RE - REVISTA ELETRÔNICA
DA
ALES-ES Seção 01 artigos
Renata Bomfim é mestre e doutora em letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora, escritora e ativista ambiental é gestora e proprietária da Reserva Natural Reluz, RPPN localizada em Marechal Floriano. Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, ocupando a cadeira de nº 16; Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do ES e Diretora técnica da Associação Capixaba do Patrimônio Natural (ACPN). Representou o Brasil em Festivais de poesia no exterior e presidiu a 6ª Feira Literária Capixaba, em maio de 2019. Possui artigos e ensaios publicados, é autora da Revista Literária Letra e fel (www.letraefel.com) e dos livros de poemas Mina (2010); Arcano dezenove (2012), Colóquio das árvores (2015) e O Coração da Medusa (no prelo).
Falar acerca da força e da coragem das mulheres
espírito-santense é algo que nos comove, mas também nos desconforta, pois,
infelizmente é uma história ainda pouco conhecida pela sociedade capixaba e
marcada pelo silenciamento. A pesquisadora Maria Stella de Novaes,
personalidade importantíssima da historiografia do Espírito Santo e autora da
obra A mulher na História do Espírito
Santo (História e folclore),
escrita entre 1957 e 1959, chamou a atenção para essa “omissão de referências
às mulheres”. Dona Stelinha, como carinhosamente era chamada, denunciou que
esse silêncio sobre a produção intelectual feminina e suas ações de resistência
remontam os registros da colonização. Segundo registros, o donatário Vasco Fernandes
Coutinho, quando veio tomar posse da Capitania no dia 23 de maio de 1535, não
trouxe mulheres na sua comitiva e a epistolografia dos padres Jesuítas atesta
que os portugueses se casavam com as índias.
As mulheres indígenas das tribos que habitavam o
Espírito Santo na época da colonização exerciam autoridade na tribo, tanto que
nos chegam relatos como o da esposa do índio Maracaiaguaçu (Gato grande),
batizada como Branca Coutinho, em homenagem à mãe do donatário, e da viúva de
Guajaraba (Cabelo de Cão), que guiou o seu povo na descida do Sertão para a
aldeia dos Reis Magos. As índias foram as primeiras mães dos cidadãos nascidos
na terra recém-batizada e o papel fundamental e marcante da mulher indígena na
indústria caseira e na arte manual, deu forma a uma das tradições mais
destacadas do ES, ¾ a
tradição da panela e das paneleiras¾. Não
ficou de fora do relato de Dona Stelinha a importância histórica de Luísa
Grimaldi, que governou o Espírito Santo com êxito entre os anos de 1589 e 1593.
A literatura produzida por mulheres no Espírito
Santo tem preenchido muitas lacunas deixadas pela história, exemplo disso é a
obra A Capitoa, da escritora barrense Bernadette Lyra, que fala da coragem
dessa mulher que foi uma das primeiras da comandar um estado brasileiro no
século XVI. Outra personalidade feminina de grande relevo para o Brasil é Maria
Ortiz, heroína capixaba filha de espanhóis que defendeu a Catania da invasão
holandesa, em 1625. Em um artigo intitulado “Cadê a Maria Ortiz?”, Francisco
Aurélio Ribeiro relata que visitou a exposição “Brasil feminino”, no Rio de
Janeiro, e pode ver entre as personalidades cronologicamente destacadas, Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del
Fuego; a cantora Nara Leão e a escritora Marly de Oliveira, mas, aponta para a ausência
de referência a Maria Ortiz que é, inclusive, alguns séculos anterior a
revolucionária Maria Quitéria e a Ana
Néri, pioneira da enfermagem no Brasil. Dona Stelinha destacou que os séculos
passaram e “humildes e ignoradas, alheias, mesmo aos resultados sociais e
econômicos dos seus esforços”, as mulheres capixabas chegaram ao século XVIII
ainda condicionadas por conceitos patriarcais religiosos, sociais e legais que as
caracterizavam como inferiores ao homem: “fadas incógnitas que salvaguardavam
as bases da sociedade”, as capixabas eram consideradas “máquina de trabalho
doméstico”.
A mulher oitocentista teve a sua liberdade
fortemente cerceada e as jovens eram criadas e educadas para o casamento, mas,
a escolarização foi essencial para que esse cenário começasse a mudar. Em 1827,
Dom Pedro I outorgou a lei que criou escolas nas vilas e cidades mais populosas
do império, entretanto, as escolas para meninas seriam permitidas apenas se
aprovadas pelo conselho, e caso fossem aprovadas, a elas não se ensinaria
aritmética e nem geometria, apenas as quatro operações básicas, ficando o
programa restrito às prendas da economia doméstica. Essa realidade estendeu-se
até meados do século XIX, quando as mulheres começaram a conquistar espaços
sociais fora de casa e as senhoras do Espírito Santo se organizavam em torno de
novos interesses, como o jornal de moda parisiense A Estação. Em Vitória e Vila Velha as rendas, parte do aprendizado
de trabalhos manuais das moças, eram famosas.
No Espírito Santo, a primeira escola pública
primária para meninas, foi fundada em Vitória, em 1835, mas ficou dez anos sem
funcionar por falta de professora, até que em 1845 a primeira professora foi contratada,
o seu nome é Maria Carolina Ibrense. A escolarização feminina associada à
emergência de ações coletivas abriu horizontes para as mulheres no século XX.
Maria Stela de Novaes afirmou que o século XIX poderia ser chamado de “O século
das mulheres”. A partir de então as mulheres passaram a ser professoras e
diretoras de escolas primárias e normais, bem como escritoras, mas, o direito
ao voto e a elegibilidade ainda lhe eram negados. Nesse sentido, podemos
perceber a relevância da vida e da obra de Judith Leão Castello Ribeiro,
professora, escritora e primeira deputada estadual no Espírito Santo. Judith
Leão Castello Ribeiro nasceu na Serra, no dia 31-08-1898, seu pai João Dalmácio
Castello e sua mãe Maria Grata Leão Castello, primaram pela educação dos filhos
e da fizeram questão que a filha também estudasse. Judith Leão se insere no
contexto de luta e resistência das primeiras sufragistas capixabas. Vale
recordar a importância do feminismo emergente na luta pelos direitos das
mulheres e que a exclusão dessas da categoria de cidadãs, na constituição
inglesa de 1791, levou a escritora Mary Wollstonecraft a escrever Reivindicação dos direitos da mulher e
essa obra, que denunciava a opressão no tempo do iluminismo, ecoou no Brasil e,
insuflado por Nísia Floresta com o seu Direito
das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, floresceu o movimento
feminista brasileiro. Berta Lutz, na década de 1920, liderou a criação da
FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO e esse feminismo de primeira hora,
que tinha como foco a melhoria das condições da mulher na sociedade e a
conquista do direito ao voto feminino, só alcançou o pleito em 1932. Segundo
Maria Stella de Novaes, o movimento feminista capixaba delineou-se
paralelamente ao movimento nacional, liderados pela Sra. Silvia Meireles da
Silva Santos, em Vitória. Nessa época, a organização das mulheres em entidades
organizadas fomentou importantes debates políticos e, em vários estados da
federação, o feminismo se fortaleceu. No Espírito Santo não foi diferente, as
intelectuais capixabas já chamavam a atenção pela atuação destacada no cenário
cultural local, mesmo assim, alguns espaços ainda lhe eram negados, e um desses
espaços era o político.
O interesse de Judith pela política possui raízes
profundas, pois, nascida em uma família tradicional da Serra, o seu bisavô,
Manoel Cardoso Castello, avô dos educadores Kosciuszko e Aristóbulo Barbosa
Leão, foi vereador na época que a localidade era conhecida como freguesia de
Nossa Senhora da Conceição da Serra, antes de ser elevada à condição de Vila,
em 1822. Ela foi, também, casada com Talma Rodrigues Ribeiro, que foi prefeito
da Serra entre 1945 e 1946 e que a apoiava incondicionalmente.
Judith foi uma defensora ardorosa dos direitos
políticos das mulheres, mas, o ambiente conservador da época exigiu uma
sensibilização das capixabas para a luta política. Maria Stella de Novaes expõe
as dificuldades das mulheres que ousavam desafiar a ordem patriarcal adentrando
espaços públicos, relata que ela mesma sofreu para ingressar como catedrática
no corpo doente do Ginásio do Espírito Santo e na escola normal do Estado, e
que “as escritoras e as poetisas amargaram” da mesma forma, “bebendo o cálice
da crítica ferina e da oposição implacável”. Em 1933 um grupo de senhoras vitorienses
fundou a FEDERAÇÃO ESPÍRITO-SANTENSE PELO PROGRESSO FEMININO, buscando
incentivar o alistamento de mulheres e, sem compromisso partidário, a CRUZADA
CÍVICA DO ALISTAMENTO, cuja presidente foi Silvia Meireles da Silva Santos,
vice-presidente, Judith Castello Leão Ribeiro, e tesoureira Maria Stella de
Novaes. Judith Leão já era professora desde o ano anterior, quando tinha sido
aprovada, em concurso público, e ingressado como docente no Grupo Escolar Gomes
Cardim. Segundo João Luiz Castello, sobrinho de Judith, são vários os exemplos
de que Judith mostrava interesse em trabalhar em prol do coletivo, tanto que
desejando estimular o aprimoramento cultural de seus alunos fundou o Museu
Pedagógico (1930-1946), na Escola Normal Pedro II, e iniciou o jornal “Folha escolar”, de circulação
interna na mesma instituição.
A arte e a cultura sempre foram considerados, por
Judith Leão, um instrumento de transformação social, de forma que, enquanto
professora, estabeleceu um tempo para os seus alunos terem iniciação literária
e musical. Foi como professora que Judith, em 1934, candidatou-se a deputada
estadual pela primeira vez, mas como não estava filiada a nenhum partido,
acabou não se elegendo. Judith Leão optou por disputar sem legenda por apoiar o
Movimento Revolucionário Constitucionalista de São Paulo, de 1932, e por
discordar da política estadual em vigor na época. A sessão capixaba da
Federação contribuiu para com o movimento no Rio de Janeiro, te esse esforço
coletivo fez com que, em 1936, o direito ao voto fosse mantido sem restrições
na Constituição Federal.
A movimentação feminista vitoriense repercutiu no
interior do estado e uma delegação da UNIÃO CÍVICA FEMININA, de Cachoeiro de
Itapemirim, em 1936, enviou uma delegada para participar do Congresso Nacional
Feminino. O “esforço titânico”, ¾ como
diria Maria Stella de Novaes ¾, de
Judith Leão e de muitas outras mulheres capixabas, entre elas Guilly Furtado
Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta Tatagiba, Lidia Besouchet,
Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeni Santo e Haydée Nicolussi, precisa
ser conhecido pela sociedade, precisa ganhar destaque na historiografia. Um
grupo de mulheres uniu forças com Judith Leão para a fundação da ACADEMIA
FEMININA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS (AFESL), no dia 18 de julho de 1949.
Francisco Aurélio Riberio, dedicado pesquisador da vida e da obra das
escritoras capixabas, nos faz saber que apenas muito recentemente as mulheres
foram aceitas nas academias de Letras, e destaca a extemporaneidade e o
pioneirismo da capixaba Guilly Furtado Bandeira que, em 1913, ingressou como
acadêmica na Academia de Letras do Pará. A escritora é, também, a primeira
capixaba a publicar um livro, em 1913, Esmaltes
e Camafeus.
A acadêmica da AFESL Ailse Therezinha Cypreste
Romanelli salienta que era “um despautério”, na década de quarenta, uma mulher
como Judith cumprir quatro legislaturas
como deputada e, ainda, tentar entrar para a Academia Espírito-santense de
letras e não ser aceita. Judith se candidatou para uma cadeira da Academia
Espírito-santense de Letras (AEL), mas “as academias eram exclusivamente
masculinas”, então num movimento de afirmação feminista, Judith, fundou a
Academia Feminina Espírito-santense de Letras (AFESL) e foi a sua primeira
patrona. Participaram dessa primeira diretoria Arlette Cypreste de Cypreste,
como vice-presidente, Zeni Santos e Iamara Soneghetti como secretárias e
Virgínia Tamanini como bibliotecária, a elas se juntaram Ida Vervloet Finamore,
Hilda Prado e outras escritoras e musicistas, o que fez com que a instituição
fosse se firmando no cenário cultural capixaba.
Nos seus setenta anos de existência, a AFESL vem
lutando para ser um espaço de livre produção para as intelectuais no Espírito
Santo, desde os seus primórdios quando Annette de Castro Mattos, em 1950,
organizou a “Vitrine literária”, primeiro registro das escritoras
espírito-santenses, passando pelo programa “Mulher e perfume”, dirigido por
Arlete Cyprete de Cypreste, na Rádio Capixaba, e que deu voz a muitas
escritoras e artistas; a escritora Zeny Santos, que fundou a “Casa do
capixaba”, o apoio dado pela AFESL ao Instituto Braile na sua criação, a
criação do “Lar da Menina”, por Beatriz Nobre de Almeida e tantas outras ações
das intelectuais capixabas.
É preciso criar espaços para que as mulheres do
passado e do presente possam ter visibilidade, é fato. O Centro de Memória e
Bens Culturais da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, em maio de 2019,
realizou uma exposição de fotos e telas sobre a vida de Judith Leão Castello
Ribeiro em comemoração aos 120 anos do nascimento da escritora e ex-deputada. Judith
Leão foi também, a homenageada da 6ª Feira Literária Capixaba, presidida pela
Academia Feminina Espírito-santense de Letras, na UFES, ocasião na qual o seu
sobrinho, João Luiz Castello, ofereceu como doação à AFESL e hoje em exposição
na ALES, uma estátua em bronze da escritora realizada pelo artista plástico
capixaba Hipólito Alves. João Luiz doou para o acervo permanente da ALES todas
as fotografias da exposição. A mostra foi uma iniciativa das Deputadas Iriny
Lopes (PT), Janete de Sá (PMN) e Raquel Lessa (Pros) e idealizada pelo
fotógrafo da Casa Antônio Carlos Sessa, em parceria com a AFESL. Foi graças ao
esforço e a luta dessas pioneiras que as mulheres capixabas brilham, hoje, nos
mais variados âmbitos da sociedade, no parlamento, nas academias, mas, ainda há
muito pelo que lutar contra o preconceito de gênero e a violência. A
representatividade das mulheres no espaço político ainda é pequena e o debate
sobre questões importantes como a (des)igualdade e a cidadania das mulheres,
especialmente das mulheres negras, devem ganhar o cotidiano.
Abraçar o legado deixados por essas mulheres
excepcionais é necessário, especialmente em um momento histórico como o atual,
no qual o Brasil vive um obscurantismo com relação às questões de gênero,
exemplo disso é que o tema vem sendo subtraído das metas da educação nacional,
acreditamos que resgatar a história de luta e conquistas de mulheres como
Judith Leão Castello Ribeiro inspira os cidadãos e as cidadãs a militarem em
prol da educação e pelo direito à livre expressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário