Não estive lá, mas é como se estivesse.
A fumaça subindo, o rubro das chamas,
pequenas explosões amareladas,
o prédio inteiro iluminado pela última vez.
Não estive lá, mas é como se lá estivesse.
Por que nos agarramos a objetos,
a recordações, a memórias?
Como escrever poemas depois de Auschwitz?
Para quê? Para quem?
Não estive lá, mas um ponto existiu no universo,
num tempo do universo, e dele fumaça subiu.
Fumaça e cinzas foram aos céus
qual miúdo sol se derretendo.
Alguém deve ter chorado por todas essas cinzas.
Certamente choraram por essa fumaça:
perdemos um parente, (talvez ainda não saibam)
perdemos pessoa querida, acabou-se parte da juventude.
Foi-se para sempre um pedaço de todos nós,
dissipado na fogueira dos desesperados.
Mas tudo bem, a vida continua,
o incêndio será extinto, o calor da hora passará.
Tudo passa, tudo se acaba nesta vida.
Mas precisava ser assim? Precisava ser tão rápido?
Numa das salas, a diretora Heloísa Alberto Torres
combinou com o cientista Mello Leitão
uma forma de contratar o jovenzinho Augusto Ruschi
que iniciava suas pesquisas de fauna e flora
em Santa Teresa do Espírito Santo.
Tantas histórias pra contar...
Vi uma vitrine com imenso caranguejo do Alasca,
vi o meteorito Bendegó, caído na Bahia,
vi uns vidros com nove fetos humanos,
de cada mês da gestação.
Vi as sofisticadas culturas indígenas.
Vi as múmias do Egito, paradas aqui por engano
porque iam pra Argentina e o Império as comprou.
O que mais vi? Mostruários de insetos, de pedras
e ossos, muitos ossos, os da preguiça gigante,
quem sabe capixaba?
Examinemos o meteorito Bendegó.
Pra ele o incêndio não foi nada:
já suportou temperaturas bem mais altas, o Bendegó.
Não seria o caso de fazer nas ruínas
plataforma de lançamento e mandar
o meteorito girar no espaço de novo?
Nós não o merecemos.
Não merecemos mais nada depois dessa fornalha.
Sim, estamos de luto, e falamos as palavras convencionais
quando morre alguém da família ou do círculo de amizades.
E repetimos a expressão: Esta é uma tragédia anunciada.
Anunciada somente? É tragédia construída:
pouco a pouco, ano a ano por nossa incompetência,
por nossa imprudência, nossa imperícia.
Nós os humanos somos todos
urdidores dessas dores, dessas fumaças que subiram
das chaminés dos fornos crematórios,
e que agora se elevaram dos restos do Museu Nacional
na Quinta da Boa Vista, Cidade Maravilhosa.
Não estava lá em Auschwitz
mas é como se estivesse.
Não estávamos na Quinta da Boa Vista
mas é como se estivéssemos todos lá
desde as nossas infâncias curiosas.
O que vamos falar pros netos?
Dizer talvez que as fumaças se dissiparam igual
no crematório de Auschwitz
e no crematório do Museu Nacional.
Garantir que as tragédias se assemelham –
mataram pessoas.
Mataram numa só fornada
o passado e o futuro de muita gente.
Holocaustos não se fazem por acaso.
Nossa maldade os constroem.
O que as cinzas do extinto museu fertilizarão?
Se pudesse, o próprio Bendegó abandonaria a Terra
depois desse horror.
A fumaça subindo, o rubro das chamas,
pequenas explosões amareladas,
o prédio inteiro iluminado pela última vez.
Não estive lá, mas é como se lá estivesse.
Por que nos agarramos a objetos,
a recordações, a memórias?
Como escrever poemas depois de Auschwitz?
Para quê? Para quem?
Não estive lá, mas um ponto existiu no universo,
num tempo do universo, e dele fumaça subiu.
Fumaça e cinzas foram aos céus
qual miúdo sol se derretendo.
Alguém deve ter chorado por todas essas cinzas.
Certamente choraram por essa fumaça:
perdemos um parente, (talvez ainda não saibam)
perdemos pessoa querida, acabou-se parte da juventude.
Foi-se para sempre um pedaço de todos nós,
dissipado na fogueira dos desesperados.
Mas tudo bem, a vida continua,
o incêndio será extinto, o calor da hora passará.
Tudo passa, tudo se acaba nesta vida.
Mas precisava ser assim? Precisava ser tão rápido?
Numa das salas, a diretora Heloísa Alberto Torres
combinou com o cientista Mello Leitão
uma forma de contratar o jovenzinho Augusto Ruschi
que iniciava suas pesquisas de fauna e flora
em Santa Teresa do Espírito Santo.
Tantas histórias pra contar...
Vi uma vitrine com imenso caranguejo do Alasca,
vi o meteorito Bendegó, caído na Bahia,
vi uns vidros com nove fetos humanos,
de cada mês da gestação.
Vi as sofisticadas culturas indígenas.
Vi as múmias do Egito, paradas aqui por engano
porque iam pra Argentina e o Império as comprou.
O que mais vi? Mostruários de insetos, de pedras
e ossos, muitos ossos, os da preguiça gigante,
quem sabe capixaba?
Examinemos o meteorito Bendegó.
Pra ele o incêndio não foi nada:
já suportou temperaturas bem mais altas, o Bendegó.
Não seria o caso de fazer nas ruínas
plataforma de lançamento e mandar
o meteorito girar no espaço de novo?
Nós não o merecemos.
Não merecemos mais nada depois dessa fornalha.
Sim, estamos de luto, e falamos as palavras convencionais
quando morre alguém da família ou do círculo de amizades.
E repetimos a expressão: Esta é uma tragédia anunciada.
Anunciada somente? É tragédia construída:
pouco a pouco, ano a ano por nossa incompetência,
por nossa imprudência, nossa imperícia.
Nós os humanos somos todos
urdidores dessas dores, dessas fumaças que subiram
das chaminés dos fornos crematórios,
e que agora se elevaram dos restos do Museu Nacional
na Quinta da Boa Vista, Cidade Maravilhosa.
Não estava lá em Auschwitz
mas é como se estivesse.
Não estávamos na Quinta da Boa Vista
mas é como se estivéssemos todos lá
desde as nossas infâncias curiosas.
O que vamos falar pros netos?
Dizer talvez que as fumaças se dissiparam igual
no crematório de Auschwitz
e no crematório do Museu Nacional.
Garantir que as tragédias se assemelham –
mataram pessoas.
Mataram numa só fornada
o passado e o futuro de muita gente.
Holocaustos não se fazem por acaso.
Nossa maldade os constroem.
O que as cinzas do extinto museu fertilizarão?
Se pudesse, o próprio Bendegó abandonaria a Terra
depois desse horror.
Fernando Achiamé
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