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Durante muito tempo um silêncio ruidoso pairou sobre a produção intelectual das mulheres capixabas. Maria Stella de Novaes, na obra A mulher na História do Espírito Santo (História e folclore), escrita entre 1957 e 1959, denunciou que essa “omissão de referências às mulheres” remontava os registros históricos da comitiva de Vasco Fernandes Coutinho, donatário da Capitania. Dona Stelinha, como carinhosamente era chamada, é uma personalidade importantíssima da historiografia do ES, pois, contribuiu para manter viva a memória de muitas mulheres, como a esposa do índio Maracaiaguaçu, batizada como Branca Coutinho e a viúva de Guajaraba (Cabelo de Cão) que guiou o seu povo na descida do Sertão para a aldeia dos Reis Magos. Não ficou de fora de seu relato a importância histórica de Dona Luísa Grimaldi, que governou o Espírito Santo com êxito entre os anos de 1589 e 1593 e de Maria Ortiz, heroína capixaba, filha de espanhóis que defendeu a Capitania da invasão holandesa, em 1625. Os séculos passaram e “humildes e ignoradas, alheias, mesmo aos resultados sociais e econômicos dos seus esforços”, as mulheres capixabas chegaram ao século XVIII ainda condicionadas por conceitos patriarcais religiosos, sociais e legais que as caracterizavam como inferiores ao homem. Dona Stelinha registra: “fadas incógnitas que salvaguardavam as bases da sociedade”, as capixabas eram consideradas “máquinas de trabalho doméstico”, mesmo assim, as alunas da professora Maria Carolina Ibrense protagonizaram a primeira publicação pública feminina no ES, poemas no Correio de Vitória (29-12-1849). No século XIX as mulheres começaram a conquistar novos espaços sociais e as senhoras do Espírito Santo se organizavam em torno de novos interesses, como o jornal de moda parisiense A Estação e surgem clubes literários como o de São José do Calçado, denominado “Amor às letras” e temos registros das primeiras escritoras capixabas: Orminda Escobar Gomes, Cecília Pitanga Pinto, Silvia Meireles da Silva Santos, minha patrona na AFESL,, e Maria Antonieta Tatagiba. Em Vitória e Vila Velha as rendas, parte do aprendizado de trabalhos manuais das moças, eram famosas. Porém, esses novos espaços conquistados se devem muito à escolarização das mulheres e à emergência de suas ações coletivas. Nesse sentido, no século XX, podemos perceber a relevância da vida e da obra da homenageada da 6ª Flic-ES, Judith Leão Castello Ribeiro. O Brasil viveu e vive um obscurantismo com relação às questões de gênero, exemplo disso é que o tema vem sendo subtraído das metas da educação nacional. Acreditamos que resgatar a história das resistências das mulheres como Judith Leão é essencial, pois nos inspira a continuar lutando pela educação e pelo direito à livre expressão. Judith Leão se insere nesse contexto de luta e resistência das primeiras sufragistas capixabas. Ela estudou, tornou-se professora e o seu interesse por política levou-a a se engajar no movimento de mulheres. Vale recordar que a exclusão das mulheres da categoria de cidadãs, na constituição inglesa de 1791, levou a escritora Mary Wollstonecraft a escrever Reivindicação dos direitos da mulher e essa obra, que denunciava a opressão no tempo do iluminismo, ecoou no Brasil e, insuflado por Nísia Floresta com o seu Direito das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, floresceu o movimento feminista brasileiro. Berta Lutz, na década de 1920, liderou a criação da FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO e esse feminismo de primeira hora, que tinha como foto a melhoria das condições da mulher na sociedade e a conquista do direito ao voto feminino, só alcançou o pleito em 1932. Segundo Maria Stella de Novaes, o movimento feminista capixaba delineou-se, paralelamente ao movimento nacional, liderados por Silvia Meireles da Silva Santos, em Vitória. Nessa época, a organização das mulheres em entidades fomentou importantes debates políticos e, em vários estados da federação, o feminismo se fortaleceu. No Espírito Santo não foi diferente, as intelectuais capixabas já chamavam a atenção pela atuação destacada no cenário cultural local, mesmo assim, alguns espaços ainda lhes eram negados, e um desses espaços era o político. Judith foi uma defensora ardorosa dos direitos políticos das mulheres, mas, o ambiente conservador da época exigiu uma sensibilização das capixabas para a luta política. Maria Stella de Novaes expõe as dificuldades das mulheres que ousavam desafiar a ordem patriarcal adentrando espaços públicos, relata que ela mesma sofreu para ingressar como catedrática no corpo docente do Ginásio do Espírito Santo e na Escola Normal do Estado, e que “as escritoras e as poetisas margaram” da mesma forma, “bebendo o cálice da crítica ferina e da oposição implacável”. Em 1933 um grupo de senhoras vitorienses fundou a FEDERAÇÃO ESPÍRITO-SANTENSE PELO PROGRESSO FEMININO, buscando incentivar o alistamento de mulheres e, sem compromisso partidário, fundou-se também a CRUZADA CÍVICA DO ALISTAMENTO, cuja presidente foi Silvia Meireles da Silva Santos, vice-presidente, Judith Castello Leão Ribeiro, e tesoureira Maria Stella de Novaes. Judith já era professora, desde o ano anterior, quando tinha sido aprovada em concurso público e ingressada como professora no Grupo Escolar Gomes Cardim. Foi como mestre que, em 1934, pela primeira vez, ela se candidatou como deputada estadual não filiada a partido, mas não se elegeu.Em 1936, o direito ao voto das mulheres foi mantido sem restrições na Constituição Federal e a sessão capixaba da Federação, no Rio de Janeiro, então capital Federal, contribuiu com uma mobilidade para esse episódio. A movimentação feminista vitoriense repercutiu no interior do estado e uma delegação da UNIÃO CÍVICA FEMININA, de Cachoeiro de Itapemirim, em 1936, enviou uma delegada para participar do Congresso Nacional Feminino. O “esforço titânico” para o êxito do movimento feminista, ¾ como diria Maria Stella de Novaes ¾, de Judith Leão e de muitas outras mulheres capixabas, entre elas Guilly Furtado Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta Tatagiba, Lidia Besouchet, Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeni Santo e Haydée Nicolusse, precisa ser conhecido pelo público. A Flic-Es busca criar espaços para que os escritores do passado e do presente possam ter visibilidade. Em 18 de julho de 1949, um grupo de mulheres uniram forças com Judith Leão e fundaram a ACADEMIA FEMININA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS (AFESL). Francisco Aurélio Ribeiro, dedicado pesquisador da vida e da obra das escritoras capixabas, nos faz saber que apenas muito recentemente as mulheres foram aceitas nas academias de Letras, e destaca da extemporaneidade da capixaba Guilly Furtado Bandeira que, em 1913, ingressou como acadêmica na Academia de Letras do Pará. A escritora é, também, a primeira capixaba a publicar um livro, em 1913, Esmaltes e Camafeus. A acadêmica da AFESL Ailse Therezinha Cypreste Romanelli destacará que, no ES, era “um despautério”, na década de quarenta, uma mulher como Judith cumprir quatro legislaturas como deputada e, ainda, tentar entrar para a Academia Espírito-santense de Letras. Judith se candidatou para uma cadeira da AEL, mas, não foi aceita. Ailse Romanelli destaca, ainda, que “as academias eram exclusivamente masculinas”, então num movimento de afirmação feminina, Judith fundou a Academia Feminina Espírito-santense de letras (AFESL) e foi a sua primeira patrona. Participaram dessa primeira diretoria Arlette Cypreste de Cypreste, como vice-presidente, como secretárias Zeni Santos e Iamara Soneghetti e Virgínia Tamanini como bibliotecária, a elas se juntaram Ida Vervloet Finamore, Hilda Prado e outras escritoras e a instituição foi se firmando no cenário cultural capixaba. Temos o registro de que a querida escritora e acadêmica Maria Filina Salles de Sá declamou o poema “Mãe Negra”, de Colares Júnior, na reunião da AFESL do dia 11 de agosto de 1949 e que Beatriz Monjardim participou pela primeira vez de uma sessão no dia 25 de agosto de 1951. Maria Filina e Beatriz Monjardim continuam participando ativamente das atividades da AFESL, fica aqui registrado o meu carinho e o de todas as acadêmicas por ambas. Beatriz Monjardim lançará o seu mais recente livro, “Nas contas do meu terço”, na 6ª Flic-ES. Maria Stella de Novaes participou da comissão que escreveu o primeiro estatuto da AFESL, juntamente com Ida Vervloet Finamore e Hilda Pessoa Prado e muitas outras personalidades femininas do Estado passaram pela AFESL dignificando a instituição. No dia 16 de agosto de 1949, estiveram presentes no Salão de honra da Escola Normal Pedro II, onde aconteceu a Sessão solene de Instalação da AFESL e posse da primeira diretoria, o Governador Carlos Fernando Monteiro Lindenberg, que falou sobre a “feliz iniciativa” de criação da Academia, o representante da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, Dr. José Rodrigues Sette, e o Presidente da AEL, Dr. Eurípedes Queiroz do Vale, pessoa que muito incentivou e contribuiu para com a fundação da AFESL. Nos seus setenta anos de existência, a AFESL continua lutando para ser um espaço de criação de livre produção para as intelectuais capixabas, desde os seus primórdios quando Annette de Castro Mattos, em 1950, organizou a “Vitrine literária”, fazendo um importante registro das escritoras do Espírito Santo, passando pelo programa “Mulher e perfume”, dirigido por Arlete Cyprete de Cypreste na Rádio Capixaba e que deu voz a muitas escritoras e artistas, a escritora Zeny Santos, que fundou a “Casa do capixaba”, o apoio dado pela AFESL ao Instituto Braile na sua criação, a criação do “Lar da Menina”, por Beatriz Nobre de Almeida e tantas outras ações das nossas acadêmicas. O emblema da nossa academia é Ubi Plura Nitente, que significa “onde todas brilham”, ele ilustra o sentimento que nos norteia. Assumi a presidência da AFESL consciente da responsabilidade de dar prosseguimento a esse legado de luta feminina/feminista e sinto-me honrada em presidir a AFESL no ano do seu Jubileu. A trajetória dessas e de outras grandes mulheres, muitas delas ainda desconhecidas, mostra a importância de que tenhamos consciência do nosso papel no âmbito da cultura, assim como no da política, da pesquisa, etc. A realidade atual exige, de nós, posicionamento com ações concretas. Poucas instituições culturais completam setenta anos ativas e com um histórico de conquistas. Dedico essas linhas a Judith Leão Castello Ribeiro, a Ester Abreu Vieira de Oliveira, destacando duas em especial, Carmélia Maria de Sousa e Haydée Nicolussi, que nas suas épocas, não foram aceitas no quadro de acadêmicas da AFESL, mas que hoje nos honram sendo nossas patronas. Renata Bomfim - Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras e da 6ª Flic-ES
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