12/05/2014

Elmo Elton: Lírico do Capixabismo (por Francisco Aurelio Ribeiro)

   “Elmo Elton é um joalheiro. Só apenas que trabalha com o ouro das palavras, e em espírito percorre o mundo como um cruzado das belas letras, um peregrino da prosa e do verso. (CÔRTES, José Antônio Ruy).

    Elmo Elton Santos Zamprogno, poeta, trovador, ensaísta, historiador, jornalista, nasceu na cidade de Vitória, ES, em 15/02/1925, onde também faleceu em janeiro de 1988. É um dos poucos escritores capixabas que tiveram o reconhecimento de seu valor literário ainda em vida. Essencialmente poeta, no entanto, deixou um legado como biógrafo, pesquisador, colecionador de obras de arte, memorialista, jornalista, crítico literário, ensaísta, jornalista, historiador social e de costumes. Quero, no entanto, destacar o Elmo Elton literato, em sua essência, poeta e trovador. Estreou, na literatura, em 1944, com menos de vinte anos de idade, com a publicação de “Cantares de um terno filho do mar”, livreto com três poemas, o do título e mais dois sonetos, “Língua portuguesa” e “A santa do mosteiro”, a que se seguiu, em 1945, “Uma história praieira”, uma canção cujo tema seria recorrente em sua poesia, “O homem do mar”, seguida de dois sonetos: “Vossas mãos” e “Olhos, santos olhos”. No ano seguinte, 1946, publicaria “Marulhos”, nele republicando “Uma história praieira”, a que se seguiam outros oito poemas: “Canto de núpcias” (canção), “Língua portuguesa” (soneto), “Estão mortas as mãos de sóror Clara” (soneto); “Cantiga de uma rendeira” (canção), “A santa do mosteiro” (soneto), “Rosas” (soneto), “Barcarola” (barcarola), “Cantares de um terno filho do mar” (canção).Em 1948, já laureado no concurso que o escolheu o 2º melhor poeta espírito-santense, só perdendo para Geraldo Costa Alves, realizado durante a 1ª Quinzena de Arte Capixaba, em dezembro de 1947, publicou “Poemas que a onda levou”, com epígrafe de Alberto de Oliveira e dedicado a Catullo da Paixão Cearense e a Juvenal Galeno, poetas de sua predileção. Nessa obra, há 19 poemas, dentre os quais alguns já publicados em edições anteriores: “Marinheiro triste” (canção), “Canto de núpcias” (canção), “De volta a Vitória” (canção), “Aos vossos olhos, Senhora” (soneto), “Meu rancho bonito” (canção), “Conselho” (canção), “Vou voltar! Vou voltar!” (canção),“Rosas” (soneto), “Adelaide” (canção), “Cantiga de uma rendeira” (canção), “Vossas mãos” (soneto), “Estão mortas as mãos de sóror Clara” (soneto), “Barcarola” (barcarola), “A santa do mosteiro!” (soneto), “Maria da Graça” (canção), “Poema” (livre), “Língua Portuguesa” (soneto), “Vitória! Vitória! Que mar este teu!” (canção), “Uma história praieira” (canção).
   O que se pode observar nesses poemas de juventude de Elmo Elton é a repetição de temas, motivos e de formas literários. Os vinte poemas publicados em suas três primeiras obras constituem-se, quanto à forma, de doze canções, seis sonetos, uma barcarola e um de versos livres (moderno). Com essa primeira constatação, pode-se incluir Elmo Elton dentre os poetas vinculados a estéticas do passado, sobretudo ao Romantismo, sem maiores ligações com os modernistas, já na terceira geração, quando Elmo Elton se iniciava na poesia. Também quanto ao conteúdo de seus versos, há uma recorrência, visto que, dos vinte poemas publicados, dez abordam temas marinhos, cinco tematizam assuntos místicos ou religiosos, três, patrióticos, um, social e um metalinguístico.Saudado pelos críticos desde o seu surgimento, naqueles tempos em que o Espírito Santo era uma província, e Vitória, sua capital, uma modesta cidade litorânea e portuária, Elmo Elton foi logo consagrado como o poeta da cidade, com “rimas de um lirismo encantador, dirigidas ao marulho das vagas ondeantes do mar encapelado” (Henriqueta Galeno). Adelpho Poli Monjardim, eleito “Príncipe dos romancistas espírito-santenses”, em texto publicado em A Tribuna de 01/09/1946, intitulado “Um Poeta Capichaba (sic)”, assim se referiu ao poeta estreante: “Delicado como uma rima, elegante como um soneto, Elmo Elton seria o tipo ideal do poeta, pudessem os poetas ter um tipo padrão. Dandy de corpo e de espírito, é, indubitavelmente, uma inteligência de escol. [...] Como predestinado das Musas, mantém a face impassível, os membros lassos, quase inertes, enquanto o turbilhão do gênio lhe açoita a lama e fá-la vibrar em toda sua plenitude, em toda sua sensibilidade de artista e de esteta para arrancar-lhe do ouro vivo do pensamento essas canções puras e ternas com que canta e interpreta a alma simples dos rudes homens do mar. Elmo Elton é um poeta ímpar na poética espírito-santense, É, para nós, o que foi Casemiro de Abreu para o Brasil”. A citação de Adelpho Monjardim é importante para situar Elmo Elton no contexto em que surgiu tanto local quanto nacional. Ele vem com um lirismo simples, numa época em que os poetas modernistas faziam uma poesia cerebral, tendo João Cabral de Melo Neto como um dos seus maiores representantes e Geir Campos como o poeta capixaba mais representativo dessa tendência. Mesmo os sonetos de Elmo Elton têm pouco da estética parnasiana, de seu ídolo Alberto de Oliveira de quem viria a ser um dos maiores biógrafos. Seus sonetos de temática mística e religiosa são de um lirismo subjetivista como o foram os dos poetas simbolistas e neorromânticos. Uma segunda fase de sua poesia começa com a publicação de “Heráldicos”, sonetos escritos de 1947 a 1952 e publicados em duas edições, 1952, em Vitória, e 1968, no Rio. A partir de 1949, Elmo Elton se muda para o Rio de Janeiro, a capital do Brasil, onde cursa Jornalismo, curso inexistente em Vitória, e se torna funcionário público federal (LBA). “Heráldicos” é um livro de setenta e dois sonetos, com temas diversos, sem a fixação pelo mar e pelos motivos marinhos característicos de seus poemas de juventude. Possui epígrafe de Menotti Del Picchi, “Eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...” (Juca Mulato) e de Cruz e Sousa: “Busca também palavras velhas, busca,/limpa-as, dá-lhes o brilho necessário/e então verás que cada qual corusca,/ com dobrado fulgor extraordinário: / Que as frases velhas são como as espadas/ cheias de nódoas de ferrugem, velhas,/ mas que assim mesmo estando enferrujadas,/tu, grande artista, as brunes e as espelhas” (Arte).  De neorromântico, neossimbolista a neoparnasiano é o percurso poético de Elmo Elton com esse livro de sonetos primorosos, refazendo formas e temas clássicos, buscando inspiração no medievalismo (“Soneto antigo”, “Soneto medieval”, “O ex libris da castelã”),reconstruindo paisagens europeias e clássicas (“Soneto de Coimbra”, “Fim de sarau”, “O missal”, “Depois do baile”, “Ao luar de Verona”), repletos de personagens aristocráticos e anacrônicos (“Soneto pra o brasão de uma princesa”, “Amantes”, “Finis”, “A uma viscondessa”). Nesse período, Elmo Elton deixa de ser o poeta das coisas simples, do homem do mar e de sua cidade litorânea, Vitória, para revolver o passado da nobreza, da aristocracia, com seus brasões, rendas e amores não realizados. O homem do mar se transformou num “Velho Marinheiro”, que, aposentado “Corta e pinta umas tiras de papel/ e faz navios para o seu netinho...”(p.61). Em seu terceiro momento poético, Elmo Elton volta a ser o poeta trovador, popular, o lírico dos sentimentos cotidianos, da simplicidade e da terra capixaba. Os “Poemas”, escritos de 1947 a 1953,mas só publicados em 1976, têm epígrafe de Alberto de Oliveira, “Oh, a saudade, poeta, é uma ressurreição” (Versos de saudade) e de Ribeiro Couto :”... e as fatigadas noites do cais quieto é que são “a aurora da minha vida”, porém não posso dizer que se trata de uma infância “que os anos não trazem mais”. A impressão dessa “aurora” vem comigo ao longo dos anos; está sempre presente em cada manhã. Posso dar a impressão de que envelheço e me entrego à melancolia da experiência, mas na verdade ainda vivo no primeiro espanto e nas primeiras descobertas” (Barro do município).
   Assim, após o interregno clássico-parnasiano de “Heráldicos”, voltam os poemas saudosistas da infância (“O garoto era feliz”, “Velha Bá”, “Conselhos da mãe Zefa”, “Noites de São João”, “A casa de Lucrécia Augusta”, “Essas minhas cantiguinhas”), os temas capixabas (“No cais de Vitória”, “Os sinos de São Gonçalo”, “Lavadeiras da Fonte Grande”, “Do mundo todo”, “Praia da Costa”, “Poema ao verde mar de Vitória”, “Minha terra brasileira”, “Meu berço querido”, “No convento da Penha”, “Terra azul”), os poemas marinhos (“Partida”, “Poema”, “Cantiga”, “A canção da rendeira”, “Marinha”, “Historinha de cais”), os tipos populares (“Pedro Só”, “Maria Suspiro”, “Nhô-Lau”, “Chuva miúda”), os religiosos (“Oração a Santa Luzia”, “Santa Zita”, “Diálogo”), os regionalistas (“Campestre”, “Poema da Bahia”, “Canção”, “Batuque”, “Madrinha da tropa”, “Rimance de Marília de Dirceu”). A esses, o autor acrescentou alguns sonetos já publicados em “Heráldicos”, sendo três inéditos, “Notívaga”, “A morta”, “Confissão” e algumas trovas. No livro “Cantigas”, de 1976, desabrocha o poeta-trovador Elmo Elton. Tendo como epígrafe uma trova metalinguística de Adelmar Tavares, “Ó linda trova perfeita,/que nos dá tanto prazer,/tão fácil- depois de feita,/ tão difícil de fazer...”, o livro tem o prefácio de Aparício Fernandes, em que apresenta o já consagrado sonetista como trovador de mérito. Destaca-lhe o lirismo aliado à filosofia, o estilista, o Poeta que alia a arte à inspiração e cita-lhe como exemplo as seguintes trovas: “Sou poeta, assim tristonho,/por simples destinação:/ - A dor que dói em meu sonho/ acaba sempre em canção”. “Quem cedo se desespera,/não sabe, na crença morta,/que, quando menos se espera,/a Sorte nos bate à porta”. A dezenas de trovas, o autor acrescenta dois poemas: ”Menino de engenho” e “Poema da saudade maior”, esse último um hino saudosista à cidade natal, Vitória, escrito no Rio, em 1953, uma “canção do exílio capixaba”.
   Da mesma época, Elmo Elton publica os seguintes cordéis com temas capixabas: “ABC de Vitória” e “O Convento da Penha”, ficando inéditos “O Padre José de Anchieta no Espírito Santo”, “São Francisco de Assis”, “Terra Capixaba”, “Caboclo Bernardo”, “O enfermeiro das contas brancas e a sineta de ouro”,”A lenda de Braz Gomes -O Judeu Pescador”. Seu último livro publicado de poemas, logo após a publicação dos cordéis, foi “Anchieta”, em 1984, com vinte e seis sonetos dedicados à vida e às histórias do padre José Anchieta, em sua maioria vividas no Espírito Santo, uma emotiva homenagem feita ao padre Anchieta, beatificado em 1980 e, agora, canonizado, em abril de 2014.



Francisco Aurelio Ribeiro é natural de Ibitirama/ES. Formado em Direito, especializou-se na língua portuguesa pela PUC-Minas. É professor aposentado do Departamento de Letras da Universidade Federal do ES, Presidente da Academia Espírito-Santense de de Letras, do IHGES, crítico literário, e autor de uma vasta obra.

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