!Hijo del Nuevo Mundo! la humanidad

Oiga, sobre la frente de las naciones,
la hímnica pompa lirica de tus canciones
que saludan triunfantes la Libertad
(DARÍO, 2011, p. 285, grifo nosso).

Na obra Prosas profanas y otros poemas, publicado em 1896, Darío proclamou que os poetas americanos de idioma castelhano conquistaram sua independência mental frente à Espanha, e a corrente modernista conseguiu unir destacados grupos que cultuavam a arte cosmopolita e universal. Essa obra dedica total atenção à forma, e a poesia se torna a busca pela beleza, aos moldes dos parnasianos e dos simbolistas.
Essa postura estética pode ser observada já no poema de abertura da obra, “Era un aire suave...”, que diz: “Era un aire suave, de pausados giros;/ El hada Harmonía ritmaba sus vuelos;/ e iban frases vagas y tenues suspiros/ entre los sollozos de los violoncelos” (DARÍO, 2011, p. 292). Assim como os mestres franceses admirados por Darío, ele juntava à poesia o hábito boêmio do álcool. A técnica encontra-se valorizada e é representativa da época, na qual emerge o novo século com suas máquinas maravilhosas. O esteticismo acrático era uma forma de afirmar o caráter da arte na poesia, e como definiu Darío no prólogo da obra em questão: “¿Y la cuestión métrica? ¿Y el ritmo? Como cada palabra tiene una alma, hay en cada verso, además de la armonía verbal, una melodía ideal. La música es sólo de la idea, muchas veces” (DARÍO, 2008b, p. 29).
O tempo de experimentação inaugurado em Azul... é afirmado em Prosas profanas y otros poemas, onde Darío busca a musicalidade do poema, emprega variadas formas métricas, também altera as normas tradicionais do uso corrente da adjetivação, os efeitos cromáticos e a técnica do contraste, como numa pintura de Watteau. O eu dariano em Prosas profanas y otros poemas é mestiço (filho da América e neto de Espanha), e o seu instrumento é “un viejo clavicordio pompadour” ― instrumento de teclas europeu usado desde o final da idade Média, durante o Renascimento, Barroco e período Clássico (2011, p. 290). O eu lírico revela-se amplamente implicado numa inter-relação de códigos e signos da arte, como a pintura e a música ― como preconizou Verlaire, “De la musique avant toute chose” ―, e com as correspondências baudelaireanas. O tempo do eu poético é mítico: “Yo al tempo, y el dia y el país ignoro” (2011, p. 294).
Mircea Eliade destacou, na obra Mitos, sonhos e mistérios (2000), que a ideia sobre o mito, assim como o seu valor, se modificou com o tempo. Os homens primitivos consideravam o mito uma história sagrada, verdade absoluta, ao contrário do homem moderno, que o vê como uma narrativa fabulosa e fantástica, desvinculada do real. Mas Eliade adverte que o mito continua presente na vida, expresso por meio dos sonhos, fantasias, nostalgias, e nas motivações escondidas nos recônditos de sua psique. O processo de laicização pelo qual a sociedade moderna passou resultou na dessacralização do mundo e do cosmos, descaracterizado o mito, tornando-o quase imperceptível.
Na obra dariana, especialmente em Prosas profanas y otros poemas, o eu lírico,
sintonizado com os movimentos de sua época, na poesia, renova a experiência a partir da  vivência da sonoridade e do movimento. Emerge o poeta cósmico, os olhos do poeta se deslocam de Paris e alcançam a humanidade inteira, inspirado especialmente em Verlaine e em Wagner: “Verlaine es más que Sócrates; y Arsenio/ Houssaye supera al viejo Anacreonte” //” Y del divino Enrique Heine um canto,/ a la orilla del Rhin; y del divino/ Wolfgang la larga cabellera, el manto;/ y de la uva teutona el blanco vino” (DARÍO, 2011, p. 297).
Darío denomina um dos seus mais conhecidos poemas de “sonatina[3]”. A sonata, do latim “sonare”, é uma expressão era a música feita para soar, ou seja, para instrumental. As sonatas já eram apreciadas no período Barroco, mas, foi no classicismo que elas encontraram maior expressão. Geralmente as sonatas são escritas para um instrumentista solista, este solo pode ser feito em variados instrumento, mas, geralmente se usa o piano ou o violino. Ao escolher para o poema o título “Sonatina”, Darío vinculou-o, irremediavelmente, à música, além de evocar a atenção da escuta para a princesa, que dedilha a sua música de solidão. O próprio Darío manifestou nas palavras preliminares deste livro a importância da musicalidade poética, destacando que “cada palabra tiene un alma, hay em cada verso, además de la armonía verbal, uma melodia ideal” (DARÍO, 2011, p. 290).
Pã, na mitologia, geralmente é confundido com Dionísio, deus do vinho para os gregos e Baco para os romanos. Pã é o deus dos lugares selvagens, também chamado de fauno, com chifres e pernas de bode ele toca a sua flauta pelos bosques entre as ninfas. Darío se identifica com esse personagem mitológico, solitário e, capaz de inspirar pânico: “Sé lírica y sé bizarra;/ com la cítara sé grega;/ o guacha, com la guitarra/ de Santos Veja” (DARÍO, 2011, p. 308). A harmonia é fundamental para o eu lírico, em “Bouquet” o poeta pinta com a cor uma sinfonia:
Un poeta egregio del país de Francia 
que con versos áureos alabó el amor, 
formó un ramo armónico, lleno de elegancia, 
en su Sinfonía en Blanco Mayor.
(DARÍO, 2011, p. 312)

Em Prosas profanas y otros poemas, observamos a presença das cinestesias: “el gran bosque” dariano é povoado por “blancas ninfas” que, ensinadas por Pã, “saben himnos de amores / en hermosa lengua griega” (DARÍO, 2011, p. 256). Darío vincula a figura de Pã ao poeta francês Verlaine, poète maudit, ou seja, que não se deixa aprisionar por regras e normas. No poema “Responso”, observamos Darío associar o mito de Pã ao poeta Verlaine:
Padre y maestro mágico, liróforo celeste
que al instrumento olímpico y a la siringa agreste
diste tu acento encantador;
!Panida! Pan tu mismo, que coros condujiste
hacia el propileo sacro que amaba tu alma triste,
!al son del sistro y del tambor!
(DARÍO, 2011, p. 348).

Verlaine foi um poeta decisivo na estruturação da escrita poética dariana, como já observamos anteriormente. Darío chegou a conhecê-lo pessoalmente em Paris pouco antes de sua morte e conta que o “fauno” estava rodeado de “equívocos acólitos” e que havia bebido muito, respondendo apenas de vez em quando às perguntas que lhe faziam (DARÍO, 1990, p. 70).  A relevância da música na poética verlaireana inspirou não apenas Darío, mas vários modernistas, ávidos por renovação, no período de gestação do movimento. O poema dariano “Marina”, de Cantos de Vida y esperanza, fala do desejo do eu lírico de se refugiar na ilha de Citeres, onde, segundo o mito, nasceu a deusa Vênus; ele viajará na “misma balsa que condujo a Gautier, / y que Verlaine un dia para Chipre fletó, / y provenía de / el divino astillero de Watteau. / Era un celeste mar de ensueño” (DARÍO, 2011, p. 372).
No poema intitulado “Mia”, o eu lírico declara o segredo da amada é “uma meldía em um rayo de luna...” (DARÍO, 2010, p. 320), já em “Pórtico” um “tropel de bacantes modernas” que faz gemer “la gaita de Astúrias” (DARÍO, 2010, p, 320-336).  A musicalidade está presente, também, no metapoema “Elogio de la seguidilla”, ̶  estrofe de quatro versos, utilizado popularmente no folclores espanhol ̶ , no qual o poeta diz “metro mágico y rico que al alma expresas/ llameantes alegrias, penas arcanas” (DARÍO, 2011, p, 337).
A Pã se reunirá Dionísio, deus do vinho. Na antiguidade as festas dionisíacas reconciliam homem e natureza. No mundo mítico, de sensibilidade valorizada, há uma transformação qualitativa da experiência sensorial, de profana à sagrada, o que permite que o ser penetre em outras dimensões do real, integrando novas experiências. Dionísio, deus do vinho e dos estados alterados, era cultuado num rito que prometia aos seus seguidores a vida após a morte. Os seguidores masculinos do deus eram conhecidos como sátiros e as femininas, como bacantes (mulheres de Baco), ou mênades (mulheres loucas). No poema “Friso”, observamos o eu lírico como partícipe dos ritos dionisíacos, através da música e dos cânticos, vislumbrando o numinoso e sagrado:
Lírica procesión al viento esparce 
los cánticos rituales de Dioniso, 
el evohé de las triunfales fiestas, 
la algazara que enciende con su risa 
la impúber tropa de saltantes niños, 
y el vivo son de músicas sonoras 
que anima el coro de bacantes ebrias 
(DARÍO, 2011, p. 352, grifo nosso).

Um dos epítetos de Darío é “Cisne de América”. O cisne dariano emergiu interrogador em Cantos de vida y esperanza, entoando um canto de resistência à colonização material e intelectual representadas pelos Estados Unidos. Entretanto ele já se deixa observar em Prosas profanas y otros poemas: “El Cisne antes cantaba sólo para morir,/ Cuando se oyó el acento del Cisne wagneriano/ fue em médio de uma aurora, fue para revivir” (DARÍO, 2010, p. 339).  
O cisne wagneriano, expresso em Prosas profanas y otros poemas foi o símbolo da estética modernista, esse símbolo ressurgirá interrogador e político na obra Cantos de vida y esperanza.
Octávio Paz (1969, p. 12) destacou que “el modernismo fue uma escuela de poética”, mas também, “de baile”, experiência a partir do qual “el castellano pudo suportar proebas más rudas y aventuras más peligrosas”. A Vanguarda hispano-americana, de 1925, e as tentativas de se construir uma poesia contemporânea encontraram no Modernismo o seu fundamento.
Paz (1969) defendeu que o lugar de Darío no Movimento Modernista era central, embora considerasse o poeta o menos atual dos modernistas. Para esse crítico, Darío se tornou uma espécie de “punto de partida o llegada, um limite que hay que alcanzar o traspassar. Ser o no ser como el:de ambas maneras Darío está presente em el espíritu de los poetas  contemporâneos. Es el fundandor” (PAZ, 1969, p. 13). Jorge Luis Borge o chamou “libertador” e Federico Garcia Lorca assinalou: Pablo Neruda, chileno, y yo, español, coincidimos en el idioma y en el gran poeta nicaragüense, argentino, chileno, español: Rubén Darío". Paz salientou que os modernistas criaram um sistema de correspondências, como forma de reação ao Romantismo, “regido por el ritmo”, nele “todo esta cifrado, todo rima” (PAZ, 1969, p. 28). Observemos o poema “Ama tu ritmo”:
AMA TU RITMO...

Ama tu ritmo y ritma tus acciones
bajo su ley, así como tus versos;
eres un universo de universos
y tu alma una fuente de canciones.

La celeste unidad que presupones
hará brotar en ti mundos diversos,
y al resonar tus números dispersos
pitagoriza en tus constelaciones.

Escucha la retórica divina
del pájaro del aire y la nocturna
irradiación geométrica adivina;

mata la indiferencia taciturna
y engarza perla y perla cristalina
en donde la verdad vuelca su urna.
(DARÍO, 2011, p. 370).

Darío povoou a selva de seus versos com personagens do paganismo sincrético, sua poética abarcou, também, as doutrinas esotéricas: o budismo, o tantrismo, o platonismo e o pitagorismo. “Ama tu ritmo”, soneto clássico endecassílabo, é um poema de transição entre Prosas profanas y otros poemas e Cantos de vida y esperanza que nos permite observar o fortalecimento dos ecos do Simbolismo, em detrimento dos do Parnasianismo. Massaro (1954, p. 157) identifica nesse poema “uma iniciacíon pitagórica”. O pitagorismo define o número como a lei do universo. A doutrina pitagórica e neo-pitagórica, já descrita por Plotino, é retomada pelos modernistas, que preconizam que o ritmo interior deve estar harmonizado com o ritmo celeste para que a alma penetre na harmonia universal (MASSARO, 1954, p. 158).
Em Cantos de vida y esperanza os temas música e mito continuam imbricados. Em Cantos de vida y esperanza, o poeta afirma não ser mais “aquel que ayer no más decía / el verso azul y la canción profana” (DARÍO, 2011, p. 379). O poema “Los Cisnes” ratifica a identidade hibrida e musical do eu lírico:
Yo te saludo ahora como en versos latinos
te saludara antaño Publio Ovidio Nasón.
Los mismos ruiseñores cantan los mismos trinos,
y en diferentes lenguas es la misma canción.

A vosotros mi lengua no debe ser extraña.
A Garcilaso visteis, acaso, alguna vez...
Soy un hijo de América, soy un nieto de España...
Quevedo pudo hablaros en verso en Aranjuez
(DARÍO, 2011, p. 398, grifo nosso).

Darío abre Cantos de vida y esperanza com um poema homónimo. Sobre si, oeu lírico afirma: y muy siglo diez y ocho y muy antiguo/ y muy moderno; audaz, cosmopollita;/ con Hugo fuerte y con Verlaine ambiguo,/ y una sed de ilusiones infinitas”. Essa sede infinita manifestada na obra em Azul…— Quiero en el alma mía/ tener la inspiración honda, profunda,/ inmensa: luz, calor, aroma, vida.// !Oh sed del ideal! (DARÍO, 2011, p. 265), em Cantos de vida y esperanza, torna-se se de amor. Darío destaca: “Si Azul... simboliza el comienzo de mi primavera, y Prosas profanas mi primavera plena, Cantos de vida y esperanza encierra las escancias y savias de mi otoño”. Essa obra representa a maturidade poética de Darío. No poema “Canción de otonõ em primavera” (DARÍO, 2011, p. 407), observamos um eu poético vulnerável, a preocupação com o fim da vida e o movimento de reflexão sobre o vivido. O eu lírico fala sobre a juventude que se vai, e os “pretextos de mis rima” se tornam “fantasmas de mi corazón”. No poema “Nocturno” o poeta deseja expressar a sua angústia em versos “los azoramentos del cisne entre los charcos/ y el falso azul nocturno de inquerida bohemia”, dele está distante o “clavicórdio”, se aproxima a morte (DARÍO, 2011, p. 407). O eu poético dariano em Cantos de vida y esperanza unirá sagrado e profano utilizando os temas que vêm evoluindo desde as primeiras obras. Observaremos a presença dos mitos e a reafirmação, por parte do eu poético, da hispanidade, com tendências anti-imperialista, pacifista, afeitas à interiorização. Darío se apresenta como poeta da América e da Espanha, militando e lutando pelo destino e identidade hispânicos.
O eu lírico aspira compreender a sua natureza, dual e fragmentária, por isso abandona a torre de marfim, como mostra o poema de abertura do livro: “La torre de marfil tentó mi anhelo; / quise encerrarme dentro de mí mismo, / y tuve hambre de espacio y sed de cielo / desde las sombras de mi propio abismo” (DARÍO, 2011, p. 379). O espaço ideal de criação poética, seu mundo interior, é atravessado pela realidade: “Bosque ideal que lo real complica” (DARÍO, 2011, p. 381). Eliade (2000, p. 177) destaca que “a nostalgia é o regresso a terra-mãe” e, geralmente, um fenômeno coletivo”. O eu poético, no poema “Canto de esperanza” fala do poeta como alguém eleito para carregar o fardo coletivo: “La tierra está preñada de dolor tan profundo/ que el soñador, imperial meditabundo,/ sufre con las angustias del corazón del mundo” (DARÍO, 2010, p. 393)
Mediante a constatação da fragilidade da vida, o poeta se torna contemplativo: “mar maravilloso,/ tu salada fragrância u músicas sonoras/ me dan la sensacion divina de mi infância” (DARÍO, 2011, p. 419).
A mulher idealizada, − desusas, ninfas, princesas —, em Cantos de vida e esperanza torna-se de carne e osso: “Carne, celeste carne de la mujer! Ercilla/- dijo Hugo- , ambrosia, más bien, oh maravilha! (DARÍO, 2011, p. 416). Como observamos, Darío cultua os poetas com quem dialoga na safra de seus versos, um desses escritores é o francês Catulle Mendés (1841-1909), autor protegido de Gautier que também se ocupou de cantar a mulher: “la carne femenina prefiere su pincel”, e “y sus palabras tiene perfume, alma, color” (DARÍO, 2011, p. 282). O
                Em Cantos de vida y esperanza, Darío dá prosseguimento às experimentações formais que vinha empreendendo desde Azul... A obra, saudada nos jornais com artigos e textos poéticos dividiu opiniões. José Matinez Ruiz, conhecido pelo pseudônimo Azorín, ainda não era acadêmico e escreveu um artigo dizendo: “El reciente libro del señor Don Rubén Darío, marca una época en la historia de nuestras letras” (TORRES ESPINOSA, 2009, p. 499). No jornal El País, Júlio Gamba defendeu que Darío não havia feito delito com seus hexâmetros, mas, houve críticas à obra. O intelectual Emilio Ferrari iniciou o seu discurso de posse na Real Academia Espanhola falando sobre a situação da poesia frente à crise na qual se encontrava a Espanha e defendendo a importância da liberdade da arte, desde que esta estivesse de acordo com os cânones e dogmas tradicionais. Ferrari não citou o nome de Darío no seu discurso, mas não foi necessário.


REFERÊNCIAS:

ARELLANO, Jorge Eduardo. Rubén Darío Transatlântico. Nicarágua: Instituto de Cultura Hispânica, 2014. 

PAZ, Octávio. Cuavidrio. México: Joaquim Mortiz, 1969.

PAZ, Octávio. Sóror Joana Inês de la Cruz: as armadilhas da fé. São Paulo: Mandarim, 1998.

ELIADE, Mircea. Sonhos, mitos e mistério. Lisboa: Edições 70, 2000.

JOSEF, Bella. História da literatura hispano-americana. 3. Ed. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1989.

DARÍO, Rubén. Autobiografia: oro de Mallorca. Introducción de Antonio Piedra. España: Mondadori, 1990.

DARÍO, Rubén. Historia de mis libros. Managua: Amerrisque, 2008b.

DARÍO, Rubén. Obra poética completa de Rubén Darío. Prólogo de Julio Valle Castillo e organización de Ernesto Mejía Sanchez. Managua: Editorial Hispamer, 2011.

DARÍO, Rubén. Darío por Darío: antología poética seleccionada por el autor con adiciones póstumas. Introducción de Pablo Antonio Cuadra, Managua: Fundación Uno, 2001. (Colección Cultural del Centro América. Serie literaria 10)

MASSARO, Anturo. Rubén Darío y su creación poética. Bueno Aires: Editorial Kapelusz, 1954.

TORRES ESPINOSA, Edelberto. La dramática vida de Rubén Darío. 6. ed. San José: Editorial EDUCA, 1982.

TORRES ESPINOSA, Edelberto. La dramática vida de Rubén Darío. 8. ed. Managua: Editorial Amerrisque, 2009.



[1] A literatura indígena não foi valorizada entre os séculos XVI e XVIII e o pouco que dela foi traduzido foi feito à luz da doutrina Cristã, como por exemplo, o “Nezahualcóyolt”  traduzido por Don Fernando de Alba Ixtlilxóchitl (PAZ, 1998, p. 76).

[2] Segundo a mitologia, ilha onde nasceu Dionísio, deus do vinho, onde se cultivam uvas e se produz um excelente vinho.
[3] Sonatina é um poema que integra a obra Prosas profanas (1896), e foi publicado pela primeira vez no dia 17 de junho de 1895, no diário La Nación, de Buenos Aires.  Composto por oito sextinas em alexandrinos (AABCCB), este poema utiliza a aliteração como recurso fônico para acentuar a sua musicalidade, como observamos nos versos: “está mudo el teclado de su clave sonoro” e “la libélula vaga de uma vaga ilusión”.

Um comentário:

Anônimo disse...

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