24/03/2025

ARCANO DEZENOVE; o cosmos poético de Renata Bomfim por Francis Kurkievicz*

Arcano Dezenove, publicado em 2010 pela Helvética Produções Gráficas e Editora, é a segunda obra da poetisa capixaba Renata Bonfim, um marco de sua que sucede o bem-recebido Mina. Com 98 páginas, o livro se estrutura em temáticas – Arcano Dezenove, Memória, Quintessência; Transição e Rituais– e revela uma voz poética madura, que entrelaça lirismo, espiritualidade e um grito urgente pela preservação ambiental. Não é apenas poesia; é um manifesto existencial que ressoa no cenário literário brasileiro contemporâneo, especialmente por sua perspectiva feminina e cósmica. Renata, doutora em Educação e artista multifacetada (como revela seu blog Letra e Fel), construiu aqui um labirinto de palavras-imagens que convida o leitor a mergulhar na essência da vida e da arte.

A obra pulsa com temas que transitam entre o íntimo e o universal. Em Terra Santa, a poeta lamenta: Terra Santa / bendita, / adorada / O que fizemos com você? / Tua dor me trespassa, um apelo ecológico que ecoa a destruição ambiental com uma sensibilidade visceral. Já Jesus Cósmico expande a espiritualidade para além do dogma, com versos como: Não sou alegre nem triste, apenas sou! indicando uma comunhão mística entre o eu e o universo. 

A feminilidade, por sua vez, brilha em Orgânica: A mulher era verde / E sem veneno, aconteceu uma vez da força natural e transformadora da mulher. A metalinguagem também é recorrente, como em Poemas: As letras que, a duras penas, saltam dos dedos para o papel /condensam vozes, revelando a poesia como um ato de luta e libertação. 

Estilisticamente, Renata Bonfim combina versos livres com imagens sensoriais potentes, como em Arcano Dezenove: Inunda a minh’alma um sol de sétima grandeza / e te desejo toda, inteira, / Terra amada, Santa, Natureza! A intertextualidade enriquece a obra, dialogando com Bakhtin (As letras [...] condensam vozes, e Calvino (Quem somos nós [...] se não uma combinatória de experiências?), sem soar pedante.

 Há uma simplicidade erudita que convida à reflexão, embora alguns poemas, como? com sua densidade histórica (Será que a poesia do século XVI era minha?), pode desafiar leitores menos acostumados ao simbolismo. Ainda assim, a força reside na capacidade de transformar o complexo em acessível, como em Despertar: Desperta! / Acorda pleno e sente / És letra! um chamado à consciência poética e humana.

 O diálogo com outros poetas é um dos pilares do Arcano Dezenove. Rubén Darío, o modernista nicaraguense, é invocado em Canção para Rubén Darío: Poeta do Azul, quem te cantará? / [...] A América te cantará! um tributo que resgata sua sensualidade paga e a adaptação à América Latina contemporânea de Renata. Florbela Espanca, a poeta portuguesa do desejo e da melancolia, ecoa em Florbela em canto: No claustro, o silêncio ensurdece. / Fado? A alma resiste e canta, uma homenagem que reflete a intensidade emocional partilhada por ambos. Cecília Meireles, com sua leveza metafísica, aparece sutilmente em Jesus Cósmico, remetendo à busca pelo transcendente em Cântico VI de Meireles. 

Renata não imita; ela conversa com esses gigantes, trazendo sua própria voz – mais terrena, mais ativista – para o diálogo, como em Guernica Hoje: Dor dentro e fora do tempo que me atinge e te atinge, / e fingimos que não a temos. 

O impacto de “Arcano Dezenove” reside em sua capacidade de provocar e acolher uma obra que exige releitura, pois cada verso revelou novos sentidos, como: Estou nua, sim! / E disponível para tudo o que, / a partir de agora, / Venha acontecer; (Arcano Dezenove), que sintetiza a entrega da poeta ao mundo e à poesia. 

O posfácio de Fábio Mário da Silva destaca essa abertura: A obra não como objeto acabado e definido, mas [...] de abertura a várias possibilidades. No contexto brasileiro, onde a poesia feminina ainda luta por visibilidade, Renata emerge como uma voz necessária, alinhada às contemporâneas como Ana Martins Marques, mas com um tom distintamente místico e ecológico. 

Para o leitor latino-americano, ela oferece uma ponte entre o lirismo modernista de Darío e as urgências do século XXI. Arcano Dezenove é, enfim, um convite à resistência e à contemplação. Renata Bomfim nos guia por um cosmos poético onde a Terra chora, a alma canta e a mulher se ergue. Recomendo a leitura com o coração aberto, para que se ouça o eco de: Que nasça essa gente bendita. / Que rebentem novas sensações, uma prece por um futuro mais vivo e consciente.


*Francis Kurkievicz é poeta, escritor e professor, natural de Paranaguá/PR. Residiu por 20 anos em Curitiba/PR onde estudou FILOSOFIA – UFPR/2002, com especialização em Yoga – UNIBEM/2010 e MBA em Produção de RTVC, UTP/2011. Foi um dos 36 pré-selecionados ao Prêmio SESC de Literatura de 2015 na categoria Conto. Publicou, em dezembro de 2020, pela Editora Patuá, o livro de poemas B869.1 k96. Têm poemas publicados nas Revistas Acrobata, Hiedra, Mallarmatgens, Arara, Estrofe e no site escritas.org – traduções na Revista Zunái, Escamandro, Letra & Fel – artigos no Jornal Memai. Em 2022 teve seus poemas publicados nas duas maiores antologias mundiais de poesia: World Poetry Tree, organizado por Adel Khosan – Dubai/EA, e Living Anthology of Writers of the World, organizado por Margarita Al – Russia; também teve seu poema CHILDHOOD IN BHARAT publicado em MA: Antologia de Poemas em Memória da Poeta bengali Kazi Masuda Saleh, feito realizado pelo poeta de Bangladesh Abu Zubier Mohammed Mirtillah, Editor e organizado. Em Vitória desde fevereiro de 2012, ministrando oficinas de Dramaturgia, Haikai e Meditação.

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