Teorias da Conspiração são hipóteses e conclusões que denunciam como falsos e perniciosos os
mais diversos eventos. Eles seriam parte ou originados de um plano desconhecido
e maquiavélico, com finalidades malignas que a maior parte das pessoas ignora.
Muitas de suas ideias e deduções são absurdas, mas algumas de fato acabaram por
ser comprovadas com o passar do tempo e com o avanço tecnológico.
Mas
como se formam no inconsciente?
A
sua base estaria em fantasias de perseguição. Considerando o consciente como o
lugar psíquico da realidade e da razão, o inconsciente consistiria no domínio
contrário, sede do irreal, da fantasia, dos sonhos, das emoções, dos desejos,
dos impulsos, dos instintos. Ambos são separados por uma barreira semipermeável
e seletiva, que permite a passagem de material do inconsciente para o
consciente, em qualidade e quantidade reduzidas. As fantasias persecutórias
seriam uma espécie de “pesadelo acordado”, em que um aumento da permeabilidade
da barreira permite uma invasão do consciente pelo inconsciente. Esse processo introduz
nos indivíduos uma Teoria da Conspiração amoral, alógica e surreal, típica do processo
primário que rege o inconsciente.
É
interessante observar que as Teorias da Conspiração funcionam segundo o
processo primário, que governa o inconsciente de acordo com o princípio do
prazer. O discurso do Brasil pretende operar estruturado pelo processo
secundário: o princípio da realidade. O que é falso, pois, tal como as Teorias
da Conspiração, qualquer país do mundo está localizado na estrutura da psicose,
da loucura. Na psicose, entre o ego e a realidade ocorre uma ruptura que deixa
o ego sob o domínio do inconsciente. No momento posterior, o do delírio, o ego
reconstruiria uma realidade, segundo os desejos do inconsciente, que poderia
ser, por exemplo, uma Teoria da Conspiração ou qualquer outra coisa.
Em
suma, a Teoria da Conspiração permite a expressão de um material onírico, inconsciente,
que ignora, destrói e viola as leis, a razão e a moral características do
consciente. Na confusão espaço-temporal que instaura, reúne suprarrealidade e
sonho em um novo contexto que possui o corte afiado da paranoia. Marcada pela
fantasia que pula de seu esconderijo inconsciente e mascara as faces e os
corpos, essa paranoia caricatural instaura um protetor anonimato, anulando a
identidade que o ego, o eu consciente, um dia possuiu.
Na
medida em que a criatividade artística surge de nossas fantasias inconscientes,
podemos dizer que o produto persecutório se torna personagem de uma arte em que
ele é, simultaneamente, o artista, a própria arte e seu público. Em um reino
assim, não há lugar para preocupações lógicas, objetivos ou pensamentos: vestida
de louca, seu símbolo máximo, apenas mais uma na multidão, alienada em todos os
sentidos, a fantasia de perseguição retorna ao útero, saúda a humanidade e pede
passagem para as Teorias da Conspiração.
Elas se multiplicam porque
há um contágio psíquico pelo medo e pela paranoia que existem dentro de todos
nós. A distinção entre o real e o imaginário é muito tênue. Somos, por certo,
manipulados por mensagens subliminares em propagandas, enganados continuamente
pelo governo, pelos políticos e pelas instituições e temos essa convicção.
Seu impacto sobre as pessoas,
individual e coletivamente, pode levá-las a uma histeria de massa ou a nada,
dependendo do grau de credulidade e da estabilidade psíquica de cada um.
Personalidades paranoides, psicopáticas ou psicóticas tendem a sofrer mais,
pois seu distanciamento da realidade propriamente dita é maior.
Mas apresentam uma positividade, pois várias delas
desmascaram, de fato, situações que, se não estavam ocorrendo, viriam a ocorrer
com o avanço da ciência.
E
agora surge mais uma linha da teia que alimenta as Teorias da Conspiração: a
operação Carne Fraca. Ela se completa com a alimentação cara e podre, a reforma da
previdência, a greve da PM, os bandidos soltos, os professores mendigos, a
tragédia do Rio Doce, as empreiteiras financiadoras de políticos corruptos.
Enfim, só a Lava Jato e a justiça
salvam? “Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da
nação”, profetizava Renato Russo em Que País
É Esse?
A explicação de sua dinâmica tenta contribuir
para diminuir o Caos e o Terror vigentes, bem como a triste condição em que
fomos lançados. A intenção é retratar o funcionamento da mente humana, bem como
sua cooptação pela mesma histeria de massa que criou o nazismo, em
que Donald Trump parece se inspirar. A luta é contra esse Caos, mas também pela
imprensa livre, pela sociedade aberta e pela liberdade individual.
Ninguém
pode tomar a lei em suas próprias mãos, nem deixar de cumpri-la, quando é o seu
dever como policial ou juiz. A vida em
uma sociedade civilizada não se fundamenta na livre expressão nem na liberdade,
mas sim na repressão. Sem ela, tornamo-nos menos que animais, pois eles
não roubam, não mentem e certamente cumprem o dever de sua rotina
existencial.
Freud
e Marcuse, na intersecção de suas leituras da realidade, afirmam que a
sociedade moderna se tornou possível pela repressão, não pela livre expressão
ou pela liberdade sem freios. Um desejo absurdo não pode ser realizado: quem
quer ir à Europa a nado e não tem medo de morrer? Os limites protegem o homem.
Chegou o momento em que aqueles que lutaram pela liberdade, devem passar a lutar
pelos limites, porque a barbárie está solta, e os valores foram perdidos e
corrompidos.
Então, sejamos libertários: temos que nos posicionar contra tudo que
é libertinagem, contra a corrupção,
contra a indiferença diante do próprio escândalo.
Contra a ausência de amor, de fé, de esperança, de educação, de justiça e de
saúde. Renovemos, assim, nossos votos por um mundo melhor, para requerermos
mais proteção, afeto, segurança, atenção, ética, caráter e valores morais humanistas.
Um mundo capaz de aprender com as Teorias da Conspiração, fontes do novo,
apesar de tantos erros.
Contra Hobbes, para quem “o homem é o lobo do homem”, dizemos
que o homem é o anjo e o abrigo do homem, o abrigo da lupina escuridão sombria
que nele reside e de que é moradia. Habitantes existem no não dos despossuídos.
Somos nossa única esperança de acolher a contradição para crescermos.
O presente é
contínuo, maior do que sempre foi, alcança e altera o passado e o futuro, não
nos afastemos tanto, não é necessário, vamos de mãos dadas.
Casamar, 26 de março de 2017
*Psicólogo e escritor
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