Abolitionist and suffragist Women in Espírito
Santo
Renata Bomfim[1]
O conteúdo que ora compartilho é fruto de reflexões e
pesquisas no campo da literatura de autoria feminina. É fato que as mulheres
conquistaram vários direitos sociais e políticos, entretanto, ainda há um longo
caminho de luta pela frente até que a sonhada igualdade de direitos seja
alcançada. A opressão sexual, afetiva, econômica e política persiste, mostrando
que as relações entre os seres humanos ainda não se tornaram transversais.
Trazer à luz ações políticas e culturais de mulheres que viveram em outras
épocas, passar a história em revisão, não permitindo que essas sejam diminuídas
e nem apagadas da memória, é um dos papeis dos intelectuais contemporâneos. O
campo de pesquisa da literatura produzida por mulheres, que ganhou força na
década de 1970, busca auscultar vozes femininas ignoradas na história por um
cânone literário ocidental constituído por homens brancos e de classe social
média e alta.
Este é um texto que homenageia as capixabas que
participaram do movimento abolicionista e, posteriormente, do movimento
sufragista no Espírito Santo. Muitas delas deixaram contribuições ímpares, como
Maria Stella de Novaes e Judith Leão Castello Ribeiro.
Historicamente, o binarismo de gênero colocou a mulher
no campo do privado, no mundo da família, da reprodução e do cuidado, e os
homens no campo público, do trabalho e da política. Maria Stella de Novaes na
obra A mulher na história do Espírito
Santo (1999, p. 55) discorreu sobre a opressão que solapava as aspirações
femininas nos século XVIII e XIX: “Quantas vocações estioladas, [...] quanto
idealismo de cursar uma faculdade, uma Academia de Belas Artes, um instituto de
ciências era soterrado no percorrer das teclas de um piano”, assim, as mulheres
dessa época podem ser comparadas a “abelhas operárias”, “fadas incógnitas, que
salvaguardaram as bases da sociedade”.
O caminho que as mulheres trilharam, seja no campo da
literatura ou da política, até que chegássemos ao patamar que estamos agora,
começou há muitos anos e é marcado pela resistência e pela luta. Lendo a obra História do Estado do Espírito Santo
(2008), de José Teixeira de Oliveira, observei que o autor destacou a
existência, desde 1869, de um grêmio emancipador na província, a Sociedade
Abolicionista da Escravatura do Espírito Santo. Essa instituição contava com vários membros da elite espírito-santense.
Teixeira ressaltou, ainda, o empenho desses “batalhadores” que “coordenavam as
iniciativas, promoviam reuniões públicas, angariavam fundos e agitavam a
questão” (TEIXEIRA, 2008, p. 461). Entretanto, constatei que nenhuma mulher foi
citada entre esses abolicionistas. O texto escrito por Teixeira é um termômetro
que nos dá a medida do apagamento que as mulheres sofreram durante um longo
tempo.
Ao olharmos essa história a contrapelo, observamos que
a participação feminina foi decisiva para o sucesso da causa abolicionista no
Espírito Santo, pois, elas “agitavam a questão” mobilizando as famílias e
outros grupos, organizando variados eventos sociais que arrecadavam dinheiro
para a compra de cartas de alforria. Nesses encontros, as mulheres tinham a oportunidade,
também, de experimentar outros lugares sociais, entre eles o lugar de
escritoras, geralmente, poetisas.
Francisco Aurélio Ribeiro, na obra Antologia de escritoras capixabas (1998,
p. 18), nos faz saber que, em 1884, houve um sarau lítero-musical, realizado
sob a coordenação de Afonso Cláudio, líder do Movimento Abolicionista no
Espírito Santo, no qual um grupo de mulheres declamou poemas, tocou piano,
realizou quermesse com brindes que eram acompanhados por poesias. Entre as
muitas escritoras abolicionistas da época encontrava-se Adelina Tecla Correia
Lírio (1863-1938), educadora,
pianista, primeira professora de datilografia de Vitória e precursora das
escritoras capixabas. Ela abriu espaço para as mulheres na imprensa em Vitória,
ainda na segunda metade do século XIX, juntamente com Orminda Escobar, outra
poetisa e intelectual feminina de grande destaque na época.
As mulheres que participavam dos salões tocando piano
e declamando versos não eram levadas a sério como escritoras. Aos críticos de
então, as “poetisas de salão”, aspirantes a poetas, só faziam enfastiar.
Certamente, havia homens que apoiavam essas mulheres, mas, no geral, a presença
feminina no mundo das letras era considerada algo deplorável, pois, como
afirmou um crítico literário português[2], desviava as mulheres da
sua missão própria, que era a de preparar o caldo.
A produção feminina até o primeiro quartel do século
XX foi fortemente marcada por temáticas como o amor, a família e a
religiosidade e considerada pela crítica literária, por muitos anos, como uma
produção de caráter apolítico. Contudo, conforme afirmou Herbert Marcuse (1999,
p. 11), “o potencial político da arte está contido na própria arte que, se
apresenta autônoma perante as relações sociais”, permitindo a ruptura da
consciência dominante e revolucionando a experiência”. Dessa maneira, podemos
constatar que a participação das escritoras capixabas nas causas abolicionista
e sufragista, questionou o ideário feminino da uma época.
No Brasil, não podemos parear o movimento
abolicionista ao movimento sufragista, no entanto, muitas escritoras
participaram de ambos. No início do século XX, em vários países, as mulheres já
estavam organizadas social e politicamente em torno do movimento feminista. A
luta era, especialmente, pelo direito ao voto, à instrução e pela
regulamentação do trabalho feminino. No campo da escrita, as mulheres já
possuíam suas próprias revistas, publicavam livros, mas, o silenciamento sobre
as suas produções e o desdém da crítica impregnavam o cenário; um exemplo disso
é Guilly Furtado Bandeira, primeira capixaba a publicar um livro, em 1913. A
escritora foi pouquíssimo lida na sua época e teve o valor da sua obra
rebaixado pela crítica que a definiu como “literatura de moça”, com histórias
de “escassa originalidade”, “desprovida de força de criação”, algo “natural e
desculpável, principalmente em moça estreante”, como destacou Francisco Aurélio
Ribeiro na apresentação da versão da obra fac-similada (BANDEIRA, 2011, p.
217). Considerando o olhar depreciativo para a produção da nossa primeira
escritora publicada, podemos imaginar a opressão e a discriminação que mulheres
que ousaram escrever em épocas anteriores sofreram.
As intelectuais capixabas dessa época, a despeito dos
preconceitos, acompanharam o movimento de emancipação que acontecia em outros
estados da federação e não deixaram de escrever. Vale destacar que, Dionísia
Pinto Lisboa, mais conhecida como Nísia Floresta, é considerada a precursora do
movimento feminista em terras brasileiras. Nísia publicou a obra Direito das Mulheres e injustiça dos homens,
em 1832, uma livre tradução da obra Reivindicação
dos Direitos da Mulher, escrita em 1792 por Mary Wollstonecraft. Esse trabalho rendeu frutos e, em 1922, Berta
Lutz fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
No Espírito Santo, as capixabas não ficaram alheias ao
que acontecia no restante do país, em especial, no Rio de Janeiro, e se
organizaram fundando em 1933, tanto a Federação Espírito-santense pelo
Progresso Feminino, presidida por Sylvia Meyrelles da Silva Santos, quanto a
Cruzada Cívica do Alistamento, esta segunda instituição não exigia das
participantes o compromisso partidário e tinham como dirigentes Sylvia da
Meyrelles da Silva Santos e Maria Stella de Novaes. Certa
vez, Berta Lutz, de passagem por Vitória, elogiou Sylvia pela sua capacidade de
agregar mulheres em torno de uma causa, e por ter feito um jantar para
homenagear Adalgisa Fonseca, a primeira capixaba a se graduar em medicina.
Segundo Lutz, essa era a primeira vez que ela via mulheres se reunindo para
homenagear mulheres e que isso era “um verdadeiro símbolo da emancipação
feminina” (LAZZARO, 1995, p. 80).
Judith Leão Castelo Ribeiro possui um papel importante no movimento
sufragista capixaba. Professora, escritora e primeira deputada estadual do
Espírito Santo, foi uma defensora dos direitos das mulheres, agregando em torno
de si várias companheiras de luta que, mais tarde, a ajudariam a chegar à
Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Em 1934, Judith candidatou-se a
deputada estadual pela primeira vez, mas como não estava filiada a nenhum
partido, acabou não se elegendo. Posteriormente, optou por disputar sem
legenda, por apoiar o Movimento Revolucionário Constitucionalista de São Paulo,
de 1932, e por discordar da política estadual em vigor na época. Judith
conseguiu se eleger como a primeira deputadas estadual capixaba em 1947
exercendo vários mandatos. A participação de Judith na política está presente
na criação da UFES; ela foi membro-fundadora do Hospital Santa Rita de Cássia e
foi, durante vários anos, membro do Conselho da Associação Feminina do Combate
ao Câncer, da qual foi uma das fundadoras.
Maria Stella de Novaes (1999) destacou o “esforço titânico” das
mulheres para se sobressaírem nesse ambiente social marcado pelo preconceito;
segundo ela houve apenas Judith na militância, mas também outras intelectuais e
escritoras como Guilly Furtado Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta
Tatagiba, Lidia Besouchet, Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeny Santo e
Haydée Nicolussi.
O movimento feminista capixaba de primeira hora foi
formado, na sua maioria, por senhoras de classe média e alta, e era fortemente
marcado pela religiosidade e pelos valores da época; entretanto, isso não
diminui a sua importância, pois, essas mulheres cumpriram o importante papel de
abrir espaços para a expressão e fala femininas. Retomo o pensamento de Marcuse
(1999, p. 21) que diz: “a verdade da arte reside no seu poder de cindir o
monopólio da realidade estabelecida” e daqueles que a estabeleceram.
Eleita a primeira mulher deputada no Espírito Santo,
Judith candidatou-se para ocupar uma cadeira na Academia Espírito-santense de
Letras (AEL), mas foi recusada. A negativa levou-a a fundar a Academia Feminina
Espírito-santense de Letras (AFESL), em 18 de julho de 1949. Participaram da
fundação da AFESL, também, as escritoras Arlette Cypreste de Cypreste, Zeni
Santos, Iamara Soneghetti e Virgínia Tamanini; posteriormente, se juntaram a
elas Ida Vervloet Finamore, Hilda Prado entre outras.
Essas e muitas outras histórias sobre as conquistas
das mulheres nos mais diferentes campos precisam ganhar visibilidade, pois são
pouco conhecidas da maioria das pessoas. Há muitas escritoras ainda a serem
estudadas e lidas. Na obra A face múltipla
e vária (1995, p. 19), Agostinho Lázzaro fez um levantamento das mulheres
escritoras na historiografia do Espírito Santo; ele constatou a “dificuldade de
acesso às obras produzidas por várias intelectuais” e a “escassez de
informações fidedignas sobre as mesmas”.
Finalizo a reflexão fazendo minhas as palavras de
Herbert Marcuse (1999, p. 39): “A arte não pode mudar o mundo”, mas pode
“contribuir para a mudança de consciência e impulso de homens e mulheres que
poderiam mudar o mundo”. Baseada nisso, escolhi autoras capixabas que
procuraram mudar as consciências sobre as mulheres. Nesta seleção, apresento
alguns textos em verso e prosa, de escritoras que participaram do movimento
abolicionista e do movimento sufragista no Espírito Santo. Boa leitura!
Referências:
·
BANDEIRA, Guilly Furtado. Esmaltes e camafeus. Posfácio de
Francisco Aurélio Ribeiro e estudo crítico de Josina Drummond]. E.ed.
fac-simile. Vitória, Academia Espírito-Santense de Letras, 2011.
·
LAZZARO, Agostino. A face múltipla e vária:
a presença da mulher na cultura capixaba. Vitória: Lei Rubem Braga (PMV), 1995.
·
LÍRIO, Adelina Tecla Correia. Combatem
grandes ideias. In: Francisco Aurélio Ribeiro. Antologia de escritoras capixabas. Vitória: UFES, 1998, p. 14.
·
MARCUSE, Herbert. A
dimensão estética. Trad. Maria Elisabete Costa. Lisboa: Edições 70, 1999.
·
NEVES, Reinaldo Santos. Mapa da literatura
feita no Espírito Santo. 2, Ed. Vila Velha, Vitória: Estação Capixaba; NEPLES;
Cândida, 2019. (série Estação Capixaba, v. 20).
·
NOVAES, Maria Stella de. A
mulher na história do Espírito Santo: história e folclore. Vitória:
Edufes, Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Secretaria
Municipal de Cultura, 1999.
·
OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo.
3. ed. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo: Secretaria de
Estado da Cultura, 2008.
·
RIBEIRO, Judith Leão Castelo. Deveres e
direitos políticos da mulher. In: RIBEIRO, Francisco Aurélio. Antologia de
escritoras capixabas. Vitória: UFES, 1998.
·
RIBEIRO, Francisco Aurélio. Antologia
de escritoras capixabas. Vitória: Centro de
Estudos Gerais, Departamento de Línguas e Letras, 1998.
·
TAMANINI, Virgínia Gaspari. Nasci ainda no
século passado. In: LAZZARO, Agostino. A face múltipla e vária: a presença da
mulher na cultura capixaba. Vitória: Prefeitura Municipal de Vitória, 1995. p.
169-170.
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