Nesta noite, 11 de novembro de 2010, dia em que esta veneranda instituição, a Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, amorosamente, abre para mim as suas portas, eu os saúdo, assim como a tudo mais que é vivo e respira: as árvores, as flores, os animais (especialmente os gatos), as pedras, as nuvens e, reverentemente, presto homenagem a todas as confreiras que por aqui passaram, deixando além da saudade, importantes contribuições literárias, que ninguém mais poderia dar.
O reconhecimento público de uma mulher como escritora é uma vitória para todas as mulheres. Uma visada histórica revela que, desde os primórdios da civilização, o silêncio imposto ao discurso feminino por meios de estratégias como a violência cotidianizada e a censura, foi amplamente ocupado pelo discurso masculino. Milhares de mulheres pagaram um alto preço pela liberdade de expressão que desfrutamos hoje, algumas pagaram com a própria vida.
Este encontro é uma celebração das conquistas alcançadas pelas mulheres que nos antecederam, e a oportunidade de fazermos o bom uso da palavra para construirmos uma nova história, denunciando a violência que ainda cala milhares de mulheres.
O discurso feminino ainda incomoda e ameaça, mas é certo que avançamos e estou certa que avançaremos ainda mais, até alcançarmos o diálogo com nossos pares, até que dancemos juntos, celebrando a superação da dicotomia que transformou a todos nós em ilhas.
A opressão perpetrada à mulher remonta os primórdios da civilização. Na Grécia considerava-se que a mulher não tinha capacidade de Philia, ou seja, da amizade que nasce do amor. Sua função era reproduzir e cuidar dos afazeres da casa. Foi nesse contexto de repressão e injustiça que surgiu Safo, primeira poetisa conhecida, e criou uma escola de formação intelectual para mulheres, Safo chamava suas discípulas de hetairai, ou seja, amigas.
No império Romano assistimos ao nascimento do Direito e a criação do código penal que legitimou a inferioridade feminina, reforçando a assimetria entre homens e mulheres. Do mundo hebraico nos chegam as histórias de Moisés, que proibiu o culto ao feminino e à natureza por meio das tábuas da lei, e de Eva, mulher que cedeu aos apelos do demônio privando a humanidade do paraíso.
No Renascimento, a Ciência se consolidou respaldado no pressuposto de que a mulher se fazia bruxa pela sua natureza, ou seja, pelo seu sexo, considerado impuro e maléfico. O Malleus Maleficarum, definiu a mulher como “mental e intelectualmente” inferior e elas perderiam, ainda, nos séculos subsequentes, os direitos sobre os filhos, os bens e sobre qualquer tipo de produção intelectual, que era assinada pelo pai, marido ou irmão. No seculo XIX foi considerada a histérica e, no século XX “ascendeu”, se tornando “ a rainha do lar”, mas apenas do lar...
Há uma dificuldade em se recuperar, historicamente, os traços da resistência feminina, mas ela sempre existiu, mesmo com a exclusão perpetrada pelo direito, a depreciação sofrida com a Ciência arrogante e a condenação pela religião.
O pesquisador Francisco Aurélio Ribeiro nos faz saber que, no Espírito Santo, “a questão da literatura feita por mulheres deve ser vista juntamente com a marginalização a que estas foram submetidas pela sociedade machista e falocrata até muito recentemente”. E foi nesse Estado “machista e falocrata”, mais especificamente em Vitória, que Sylvia Meirelles Da Silva Santos (1889- 1990), patrona da cadeira de nº 16, liderou o movimento pelo voto feminino, presidindo a Federação Espírito-Santense pelo Progresso Feminino, e defendendo o direito e o dever do trabalho da mulher. Dona Santinha, como Silvia era carinhosamente chamada, foi professora, poeta, declamadora e ativista social e cultural. Na década de 20, ela emocionou-se ao saber que Adalgisa Fonseca, havia sido a primeira mulher a laurear-se me medicina no ES, prontamente, organizou um jantar de confraternização em sua homenagem.
Que responsabilidade a minha, amigos e amigas, ocupar esta cadeira. Sylvia Meirelles da Silva Santos chamou atenção em um de seus artigos sobre educação, para a necessidade de que as ações educacionais tivessem por finalidade “o amor à Pátria e à humanidade”, que os ensinamentos fossem “dignificantes” e que elevassem a Moral, burilando o caráter e purificando o espírito. Reafirmo, que desafio dar continuidade a este legado de luta marcado pela generosidade e pela capacidade de acolhimento, valores próprios do feminino.
Maria Helena Teixeira de Siqueira (1927- janeiro de 2010), sucessora da acadêmica Sylvia Meirelles da Silva Santos, e a quem sucedo na cadeira de número 16, nasceu em Porto alegre e se formou em Direito pela UFES. Especializou-se em Direito Empresarial e foi Professora de português e espanhol. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Associação Espírito-Santense de Imprensa, correspondente da Academia Cachoeirense de Letras: cronista, poeta, crítica literária, e primeira mulher a ser eleita para a presidência da Academia Espírito-santense de Letras.
Maria Helena Teixeira de Siqueira rompeu barreiras seculares ao militar pela justiça social por meio do direito, dignificando uma carreira que nasceu sob a égide da misoginia e dedicando também a sua pena à liberdade, como mostra o Gato Felini, personagem de sua obra. O gato que queria ser rato, inconformado com a prisão de seu amigo pássaro, lhe abre as portas da gaiola. Maria Helena Teixeira de Siqueira no poema Louvado para o amor diz: “Louvo o amor que tudo move,/ move o céu e as estrelas./ [...] Louvo o amor incontido,/ que se arremessa em torrentes./ Louvo o amor escondido,/ que se revela na poesia.
Estou profundamente honrada e agradecida ás Acadêmicas por me concederem este voto de confiança, OBRIGADA! Apresento-me perante cada um dos senhores e senhoras como uma servidora, aceitando a responsabilidade de levar adiante o legado destas mulheres valorosas. Buscarei me inscrever literariamente na intercessão das propostas feitas por Sylvia e por Maria Helena, colocando a minha escrita a serviço da natureza, especialmente dos animais, tão merecedores quanto nós, humanos, de respeito, cuidado e amor.
A História está cheia de assassínios em massa cometidos em nome de uma única verdade, não me arrogo dona de nenhuma verdade, mas acredito que precisamos despertar uma nova consciência. Zigmunt Bauman afirmou que “a voz da responsabilidade é o grito de recém-nascido do indivíduo humano”. Como pudemos observar, a história da civilização se fez e, ainda se faz, a custo de muito sofrimento e sangue, precisamos ler o mundo de forma crítica, como preconizou Paulo Freire, e reescrevê-lo. Portanto, firmo aqui e agora, o compromisso de colocar a minha voz a serviço da Paz e daqueles, cujos gritos de socorro, quase ninguém ouve. A minha pena, em consonância com a minha vida militará pelo Abolicionismo Animal, pois acredito que a libertação destes seres pressupõe a libertação de todos nós, criaturas viventes, dependentes dos recursos da Terra e irmãos planetários.
O Especismo nefasto que considera todo o animal “não-humano” como propriedade, coisa, arrogando-se o direito de torturá-lo, de privá-lo de seu habitat e do convívio com seus familiares e grupo, de usar a sua pele, de comer a sua carne, está causando, além de sofrimento e dor, uma degradação ambiental sem precedentes na história. Concordo com Victor Hugo quando diz que: “A proteção dos animais faz parte da moral e da cultura dos povos” e acredito que pecamos quando agimos eticamente somente em relação aos seres humanos.
Finalizo meu discurso para passar aos agradecimentos, com as palavras do Nobel da Paz (1952) Albert Schwweitzer: “Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante.".
Agradeço, primeiramente, ao Cristo Cósmico, meu guia e inspirador, energia de Paz e amor, fonte de luz que me mantém viva, e que, a cada dia, me alimenta de fé e esperança e me levanta quando estou prestes a desistir... Obrigada Jesus...!
Agradeço aos meus mestres, a quem tive e tenho a honra de chamar de amigos: Freda Cavalcanti Jardim, que me ensinou a fazer mosaico, que me ajudou a entender que os cacos podem virar arte, basta que queiramos; Maria Lúcia Dal Farra: Poetisa, amiga, gatófila, grande incentivadora e Ester Abreu Vieira de Oliveira: Poeta, professora, apoiadora, mulher que consegue conjugar força e doçura. OBRIGADA!
Agradeço aos meus amigos, irmãos que escolhi, pelo apoio e a companhia em todos os momentos da minha vida. OBRIGADA!
Agradeço aos meus gatos por despertarem dentro de mim a consciência ambiental, por me mostrarem que Deus está em cada criatura que respira. OBRIGADA pela amizade, pela companhia radiante e radiosa, pela devoção, pelo encantamento e por me fazerem sorrir mesmo em momento de tristeza e dor.
Finalizo agradecendo ao meu amor, que é também meu marido e meu amigo: Luiz Alberto Carvalho Bittencourt. Obrigada por me apoiar, por acreditar em mim, por ser sincero e delicado. Obrigada por não fumar, por não beber e por ser vegetariano. Obrigada por ter sido o meu primeiro leitor e por sua crítica apaixonada-delirante ao meu primeiro livro que dizia: “Renata, o seu livro vai mudar os rumos da literatura capixaba e brasileira”. Luiz, OBRIGADA por existir na minha vida! OBRIGADA a todos. OBRIGADA!
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