01/01/2018

Dores e delícias de ser e de escrever na poesia de Elisa Lucinda (Por Maria Fernanda B. de Araújo)


Eu ainda assistia a novelas quando conheci Elisa Lucinda. Lembro-me de alguém dizer “olha, uma atriz capixaba!”. Daí a conhecê-la como poeta foi um salto no tempo, meu mergulho na literatura é recente. Mas não foi lendo, e sim assistindo a uma maravilhosa declamação de seus versos,  com toda sua alma.  Se não sabem do que estou falando, procurem por sua performance de “Mulata exportação”.
Elisa nasceu em Vitória, Espirito Santo, ao meio dia de um domingo de Carnaval,  no dia 2 de fevereiro de 1958, dia de Yemanjá. Não é à toa que poetiza sobre as águas, como em “Amor de Odoyá”, “Inocência” e “Rio melhor”. As águas da chuva, dos rios, do mar, perpassam suas memórias, suas paixões, suas palavras. “Toda lágrima deveria virar palavra”, diz em “Escrito d’água”, “Aproveite a lágrima, faça ela render.”
No poema “Uma vitória”, Elisa Lucinda rememora um momento em que declamou versos na Festa de São Pedro de 1999, dividindo o palco com a cantora e sua madrinha Beth Carvalho, a quem dedica o poema. “Minha terra me amava, o Espírito Santo me amava, caí no chão do camarim, de muita emoção eu chorava.” Um relato que nos revela a construção da identidade de uma artista diante de sua terra natal.
Poeta, atriz, jornalista, cantora e professora, Elisa é uma das fundadoras da Casa Poema, no Rio de Janeiro, para onde se mudou na juventude. O projeto, com oficinas e saraus, atende a um público diversificado e acredita na poesia, especialmente a falada, como uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Em diversos poemas da escritora, encontramos a reflexão sobre o fazer poético, sobre a palavra que nasce, cresce, grita e não morre dentro da gente. E é dessa necessidade de transbordar a palavra que essa poeta capixaba nos faz crer que escrever é para todos, nos convida a poetizar porque acredita que a palavra, nascendo do sentimento de cada um de nós, é estrada para o outro.

A poesia de Elisa Lucinda não tem enigmas ou rebuscamentos. De forma simples, direta e bela, fala de amor e paixão, de dor e frustração, de preconceito, violência e morte. Fala também de delicadezas de toda sorte. Versa sobre a natureza, a amizade, o desejo e a saudade; a mulher, o negro, a mulher negra na sociedade. Racismo, sexismo, pobreza: para esses temas, não convêm sutilezas. Elisa rasga o verbo, desnuda a alma, traz à tona todas as vozes guardadas nos convidando a dialogar, a compartilhar, a multiplicar. Sua escrita revela aquilo que vai no peito, aquilo que nunca finda. E pode ser no seu, no meu, no de Lucinda. 

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