Pedro Sevylla de Juana é um
amigo do Brasil e, especialmente, do Espírito Santo. E foi aqui, em terras
capixabas, que ele construiu fortes laços de amizade e parcerias literária de
forma que tornou-se Acadêmico Correspondente na Academia Espírito-Santense de
Letras (AEL) e possui várias publicações e traduções de obras de escritores capixabas, com
destaque para a obra que traduziu para o castelhano, O Coração da Medusa, que está
em fase de editoração.
Durante a sua
estada no Espírito Santo, Pedro Sevylla proferiu uma palestra na Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) e participou de tertúlias no Instituto
Histórico e Geográfico do ES. Tive a alegria de levá-lo ao Morro da Fonte Grande, uma região Periférica da capital, Vitória, onde tenho muitos amigos e amigas. Lá pudemos tomar um café com a atleta Xuxa Capixaba e visitar pessoas da comunidade. Seu ultimo trabalho dedicado ao Brasil foi o
livro bilíngue e ilustrado de poesias Brasil Sístoles e diástoles.
Pedro Sevylla de Juana
nasceu no dia 16 de março de 1946 em Valdepero, província de Palencia, na
Espanha. Descendente de agricultores e artesãos, possui formação em
publicidade, direção e marketing, desenvolvendo trabalhos no campo da arte como
o desenho e a fotografia. Pedro trabalhou em variadas multinacionais e,
atualmente, dedica-se por completo ao campo da escrita, sendo o autor de várias
obras premiadas e do blog literário que leva o seu nome. (http://pedrosevylla.com/)
Desde muito jovem Pedro Sevylla demonstrou interesse pelo campo
literário, dedicando especial atenção à poesia e a prosa poética. Possui uma
extensa produção narrativa que abarca contos, romances e novelas e uma fortuna
crítica que dá uma visão da abrangência de sua escrita. A tradução é
outra faceta desse artista multifacetado que dedica ao Brasil variados estudos,
traduzindo textos de escritores brasileiros de diferentes épocas.
Pedro Sevylla é um ser humano inquieto. Ele gosta de conhecer
pessoas, lugares, Nov as culturas e essas experiências convergem
para os seus textos de forma poética e lúdica. Já viveu parte de sua vida em
Barcelona, Madri, Genebra, Paris, entre outros e, segundo ele, possui três
paixões: "Vivir, leer y escribir". Suas obras estão publicadas em
várias antologias internacionais. A profícua produção literária de Pedro
Sevylla de Juana nos legou personagens complexos como Estela e Lázaro, da
obra Estela e
Lázaro vertiginosamente, romance publicado em 2014, mas, entre essas
múltiplas figuras destaca-se a de Cesáreo Gutiérrez
Cortés, personagem nascido nas tramas da novela Ad Memoriam (2007),
fruto da necessidade de sua filha, Alba Gutiérrez Peña, de realizar um trabalho
sobre algum escritor para a aula de literatura. Alba, então, recordando-se do
pai falecido, sobre o qual pouco sabia, decide empreender uma viagem em busca
do Cesáreo pai e escritor. Pedro construiu, em um ensaio recente intitulado Cesáreo
Gutiérrez Cortésartista y pensador, um
diálogo com Cesáreo.
Nesse estudo, deparamo-nos com a voz de Cesáreo
Gutiérrez Cortés, realizando um largo esclarecimento sobre sua vida interior e
motivações. A partir dos pressupostos bakhtinianos, podemos dizer que
Pedro Sevylla de Juana, enquanto consciência autoral, ideólogo da arquitetônica
do texto, permite o escoamento de excedentes do texto e Cesáreo pode, então, se
manifestar de forma mais livre expondo mais sobre a sua vida literária,
aspectos e fatos que fugiram das publicações anteriores e revisando alguns
fatos de sua existência, como a inconformidade com a sua morte prematura.A
filha de Cesáreo, Alba Gutiérrez Peña, recorreu a um acervo de memórias para
reconstituir o perfil inacabado de seu pai, as imagens das fotografias
passaram a ganhar vida e a memória passou a ser completada com as tramas da
imaginação. Um caderno deixado por Úrsula, sua mãe, seria a fonte de dados
inéditos para a jovem, e esse achado lhe possibilita montar o quebra-cabeça, ou
seja, o perfil desse personagem singular. A relação entre Pedro Sevylla e
Cesáreo Gutiérrez é caleidoscópica e reflete fragmentos das vidas de um e
de outro em uma permuta possível apenas por meio do fenômeno literário, ou
seja, da fabulação.
O olhar de Úrsula para Cesário, somado ao de Alba, acrescido,
ainda, do olhar de Pedro Sevylla, observador privilegiado, visto que é autor,
descortina a existência de um personagem que nasce nas páginas do papel
enquanto memória vida e o leitor, mesmo com essas informações, ainda se
pergunta: mas, quem será, na realidade, Cesário Gutiérrez Cortés?
O linguista russo Mikhail Bakhtin fala sobre a importância de não
se confundir a vida do escritor com a do personagem, ou seja, o autor
deve ser observado como uma instância que se imbrica numa vivência estética, ele
luta por configurar o personagem como um OUTRO de si mesmo. Esse exercício de
objetivar-se, como acontece nas autobiografias, por exemplo, exige um exercício
de deslocamento no qual o autor olha de fora do mundo íntimo do personagem, de
maneira que esse adquire um quantum significativo de autonomia, eis o que então
que, no plano da existência, possibilita o nascimento de um novo ser. Não poderia deixar de citar personagens que gozam de
vida própria como os universais Hamlet, Dom Quixote, Madame Bovari, Drácula, Macunaíma,
Dom Casmurro, Macabéa, Capitu, entre outros. Essa autonomia do personagem emana
do campo estético que gera uma força a partir da qual autor e personagem
dialogam intersubjetivamente, destacando aqui o diálogo como um campo de
embate, nem sempre harmônico.
Nesse diálogo franco com Pedro Sevylla, autor, Cesáreo Gutiéres, personagem, expressa
algumas singularidades da sua existência literária, especialmente, como citado
anteriormente, o descontentamento com a própria morte. Certa vez, a escritora
nascida no Espírito Santo, Neida Lúcia Moraes, revelou que um personagem seu
trazido à luz diretamente das páginas amareladas de documentos antigos, para as
páginas de um romance histórico contemporâneo, recusava-se a morrer, inclusive
visitando a autora em sonho, descontente com o fim trágico que lhe relegaria
uma segunda morte. Enfim, é interessante observar que muitos desses seres
de papel, animados pelo espírito do escritor, são insuflados a desejarem a
eternidade, quem sabe pelo próprio escritor, de forma inconsciente, ou pelos
leitores. Como não desejar que Diadorim e Riobaldo não fossem separados pela
morte e ficassem juntos, mas como não reconhecer a perfeição dessa obra que nos
brinda com uma dor essencial, visceral e necessária, permitindo que por meio da
catarse, morramos junto com o jagunço que renasce um Riobaldo transformado, um
homem pacífico que narra a sua história ao médico viajante, alter
ego de Guimarães Rosa. É a partir desse esquema estético e
ficcional que compreendo Cesário Gutiérres, um personagem inquieto, assim como
o seu autor, mas livre para fazer as suas escolhas dentro desse universo de
alteridade que é o da Literatura.
Aproveito o momento no qual teço essas breves considerações sobre a escritura do amigo e tradutor Pedro Sevylla de Juana para lhe desejar um feliz aniversário e muitos anos de vida e de produção literária, celebrando os vínculos de amizade que a literatura e a pesquisa literária nos favorece.
Santo Agostinho, entre as suas proposições filosóficas, nos fala sobre os "bons encontros", ou seja, aqueles encontros que aumentam a potência de (cri)ação dos sujeitos, que permitem a formação de singularidades sem medos e nem despotismos, enfim, é assim que agradeço ao Pedro ser esse amigo presente na minha vida há muitos anos e desejo a ele, a sua amada esposa Elvira e aos seus filhos e netos muitas alegrias.
Renata Bomfim. Vitória, ES, Brasil, 14 de março de 2021
Um comentário:
Gracias muchas,Renata Bomfim por ocuparte de mí y de mi obra. Has leído la magnífica novela Ad Memoriam, de Pedro Sevylla de Juana y sabes de mi querida hija Alba y de mi amada esposa Úrsula. Has leído mi muerte prematura, herido en defensa de una mujer atacada por un energúmeno cualquiera. Pedí a Pedro un lapso más largo y estuvo de acuerdo. Dibujante, pintor, cuentista y escritor de las novelas largas que conocéis como romances, he viajado por el extraordinario Brasil con ocasión de documentar mis artículos de viajes.
Conocí, la parte brasileña de Iguazú, El Pantanal y la Amazônia. Pulmón del mundo, la Amazônia sufre daños irreparables para la vida humana. Sé que sufres conmigo por ello. Cumplo mañana 75 años. Pedro y yo nacimos el mismo día y en el mismo pueblo, pero nuestras vidas han sido muy distintas. Él me inculcó de amor a Brasil. Un abrazo para ti y para Luis, que cumple años el día 19. Felicidades y éxito para ambos. Cesáreo Gutiérrez Cortés
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