Angelo Mendes Corrêa*
Escritor e jornalista, Alexandre Staut acaba de
lançar seu primeiro livro infantil, A
vizinha e a andorinha, após ter publicado dois romances, Jazz band na sala da gente (2010) e Um lugar para se perder (2012). Após passar por redações de diversos jornais e
revistas, fundou, em 2014, a revista literária São Paulo Review. Especialista em gastronomia, é o responsável pelo
blog Tudo al Dente e seu primeiro livro na área, Paris-Brest, sairá em 2016. Tem inédito um novo romance, intitulado
Avante!, no qual, através da ficção,
recria sua infância e as figuras que a povoaram, na pacata Espírito Santo do Pinhal, no
interior de São Paulo.
Pode
nos contar um pouco sobre sua relação com os livros e os autores que considera
decisivos em sua formação?
Sou antes de tudo um leitor. Gosto de ler todos os
dias e, se não o faço, parece que falta alguma coisa. Tudo começou aos onze
anos, com o estímulo de uma professora de Português, dona Rosinha. O primeiro romance
juvenil que ela passou para a minha turma foi O cachorrinho Samba, de Maria José Dupré. Eu não sabia direito o que
era para fazer. Achei que fosse para decorar o texto. Eu andava por algumas
ruas mais tranquilas da cidade com o livro na frente da cara, lendo-o. Com
algumas leituras seguidas, de fato o decorei. Só depois, soube que ela pedia
uma única leitura. Todos na sala de aula riram de mim, quando souberam da
história. Uns meses depois, descobri a biblioteca, um oásis numa cidade parada,
sem graça. Ali, descobri que ler em silêncio era muito melhor do que pelas
ruas. A biblioteca é tema de um romance inédito que escrevi, Avante!. Este livro fecha minha trilogia
sobre a infância, da qual fazem parte os romances Jazz band na sala da gente e Um
lugar para se perder. Bom, mas falando dos autores que me formaram, poderia
citar José Mauro de Vasconcelos, Josué Guimarães, Marques Rebelo, Fernando
Sabino, Bandeira e Drummond.
Tendo
passado, nas últimas duas décadas, por alguns de nossos mais importantes
veículos de imprensa, quase sempre escrevendo sobre cultura,algum balanço a
fazer? A imprensa cultural tem cumprido seu papel ou as leis de mercado têm
falado mais alto?
A imprensa cultural, na maior parte das vezes é releasesca.
Vive de releases que as assessorias
de imprensa mandam para as redações. Ou então só tem olhos para aquilo que já tem
prestígio, talvez por medo de apontar novidades e errar, ou falta de tempo dos
jornalistas. Para piorar, a grande imprensa nacional passa por uma grande crise
e as editorias trabalham, em grande parte, com jornalistas inexperientes. Mas
há exceções, claro.
Criar
sua própria revista, a São Paulo Review,
foi uma resposta ao que se produz, em boa parte, no jornalismo cultural contemporâneo?
A São Paulo
Review olha para nomes consagrados, mas concede espaço a escritores em
começo de carreira, às editoras pequenas e independentes. Pelo menos uma vez por mês, abrimos espaço
para autores inéditos, gente desconhecida que manda contos, poemas, alguns que
nunca publicaram nada antes. Claro que há um trabalho de curadoria e não
publicamos absolutamente tudo o que nos enviam.
Seu
livro de estreia, o romance Jazz band na
sala da gente, busca, a partir da história de sua família, no interior de
S.Paulo, a reconstrução de uma época que, embora limitada tecnologicamente,
dava espaço a uma vida mais criativa e, talvez, feliz. Concorda com tal ideia?
Não saberia dizer se a vida de antes era melhor ou mais
feliz. Na família do meu pai, que está retratada neste livro, talvez fosse. O
livro é a biografia inventada do meu avô paterno, e ele era músico, era
festeiro. Com sua orquestra de jazz/chorinho tocava em bailes, no cinema da
cidade. Talvez, fosse uma época de vida social bastante intensa. Minha avó me contava
que ia ao cinema todas as noites, nos anos 40, ver o grupo do meu avô tocar.
Após
escrever três romances para o público adulto, o que o motivou a escrever para
crianças e a lançar A vizinha e a
andorinha?
Este livro infantil caiu no meu colo. Percebi um dia
que tinha uma vizinha cantora e isso me motivou a escrever um miniconto.
Depois, olhando mais de perto, percebi que a história poderia ser adaptada para
o público infantil. Passei-a para minha amiga, Viviane Ka, com quem divido a direção
da São Paulo Review, e perguntei se ela
tinha sugestão de ilustrador e editor. De imediato, sugeriu a filha, Selene Alge,
para a ilustração e Bell Mota, da editora Cuore, para a edição. Entrei em
contato com as duas, e em menos de uma semana resolvemos fazer o livro juntos.
Com
vê o mercado editorial para o novo autor em nosso país? Lemos pouco os nossos
jovens autores por que eles têm pouco a dizer ou por que somos desatentos e
preconceituosos com o que produzimos por aqui?
Acho que existe bastante mercado para jovens autores
e muitos deles conseguem encontrar leitores, principalmente em plataformas
eletrônicas. Por acaso, acabo de ler uma notícia de que a Amazon está
estimulando jovens a publicarem na sua plataforma. Há até um concurso no ar. O
escritor inscreve a sua obra (thriller,
ficção científica ou fantasia). Se selecionado, o texto entra em disputa pelo
voto do leitor. Durante cerca de um mês, amostras dos originais selecionados
ficam disponíveis para leitura no site do programa e para avaliação. As obras
mais votadas são publicadas pela Amazon Press, em edições digitais e o autor
assina um contrato. Os jovens costumam nadar de braçada neste tipo de programa.
Fico besta em ver como eles têm leitores em plataformas digitais. O bacana é
que, como o leitor pode ler trechos da obra, só vai para a frente aquilo que
realmente for convincente, o que tiver o mínimo de verossimilhança.
O
excesso de lançamentos editoriais na área infantil não tem subtraído a
qualidade do que se publica?
Estou começando a acompanhar o mercado de infantis.
Tem um monte de besteiras nas livrarias, obras que o meio chama de ‘livro
presente’ e que traz personagens da TV, como Peppa Pig, os caça-níqueis. Meu
livro é paradidático e acho que esta área está cada vez melhor, com temas muito
bons, alguns deles nunca pensados antes para o mercado infantil, como morte,
sexualidade, perdas.
A
vizinha e a andorinha
permite que não só as crianças, mas
também os adultos se dêem conta do quanto nos escondemos, sobretudo os que
habitamos os grandes centros urbanos. Ao escrevê-lo, alguma razão especial o
motivou?
Antes de tudo, agradeço a sua leitura. Pois é,
pensei sim nesse aspecto, principalmente entre nós, que moramos nas grandes
cidades, e que, muitas vezes, passamos a vida sem saber quem são os nossos
vizinhos.
Nem
sempre as relações entre autor e ilustrador são pacíficas. Como foi a parceria
com Selene Alge? Durante o trabalho dela vocês trocaram muitas figurinhas?
Nós conversamos e pensamos juntos em soluções o
tempo inteiro, eu, Selene e Bell, a editora. O trabalho foi realizado de forma
bastante respeitosa.
Muitos
escritores dizem que escrever para crianças é mais gratificante, pois o
retorno, além de mais verdadeiro, é quase imediato. Consegue sentir isso?
Ainda não sei dizer, mas nos dois lançamentos que
fiz, um em São Paulo e outro em Pinhal, recebi abraços carinhosos e sinceros de
algumas crianças. Foi gostoso.
Outra
de suas paixões é a gastronomia. É possível um paralelo entre ela, a literatura
e o jornalismo?
A gastronomia chegou até mim através do meu pai. Ele
era funcionário público, em Pinhal e, nos tempos vagos, datilografava um caderno
de receitas. Isso nos anos 70. Lembro da casa cheirando moqueca, feijoada e
dobradinha, aos domingos. Aliás, na época, eu odiava o cheiro, mas ficava
sempre perto dele. Acho que de tanto observar, tornei-me pesquisador da
gastronomia, principalmente da Idade Média europeia.
Para aprender de perto este tema, fui trabalhar em
cozinhas na Inglaterra (por um ano) e na França (três anos e meio). Mais tarde,
trabalhava na editoria de cultura da Gazeta Mercantil, em 2006, quando contei
para a editora de lifestyle que tinha
estudado e cozinhado em restaurantes europeus. Na mesma hora, ela me chamou
para assinar uma coluna de gastronomia. Aceitei o convite e achei o mundo do jornalismo
gastronômico bastante otimista. Assim, fiquei. Hoje, não cozinho mais
profissionalmente, não tenho vontade. Faço algumas matérias na área e escrevo o
blog de gastronomia www.tudoaldente.com.br.
Quando o mundo da literatura está muito cheio de politicagens, corro para lá, e
me distraio com receitas, como meu pai fazia há 40 anos.
Novos
projetos?
Além do romance inédito Avante!, escrevi Paris-Brest,
que traz minhas memórias gastronômicas da França, e um pequeno estudo sobre a
alimentação na Idade Média, nesse país. A agência de autores da qual faço
parte, a Villas-Boas & Moss Agência Literária, da Luciana Villas-Boas,
acaba de vender o livro para a Companhia Editora Nacional, que publica a obra no
ano que vem.
*Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura
Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.