O senso apuradissimo de Georges Bataille levou-o a afirmar que "Emily Brontë viveu uma maldição privilegiada". Concordo com o escritor, somente um condão envenenado, um dom, poderia levar uma moça simples, que nasceu em 1818 e que viveu apenas até aos 30 anos, a escrever uma das mais belas e intrigantes histórias de amor. Brontë perdeu a mãe quando ainda era criança e foi criada por seu pai, um partor irlandês, junto com suas duas irmãs e um irmão. Reservada, durante a sua curta vida ela quase não saiu do presbitério de Yorkshire. Ela experienciou uma solidão moral e um silêncio que apenas a literatura foi capaz de romper. A escritora teve uma doença pulmonar e faleceu deixando apenas um punhado de poemas e essa obra prima da literatura, seu único romance, Wuthering Heights ou, em português, O Morro dos Ventos Uivantes.
Bataille descreve essa obra como sendo "a mais bela, a mais profunda história de amor...". Bem, eu era muito jovem quando assisti o filme pela primeira vez, o impacto foi imediato, a experiência foi sublime e aterradora. Como não se sentir seduzida por Heathcliff e torcer para que Catherine dê uma de louca, abandone tudo (dinheiro, segurança, o conhecido) e fuja com ele (e todo o mistério e risco que representa)? Como não sentir o coração abalado com a desolação do cenário, a charneca pedregosa, tão seca e dura quanto o coração de Hindley? Ao final da história nos sentimos exauridos e expurgados da dor, afinal, amamos como os mortais amam, e mais, enquanto mortais morremos, mas não de um amor assim, nenhuma doença suplantaria tragédia semelhante.
Como terapeuta junguiana fico viajando e imaginando o universo imaginativo de Brontë e o mergulho profundo que fez para trazer a tona os personagens: Catherine Earnshaw, Edgar Linton, Isabella Linton (irmã de Edgar); Hindley Earnshaw (irmão arrogante de Catherine); Ellen (ou Nelly), Hareton Earnshaw, Catherine Linton, Linton Heathcliff... e ordená-los numa trama na qual se imbricam o amor, a paixão, a vingança, o ciúmes, o arrependimentos, o interdito, a transgressão e a morte. Jung afirmou que "a fúria divina do artista se relaciona perigosamente, e de modo real, com os estados patológicos", embora a visada junguiana não identifique à arte, no caso, a literatura, à patologia, estou inclinada a acreditar que Brontë pagou um preço por esse dom.
Catherine traiu seu coração ao escolher Edgar para se casar, ao invés de aceitar Heatcliff. A rejeição fez com que o jovem apaixonado e pobre partisse em busca de posses e voltasse com sede de vingânça. O final da história é supreendente pois os amantes voltam a se encontrar em um outro plano e nos deparamos com três sepulturas, entre a sepulturas de Linton e a de Heathcliff está a de Catherine, e a vida segue o seu rumo como se nada tivesse acontecido...
A verdadeira obra de arte desvincula-se de tudo o que é pessoal e das estreitezas do tempo, ela comunica ao mais profundo das nossas almas se projetando para o futuro e se atualizando. Na época em que foi lançada esta obra recebeu muitas críticas. Na contemporaneidade o romance de Brontë tem despertado, cada vez mais o interesse do público e de pesquisadores.
Deixo vocês com uma cena do filme O Morro dos Ventos Uivantes, e com o extraordinário e comovente diálogo entre Catherine e Heatcliff. Ao final do filme vocês acompanharão uma das falas que considero a mais bela da literatura: Heatcleaff reconhecendo que perdeu a sua alma com a morte de Cathe e rogando a mesma que retorne do mundo dos mortos para assombrá-lo, ou melhor, para que retorne do mundo dos mortos, mesmo como espectro, para que ele possa conseguir viver os dias que ainda lhe restam. segue:
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