Jorge Elias Neto e Vitor Nogueira.
O que te interpela no chão, quando você vai comprar o pão? Na verdade, em que medida você se permite ser interrogado, atravessado pelo que você encontra no chão em sua necessária e egoísta busca pelo pão? Caminhar diariamente, no mesmo horário até a padaria, em tempos de “Eu mim para mim”, poderia ser equiparado a ação rotineira de levar o cachorro para passear ou fazer atividade física nos quarteirões de um bairro nobre de uma capital brasileira, se não fosse a percepção de que “...A carne, sem pão, encontrada no chão, é de todos nós, e que já era mais que tardia a nossa apatia e cinismo em insistir na ação de não reconhecermos nela nossa fisionomia”
E foi justamente nesse reconhecimento do “eu de todos, em todos, com todos e busca do direito para todos”, que nossos amigos e grandes parceiros da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de Vitória , Vitor Nogueira e Jorge Elias Neto , nos provocam nessa obra que denunciam a perversidade do enredo da estética dos centros urbanos brasileiros, em que a exclusão e a ausência de dignidade humana das pessoas em situação de rua, já não mais comovem e convocam para transformação social, mas sim, constituem-se como adereços, que nas alegóricas boutiques e prédios luxuosos das cidades, compõem um cenário cuja estética tem sido harmoniosamente, consumida, absorvida e capturada pelos poucos predestinados e escolhidos do capital que continuam “desfrutando a essência do milagre.” Com uma sensibilidade fora da curva, errática, inconclusa, Vitor e Jorge se colocam em questão acerca dos possíveis sentidos ou funções de poemas e fotos, quando tratamos da vida nua apatriada ,vida preta , black , vida casual em um contexto em que “e esse desapego deixou de ser escolha”, em que ao deitar na entrada dos prédios, não contam mais com a esperança de serem vistos, alimentados, cobertos e acolhidos pelos residentes, mas sim, garantir pelas câmeras que seguram os que “god save” . Nesse sentido, no olhar da Pastoral do Povo de Rua, a obra “O mais Eu de todos em mim vive me desconhecendo”, caracteriza-se como um potente instrumento formativo que nos possibilita denunciar a necropolitica praticada pelo Estado , bem como anunciar as criações, recriações das formas de resistência daqueles que insistem, mesmo contra todas as forças, em se manter vivos, andarilhando, acompanhados de seus cachorros, constituindo diferentes laços familiares , formas de proteção coletivas e individuais, produzindo poesias, cantando, rezando e lutando contra a casualidade da vida.
Carlos Fabian de Carvalho
Pastoral do Povo de Rua
Comissão da Promoção da Dignidade Humana
(texto retirado do Facebook do poeta Jorge Elias Neto)
Gostaria de recomendar aos nossos(as) leitores(as) que visitem essa exposição. Estive na abertura e posso garantir que ninguém saiu indiferente com impacto da junção de imagens e palavras arremessadas como dados: nos fere e nos cura! (Renata Bomfim)
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