O naturalismo
é a forma científica que toma a arte, como a república é a forma política que
toma a democracia, como o positivismo é a forma experimental que toma a
filosofia. (Eça
de Queirós)
O idealista não quer ver nem ouvir; não quer saber mais detalhes. Toma imediatamente a sua boa pena de Toledo, recorda durante um momento os teus autores e, num relance, cria-te a menina Virgínia deste modo: na figura, a graça de Margarida; no coração, a paixão grandiosa de Julieta; nos movimentos, a languidez de qualquer odalisca (a escolha); na mente, a prudência de Salomão, e, nos lágios, a eloquência de Santo Agostinho... [...] É agora o escritor naturalista que vai pintar. Este homem começa por fazer uma coisa extraordinária: Vai vê-la!... (Obras, s.d., III vol., p. 913-916)
E buscando contemplar temas e
situações espelhadas na vida concreta de seus contemporâneos por meio,
sobretudo, do cientificismo, e oferecendo-lhes lições de vida – ao invés de
repetir “padrões ultrapassados” –, Eça de Queirós publica, em 1892, o conto “No
moinho”. A partir do contexto da obra e da característica do gênero, analisar-se-á esse conto, contido na coletânea póstuma Contos
(1902), não sem antes haver um apanhado geral de informações sobre o aclamado
autor. “No Moinho” é um texto que pertence ao gênero literário “conto”. Segundo
Massaud Moisés o conto é um gênero que não tem sua origem definida, mas, o
termo indica “enumerar”, “contar”, sendo compreendido na Idade Média como
possuidor do sentido de “enumerar acontecimentos”. O conto ganhou prestígio literário, sobretudo a partir de
Edgar Allan Poe (1809-1849) e, em Portugal, o gênero se firmou enquanto forma
literária no Realismo, período em que distanciou-se do tom oral característico
do “caso” folclórico ou da história para fins moralizantes tradicionalmente
medievais. Em linhas gerais, algumas características desse gênero textual podem
ser apontadas, lembrando que tais aspectos podem ser modificados dependendo da
obra. Tratam-se de narrativas lineares e curtas em extensão e em tempo, em que
os acontecimentos todos “marcham” para um só desfecho; a linguagem é mais
“direta”, sem muitos “rebuscamentos”; os personagens são poucos, e todos se
envolvem em e estão ligados a um evento principal, que ocorre, por sua vez, em
espaços limitados e cujo conflito é um só.
José Maria Eça de Queirós nasceu em Póvoa de Varzim,
Portugal, em 25 de novembro de 1845. Formou-se em Direito em 1866, mas
dedicou-se à carreira de jornalismo. Além disso, foi diplomata, exercendo a
carreira de cônsul em Havana, New Castle, Bristol e Paris, onde faleceu em
1900. Ainda estudante, acompanhou a
"Questão Coimbrã" (1865-1866), embate entre os adeptos ao movimento
Realista, recém-formado em Portugal, e os românticos reacionários. As inquietações sociais da época surgiram por parte de uma
nova classe, a do proletariado – formado a partir da industrialização –, como
uma reação à exploração sócio-econômica, e fizeram com que a literatura
romântica, muito aclamada pela burguesia, ficasse esgotada se tornasse
inapropriada para os novos valores. Dessa forma, a denúncia e o combate social,
o retrato de mazelas da sociedade – sobretudo por meio do cientificismo –, a
recusa de idealizações da realidade, o anticlericalismo, a postura antiburguesa
e antimonarquista foram pontos duramente defendidos pelos realistas na Questão
Coimbrã, em um ataque frontal aos românticos. Foi
esse cenário turbulento que influenciou boa parcela da produção de Eça de
Queirós que, enquanto colaborador de jornais e revistas da época, escreveria
futuramente seus famosos contos, dentre eles “No Moinho”.
OS CONTOS (1902)
Coletânea composta por 13 narrativas, “Contos” foi uma obra póstuma,
publicada em 1902, que reuniu contos do autor publicados anteriormente em
jornais – como O Atlântico e Gazeta de Notícias – e em revistas –
como a Revista Moderna. As narrativas da coletânea põem em evidência aspectos do
pensamento realista e naturalista, mas também aspectos divergentes a esse
movimento. Por essa razão, Elenir Aguilera de Barros, em “Conto Realista”
divide-as em dois grupos:
os interessados pela temática do século XIX (“Singularidades de uma rapariga loura”, “No moinho”, “Um poeta lírico”, “Civilização”, “José Matias”) e os que aproveitam temas do passado, extraídos da tradição medieval e cristã (“O tesouro”, “Frei Genebro”, “A aia”, “O defunto”, “O suave milagre”, “Outro amável milagre”) ou clássico (“A perfeição”) ou, ainda mais distantes, dos primórdios dos tempos (“Adão e Eva no Paraíso”) (BARROS, 1986, p. 22).
os interessados pela temática do século XIX (“Singularidades de uma rapariga loura”, “No moinho”, “Um poeta lírico”, “Civilização”, “José Matias”) e os que aproveitam temas do passado, extraídos da tradição medieval e cristã (“O tesouro”, “Frei Genebro”, “A aia”, “O defunto”, “O suave milagre”, “Outro amável milagre”) ou clássico (“A perfeição”) ou, ainda mais distantes, dos primórdios dos tempos (“Adão e Eva no Paraíso”) (BARROS, 1986, p. 22).
Barros (1986) faz algumas considerações acerca da variação
do teor realista nas obras. Em “Singularidades de uma rapariga loura” e “No
moinho”, a tendência realista da época é bastante aflorada. Denunciam-se os
vícios da burguesia, condena-se a prática de idealização da realidade em
detrimento de uma postura racional e ponderada, assumindo o escritor uma
postura moralista e crítica sobre o modo romântico de pensar, modo esse que,
segundo os autores, seria altamente degenerativo para a sociedade. Já “Um poeta lírico”, “Civilização” e “José Matias” apontam
para temáticas mais diversas e uma postura mais filosófica do autor sobre
questões da vida, como a busca de uma essência humana, a atenuação de
imperfeições, passando, inclusive, pela aurea mediocritas em
“Civilização”. A partir disso, o místico toma conta: entram “O suave milagre” e
“Outro suave milagre”, e a realidade se mistura à fantasia.Nos contos, os aspectos realista e filosófico não se
excluem. O que ocorre é um continuum de tendências, ora realistas, ora
fantasiosas, mas sempre mescladas entre si.
Publicado pela primeira vez em 15 de junho de 1892 no
jornal O Atlântico e, postumamente, na coletânea Contos (1902),
“No Moinho” consta como uma das grandes manifestações do realismo em contos.
Nele, Eça de Queirós põe em prática várias das tendências desse movimento
literário. A obra conta parte da vida de D.
Maria da Piedade, uma dona de casa vista por sua vila como “uma senhora-modelo”
que por muito tempo se dedicou à sua doente família como uma santa. O marido,
João Coutinho, um homem bastante doente, vivia constantemente rabugento,
sombrio, e passava seus dias enclausurado em casa. Os filhos, ao invés de sãos
e robustos, eram também doentes, e todos demandavam de Maria da Piedade
cuidados constantes.
Maria da Piedade lidava com toda essa situação de forma
bastante resignada. Mesmo havendo momentos tristes e de fadiga, bastava alguém
chamá-la novamente para que ela disfarçasse as lágrimas e fosse, com um sorriso
e expressão serenos, ter com os familiares enfermos. Até que Adrião, um
romancista célebre e primo de João Coutinho, “amado das fidalgas, impetuoso e
brilhante”, viajou de Lisboa à vila para vender uma fazenda próxima dali.
Adrião alterou, assim, a rotina da casa – e, sobretudo de Maria da Piedade. Os
dois começaram a passar bastante tempo juntos até que Adrião, após a venda da
fazenda, fez uma visita ao moinho acompanhado de Maria, e lá exclamou
idealizações sobre uma mudança sua para o campo e sobre como seria uma nova
vida na vila. Em seu ápice de confabulações, Adrião beijou a mulher. Após um
sentimento de culpa – e, no fundo, uma alegria por sua “generosidade” –, Adrião
decidiu não mais mexer com aquela situação e partiu de volta para a cidade.
Mas, após aquele ponto, Maria da Piedade começou a ter em si uma onda de
transformações que a fizeram deixar de ser uma “fada” para ser contaminada por
idealizações, romanticismos, paixões. Passou a ter desejos amorosos e, depois,
sexuais, carnais, tornando-se adúltera ao se envolver com o praticante da botica.
No conto, a intenção moralizante realista é evidente
ao expor o destino cruel daqueles que se deixam levar pela visão romântica de
mundo, pela idealização exacerbada.
A narrativa é feita em terceira pessoa, sendo o narrador
onisciente, que entra no e descreve o psicológico dos personagens. Além disso,
descreve psicologicamente a vila quando trata da visão dos habitantes em
relação a Maria da Piedade. Isso ocorre sobretudo no início e no final, momentos
em que há a descrição de Maria da Piedade do ponto de vista externo, como se a
perspectiva narrativa fosse dos habitantes da região. No início, sobre Maria da
Piedade, o narrador afirma que “a vila tinha quase orgulho na sua beleza
delicada e tocante; era uma loura, de perfil fino, a pele ebúrnea, e os olhos
escuros de um tom de violeta, a que as pestanas longas escureciam mais o brilho
sombrio e doce.” (QUEIRÓS, 2013, p. 55). Além disso, o narrador “entra” no
psicológico de Maria da Piedade e o de Adrião. O discurso do narrador é intercalado
pelo pensamento desses personagens. Como exemplo desse fenômeno, teríamos:
Maria da Piedade olhava-o assombrada: aquele herói, aquele fascinador por quem choravam mulheres, aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples — muito menos complicado, menos espetaculoso que o filho do recebedor! Nem formoso era: e com o seu chapéu desabado sobre uma face cheia e barbuda, a quinzena de flanela caindo à larga num corpo robusto e pequeno, os seus sapatos enormes, parecia-lhe a ela um dos caçadores de aldeia que às vezes encontrava, quando de mês a mês ia visitar as fazendas do outro lado do rio. (QUEIRÓS, 2013, p. 60).
Maria da Piedade olhava-o assombrada: aquele herói, aquele fascinador por quem choravam mulheres, aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples — muito menos complicado, menos espetaculoso que o filho do recebedor! Nem formoso era: e com o seu chapéu desabado sobre uma face cheia e barbuda, a quinzena de flanela caindo à larga num corpo robusto e pequeno, os seus sapatos enormes, parecia-lhe a ela um dos caçadores de aldeia que às vezes encontrava, quando de mês a mês ia visitar as fazendas do outro lado do rio. (QUEIRÓS, 2013, p. 60).
No trecho, percepções e pensamentos da própria personagem
em relação a Adrião se misturam com o discurso do narrador. Esse efeito é
intensificado com a sucessividade da marcação dos dois pontos (“:”), que
parecem indicar um fluxo de pensamentos e/ou um pensamento de dentro de outro
pensamento da personagem. A narrativa ocorre em uma região campestre, com
fazendas ao redor, mais especificamente em uma vila de aspectos interioranos e
provincianos. A visão dos habitantes acerca da personagem principal é a todo
tempo descrita de forma que remete ao costume próprio de locais do interior, em
que grande parte da comunidade se conhece. A casa de Maria da Piedade, local
bastante descrito, é caracterizada como portadora de um “ar de hospital”,
sempre ligada à tristeza, à morte:
A casa, interiormente, parecia lúgubre. Andava-se em pontas dos pés, porque o senhor, na excitação nervosa que lhe davam as insónias, irritava-se com o menor rumor; havia sobre as cómodas alguma garrafada da botica, alguma malga com papas de linhaça; as mesmas flores com que ela, no seu arranjo e no seu gosto de frescura, ornava as mesas, depressa murchavam naquele ar abafado de febre, nunca renovado por causa das correntes de ar; e era uma tristeza ver sempre algum dos pequenos ou de emplastro sobre a orelha, ou a um canto do canapé, embrulhado em cobertores com uma amarelidão de hospital. (QUEIRÓS, 2013, p. 55-56).
A casa, interiormente, parecia lúgubre. Andava-se em pontas dos pés, porque o senhor, na excitação nervosa que lhe davam as insónias, irritava-se com o menor rumor; havia sobre as cómodas alguma garrafada da botica, alguma malga com papas de linhaça; as mesmas flores com que ela, no seu arranjo e no seu gosto de frescura, ornava as mesas, depressa murchavam naquele ar abafado de febre, nunca renovado por causa das correntes de ar; e era uma tristeza ver sempre algum dos pequenos ou de emplastro sobre a orelha, ou a um canto do canapé, embrulhado em cobertores com uma amarelidão de hospital. (QUEIRÓS, 2013, p. 55-56).
O ponto-chave (e título) da história é o moinho contido na
vila, já que é o local onde ocorre o beijo de Adrião em Maria da Piedade e,
portanto, o ponto de partida para suas transformações. Cheio de vida e
contrastando fortemente com a casa de Maria da Piedade, o local:
Era um recanto de natureza, digno de Corot, [...], com a frescura da verdura, a sombra recolhida das grandes árvores, e toda a sorte de murmúrios de água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras, levando e espalhando no ar o frio da folhagem, da relva, por onde corriam cantando. O moinho era de um alto pitoresco, com a sua velha edificação de pedra secular, a sua roda enorme, quase podre, coberta de ervas, imóvel sobre a gelada limpidez da água escura. (QUEIRÓS, 2013, p. 64).
Era um recanto de natureza, digno de Corot, [...], com a frescura da verdura, a sombra recolhida das grandes árvores, e toda a sorte de murmúrios de água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras, levando e espalhando no ar o frio da folhagem, da relva, por onde corriam cantando. O moinho era de um alto pitoresco, com a sua velha edificação de pedra secular, a sua roda enorme, quase podre, coberta de ervas, imóvel sobre a gelada limpidez da água escura. (QUEIRÓS, 2013, p. 64).
O termo “moinho” é definido, segundo o Dicionário
Michaelis de Língua Portuguesa, como “engenho ou máquina de moer grãos, ou
de triturar determinadas substâncias” (2016). O nome do conto nos remete, então,
a esse engenho que, a partir da força do ar ou da água, por exemplo, produz
energia para fragmentar, triturar materiais. Foi o que aconteceu com Maria da
Piedade, um anjo em que, a partir do “sopro para o fazer remontar ao céu
natural, aos cimos puros da sentimentalidade…” (QUEIRÓS, 2013, p. 64), sopro
esse fornecido pela força e da virilidade de Adrião, produziu-se uma
energia incontrolável que triturou e destruiu o que havia anteriormente - a
resignação, a paciência, a aceitação da enfermeira perante a sua realidade.
Em relação ao tempo, a narrativa, em grande parte, é feita
no pretérito imperfeito do modo indicativo, sobretudo nas descrições sobre como
era a vida de Maria da Piedade antes da e durante a visita de Adrião –
como em “D. Maria da Piedade era considerada em toda a vila como uma
‘senhora-modelo’.” (QUEIRÓS, 2013, p. 55) -, e o presente do indicativo aparece
no final, quando há a descrição da “atual” situação da personagem principal:
E agora deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem dos emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe — para andar atrás do homem, um maganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonezinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo, cheira a suor; e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila «a Bola de Unto». (QUEIRÓS, 2013, p. 71).
E agora deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem dos emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe — para andar atrás do homem, um maganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonezinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo, cheira a suor; e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila «a Bola de Unto». (QUEIRÓS, 2013, p. 71).
Dessa forma, no conto, há uma narrativa de algo no passado
para descrever o que motivou e como se deu o destino da Maria da Piedade,
atualmente desleixada para com a casa e seus familiares. Conforme aponta Amina Di Munno:“Eça retrata, uma vez mais,
um tipo de mulher: ‘era uma loura, de perfil fino, a pele ebúrnea e os olhos
escuros de um tom violeta, a que as pestanas longas escureciam mais o brilho
sombrio e doce” (MUNNO apud QUEIRÓS, 2015, p. 55). Trata-se de Maria da
Piedade, personagem principal do conto, de características comuns a outras
personagens de Eça. Muito dedicada à condição de enfermeira do marido
paralítico e dos filhos, a personagem fazia jus a seu nome.
Mesmo que algumas senhoras vila afirmassem que Maria da
Piedade era beata, a função de enfermeira a dispensava das obrigações
religiosas e as superava, já que "A sua casa
ocupava-a muito para se deixar invadir pelas preocupações do Céu; naquele dever
de boa mãe, cumprido com amor, encontrava uma satisfação suficiente à sua
sensibilidade; não necessitava adorar santos ou enternecer-se com Jesus.
(QUEIRÓS, 2013, p. 55). A “fraca vítima das circunstâncias” – trecho bastante
naturalista por retratar a influência do meio no indivíduo – passou, conforme
exposto, por sucessivas transformações. E estas vão sendo descritas por meio da
habilidade ímpar do autor. Podem-se destacar, no percurso da personagem na
narrativa, três estágios máximos de transformação. Primeiro, ela era fada,
resignada aos serviços fornecidos a João Coutinho e aos filhos. Conforme
citado, Maria da Piedade era mais que beata: era enfermeira em tempo integral. O
beijo de Adrião fez surgir na personagem um sentimento até então desconhecido
por ela, e que se intensifica quando o homem parte da vila. Houve, então, um
choque de sentimentos e o amor por Adrião aflorou e dominou todos os outros. A
personagem passou então a ter desejos “de mulher”, sexuais, começou a ler todas
as obras de Adrião (que, segundo ela, deveria ser seu marido), sobretudo a
intitulada “Madalena”. Esse o meio de “aliviar” seus sentimentos. E “os seus
deveres, agora que não punha neles toda a sua alma, eram-lhe pesados como
fardos injustos” (QUEIRÓS, 2013, p. 68). A leitura tornou-se cada vez mais
ávida e generalizada, de romances românticos de heróis e heroínas; ela
“acreditava nos amantes que escalam os balcões, entre o canto dos rouxinóis: e
queria ser amada assim, possuída num mistério de noite romântica…” (QUEIRÓS,
2013, p. 69). Em uma reação em cadeia, a idealização de Maria da Piedade em relação
a Adriano se intensificou, e “o seu amor desprendeu-se pouco a pouco da imagem
de Adrião e alargou-se, estendeu-se a um ser vago que era feito de tudo o que a
encantara nos heróis de novela; era um ente — meio príncipe e meio facínora,
que tinha, sobretudo, a força.” (QUEIRÓS, 2013, p. 70).
A idealização da realidade fez Maria da Piedade entrar,
então, no terceiro estágio, em que “a santa tornava-se Vênus”, com excitações
mórbidas, desejo erótico não mais de mulher, mas de animal, de fêmea. E o
escândalo da vila foi proporcional: Maria da Piedade deixa de cuidar da casa e
se torna adúltera, satisfazendo-se com o praticante da botica, que
invariavelmente vai à sua casa suado e pedindo dinheiro para “sustentar uma
Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila de ‘a Bola de Unto’” (QUEIRÓS,
2013, p. 68). Esse foi o cruel fim de Maria da
Pieadade. O autor realista, então, parece nos fazer, em uma possível “moral da
história”, um alerta sobre o destino dos idealizadores e “românticos
incorrigíveis”: a infalível degeneração.
REFERÊNCIAS
BARROS,
Elenir Aguilera de. Conto realista português. São Paulo: Global. 1986.
DICIONÁRIO
Michaelis. 2016. Disponível em:
MOISÉS,
Massaud. A criação literária. 11. ed. São Paulo: Cultrix, s/d.
MUNNO,
Anna di. Eça de Queirós e a narrativa breve: uma leitura do conto “No moinho”.
In: MINÉ, Elza. CANIATO, Benilde Justo (org.). Encontro Internacional de
Queirosianos. 3., São Paulo, 1995.
QUEIRÓS,
Eça de. No Moinho. In:________. Contos. Disponível em:
.
Acesso em: 14 jun. 2016.
QUEIROZ, Eça. Obras. Porto: Lello
& Irmão Editores, [19--].
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