É com muito carinho que estamos preparando a 6ª Feira Literária Capixaba (6ª Flic-ES). Neste ano, o evento — que acontece entre os dias 22 e 26 de maio, na Universidade Federal do Espírito Santo (Campus de Goiabeiras) — terá como homenageada a escritora Judith Leão Castello Ribeiro. Natural do município da Serra, Judith nasceu em 31/08/1898 e foi uma pessoa à frente de seu tempo. Descendente de portugueses, e filha de uma família tradicional, diplomou-se professora ainda muito jovem, tendo estudado, em Vitória, no renomado Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, também conhecido como Colégio do Carmo. Educadora, atuou por mais de quarenta anos na capital. Dentre as escolas que lecionou, estão o antigo Ginásio São Vicente de Paulo e, também, a Escola Normal D. Pedro II.
A experiência no universo docente fez com que Judith enxergasse horizontes mais amplos, construindo uma carreira intensa, na qual assumiu diversos papéis. Revolucionária, foi a primeira mulher eleita Deputada Estadual no Espírito Santo, no ano de 1947. Desvinculada de qualquer partido, pois não concordava com a política da época, Judith exerceu um mandato focado nas áreas de educação, cultura e bem-estar social. Assumiu diversos projetos e, tendo sido reeleita, exerceu o cargo parlamentar por cerca de dezesseis anos. Neste período, integrou também a Conselho Estadual de Educação, ocupando a função de Secretária da Comissão do Ensino Médio.
Além de sua atuação na vida pública, Judith também se destacou no campo literário: foi cronista e ensaísta presente em diversas publicações da imprensa local. Escreveu para os jornais "Diário da Manhã" e “A Gazeta”; e também para os periódicos "Vida Capixaba", "Canaã", "Revista do DSP" e "Revista da Educação". Em 1949, ingressou na Associação Espírito-Santense de Imprensa (AEI). Neste mesmo ano, indignada pelo fato de as mulheres não poderem integrar a Academia Espírito-santense de Letras fundou, juntamente com um grupo de mulheres, a Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, sacramentando-se na história como sua primeira presidente. Na década de 1980, ingressou no Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo (IHGES) e na Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras de Goiás. Além disso, conseguiu, finalmente, participar da Academia Espírito-Santense de Letras, tendo sido a primeira mulher a compor tal núcleo.
Judith foi alguém de vários talentos. Além de todos esses, também tinha o dom para a pintura e gostava de se dedicar às causas assistenciais. Inclusive, sua única obra publicada, a coletânea Presença, foi doada à Igreja, com finalidade de angariar verbas e destiná-las aos pobres. A homenageada da 6ª Flic-ES nasceu no século XIX, numa época em que a mulher era considerada, socialmente, um ser humano inferior: sem direito ao voto e à opinião, fadada ao inglório exercício da submissão, ditado por cruéis e arbitrários padrões de natureza patriarcal. No decorrer do século XX, Judith mostrou ser capaz de transitar por vários campos e, em todos eles, deixou o legado de sua grandeza. Não caminhou sozinha: ao lado do marido, Talma Rodrigues Ribeiro, seu maior incentivador, participou da formação e da luta pelos direitos das minorias. Sem filhos biológicos, o casal também adotou muitas crianças nascidas no município da Serra- ES.
Educadora, política, escritora e artista... Judith mostrou que poderia ser diferente e não aceitou o papel que lhe fora pré-determinado. Voou alto... E mais que isso: atingiu destinos diversos e inimagináveis, deixando, neste percurso, o seu exemplo e a sua indelével contribuição. Inspirada por esta grande mulher, a equipe organizadora da 6ª Feira Literária Capixaba tomou o cuidado de adotar como tema uma palavra que traduzisse a personalidade de sua homenageada. Judith foi alguém que despertou o olhar social para as urgentes e necessárias trocas simbólicas; que permitiriam e viabilizariam o crescimento de toda a sociedade. O desafio de traduzi-la em um só vocábulo originou reflexões que culminaram no termo DIVERSIDADE.
A etimologia da palavra “diversidade”, aqui considerada, advém do latim “diversitas” e desperta um significado que remete às noções de “pluralidade” e “multiplicidade”. Tais noções mostram-se ideais se pensarmos a personalidade e a história de nossa homenageada. Mas não apenas isso: são noções adequadas também para pensarmos o nosso papel enquanto sujeitos que habitam o universo global- contemporâneo. O que somos nós neste contexto, senão sujeitos complexos e plurais, imersos em uma época de intensas transformações e aparatos tecnológicos?! Sujeitos dedicados a múltiplas atividades, vindos de diferentes realidades, dotados de variadas características... Sujeitos históricos que vivem um tempo acelerado e interagem a cada instante, quer pelas redes sociais ou presencialmente... Mas também sujeitos que ainda detém o desconhecimento sobre si mesmos... Que precisam aprender a compartilhar diferenças, sejam elas étnicas, econômicas, políticas ou sexuais... Que precisam unir forças à construção de uma sociedade melhor e mais justa... E como atingir tal objetivo? Relembremos aqui de outro importante intelectual brasileiro, Paulo Freire, para quem a educação só é possível por meio do conhecimento da própria cultura. Para Freire, não há “saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”.
É neste sentido, de fomentar o conhecimento acerca dos múltiplos saberes que compõem a sociedade capixaba, que construímos o propósito da feira literária deste ano. A Flic-ES 2019 será um espaço para as múltiplas vozes, um canal que se propõe a resgatar e proporcionar conhecimentos sobre a identidade e a cultura do capixaba
Da panela de barro à casaca
Do congo ao rap
Do rap ao slam
Dos direitos da mulher, passando pelos direitos dos negros e índios...
Da ética à estética
Da sustentabilidade às obras de nossos queridos e competentes escritores capixabas!
De tudo à literatura e à sua função formadora, presente nos ditames do crítico literário brasileiro Antônio Cândido... Função esta que nos permite desvelar e humanizar, frente aos olhos-leitores, realidades distintas, muitas vezes, também, ocultadas pela ideologia social hegemônica. Relembremos, nesse sentido, o célebre ensaio “O Direito à Literatura”, no qual Cândido enfatiza a potencialidade educadora e representativa que detém esta arte, ao que diz: “a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.”
Sabendo desta propriedade e considerando a importância da convivência plural e respeitosa, pretendemos fazer da 6ª Flic-ES um instrumento dedicado à formação crítico-cultural do povo capixaba. Nossa homenageada, Judith Leão Castello Ribeiro certa vez, ao discorrer em uma crônica intitulada “O Movimento Cultural Na Serra”, deixou registrado: “O serrano não será marginalizado. Acompanhará a evolução que a civilização impõe às coisas e às gentes”. Nós, a equipe organizadora desse evento, estendemos este pensamento a todo o povo capixaba, reconhecendo a dinâmica de nosso tempo, estabelecida em ritmos de diversidade.
Curadora da 6ª Feira Literária Capixaba (6ª FLIC-ES)
Escritora e professora da UFES
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