A pequena seleta de poemas aqui traduzidos
e apresentados não tem pretensão literária alguma, o critério foi
exclusivamente o deleite. Durante a pandemia, quando estávamos todos acuados na
solidão de nossas casas, ilhados pela tela dos computadores, eu comecei a ler intensamente
poesia pela internet, nas redes sociais, revistas digitais, etc. Essas leituras
me fizeram perceber muitos poetas que eu desconhecia e em cuja obra encontrei
um vigor e intensidade que me animou e inspirou muito neste período, como é o
caso da poesia ousada de Andrea N. A. Segovia, amiga de facebook, que já
acompanho a produção lírica já a algum tempo, e a poética mágica de Santos
López, que conheci durante as transmissões virtuais do Festival Internacional
de Poesia EL LUGAR DE LOS ESCUDOS/2021, organizado por Àlvaro Mata Guillé. Eu
acabei por colecionar essas leituras de poemas e traduzir - muitos deles eu publiquei
na timeline do meu perfil no facebook, mas como redes sociais não são
documentos literários sérios - e decidi reunir alguns aqui para a LETRA
& FEL, uma revista literária de amplo alcance no Brasil e na América
Latina, cuja editora, Renata Bomfim, além de amiga generosa, é uma poetisa
sensível e compartilha comigo a mesma alegria com a poesia de nossos Hermanos.
Boa leitura.
VERSÍCULOS ESCRITOS NA
VARANDA DE SEU CORPO
Poema de Andrea Natalia Amador Segovia / Nicarágua
Sim, eu tenho me mantido em silêncio
porque em seu
parto natural
a partitura da
vida
falava de uma
obra-prima
Exigia-me em seu
movimento oscilante
uma oitava mais
elevada
alongada em Sol
maior em quatro tempos
quatro espaços num
quarto sem estações
O silêncio fresco
acima do seu perfil
invadiu-me de
cristalina lucidez
abrigou meus
sentidos e me acariciou
transbordando
mitos e metáforas
Sábias melodias de
seiva poética
meticulosas e
clandestinas
qual fragmento de
céu e branco papel
Encanta-me o
redemoinho de sussurros ...
brasa
espalhando-se em imagens sem simulacros
na penumbra
sussurrante
você afaga com a
palavra precisa
você transborda de
paixão destilando amor
e o amor surge
amalgamando paixão
Gozo silencioso de
milenar ingenuidade
nossos corpos
destilando engenhos
Inquietos e
convulsionados em loucos ritmos de prazer
Curvam-se em
festim, crispados e alegres
com o sorriso
irrepreensível do amor
Esse som
embalsamado em tez
ruídos de fricção,
gemidos sutis e ocultos
da sua
inconfundível língua
Murmurando
encontros de lábios
de sua respiração
misturada em minha harmonia
no toque acústico
ininterrupto
Versos escritos na
varanda do seu corpo
escrituras
risonhas de orgasmos leais às minhas carícias
Descobri-me nesta
nota pura
No ângulo colossal
de sua divindade
na onda pura de
seu sexo viril
de sua pele nua,
abrigando meus poemas.
*
CINZA FRIA
Poema de Santos
López/Venezuela
Às vezes acho que
um sonho me fez ter a cabeça fria
Como um peixe
imerso na escuridão profunda.
(O que quero dizer
é que os babilônios sonharam exatamente o mesmo)
Às vezes, creio
que Deus é o substantivo infinito da minha salvação;
Autor e
autoridade, à parte isso,
Como uma projeção
que chega até nós.
Às vezes, algumas
pessoas passam o dia todo lavando o rosto
Com as duas mãos,
dizendo que uma lava a outra,
E o ditado assim
se completa.
Às vezes tenho a
cabeça fria como a espinha de um peixe,
Se desejo ir um
pouco mais longe do que meus amigos, sem
Tropeços, durante
o dia. E parece haver uma sequência:
A morte vem com a
queda.
Disseram eles:
"Não há no sonho nem mesmo uma palavra."
Mas escrito está:
quando se sai da água, aqui na terra,
Na escuridão do
criador, nossa cabeça é o oráculo
Que fala.
*
DESÍDIA
poema de Yolanda
Pantin/Venezuela
Deixo passar
versos que se perdem
em um nó de vozes,
e por conta própria,
vão eles embora
com suas visões. Eu os libero
das minhas
imposições, torções
de pernas, brilhos
que disfarçam
a pobreza dos
retornos quando
tentam eles voltar
tragédias para dramas,
entre os tecidos
cotidianos que os
vestem num afã
ignóbil. Eu deixo
que se vão por
onde vieram,
da minha cabeça
para o ar até se perderem
entre tantas
histórias.
*
OURIVES
de Diego Lemer/Argentina
Eu não quero fazer
barulho
pelo desamparo de
um poema
que acende no meu
peito
como um incêndio
onírico;
Eu não quero um
novo medo
no abandono de
seus navios
desolados na
inexperiência
do eterno
naufrágio;
Eu prefiro
imaginar
que este poema é
uma pessoa
e que pode tocá-lo
com seus dedos de
frase,
com suas mãos de
palavras;
mas eu não sou tão
ingênuo
sei que ninguém
pode consertar
um espelho
quebrado
com fios de
lágrimas passadas,
É preciso
trabalhar a alma
com a paciência do
ourives.
*
ALBA
poema de Blanca Varela/Perú
Quando acordei
Fiquei surpreso
com a imagem que perdi ontem.
A mesma árvore
pela manhã
E na vala
O pássaro que bebe
Todo o ouro do
dia.
Nós estamos vivos,
Quem duvida,
O louro, o
pássaro, a água
E eu,
que eu olho e
estou com sede.
* Francis Kurkievicz é poeta, publicou seu primeiro livro em 2015 Meninices, contos para crianças, em 2020 publicou seu segundo livro, B869.1 k96, poemas pela Editora Patuá. Criou em 2019 a Ayatori Editora através da qual republicou Meninices no mesmo ano e, em 2022, publicou o livro de poemas para crianças Meu Cântico À Natureza, de Vitória Sainohira. Tem publicado seus poemas em revistas digitais como Mallarmagens, Arara, Acrobata, Hiedra, Escritas, etc., e traduções nas revistas Escamandro e Zunái.
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