“Sábio, anjo e criança”:
Augusto Ruschi pelo olhar de Rubem Braga.
Renata Bomfim[1]
A destruição das florestas é um dos fatores mais determinantes
para o aquecimento global, fenômeno que ameaça grandemente a biodiversidade.
Proteger o remanescente das florestas tem sido uma luta inglória, mas o Brasil
possui muitos exemplos de coragem que não nos deixam desistir. Uma dessas
pessoas inspiradoras é capixaba e, não por acaso, é o Patrono do Meio Ambiente
do Brasil.
Augusto Ruschi (1915-1986) é natural de Santa Teresa e pioneiro na
luta contra o desmatamento da Amazônia. No Espírito Santo, o ambientalista
travou uma batalha contra políticos e corporações em defesa da Mata Atlântica.
Pesquisador respeitado nos mais altos círculos da ciência mundial, Ruschi foi
responsável pela criação de várias unidades de conservação no Espírito Santo e
fundou, em 1949, o Museu de Biologia Professor Mello Leitão, que hoje é
administrado pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), vinculado ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Augusto Ruschi não viu a questão ambiental desconectada da
sociedade, ele conseguiu envolver pessoas de diferentes campos do saber na
causa preservacionista, uma delas foi o escritor cachoeirense Rubem Braga
(1913-1990), que era um apaixonado por pássaros e com quem desenvolveu uma
amizade duradoura. As cartas trocadas entre o ambientalista e o escritor,
denunciaram a sanha destruidora de grupos que tinham como alvo as florestas do
ES. Para Rubem Braga, Ruschi era “sábio, anjo e criança em luta (desigual) contra
o homem comum e suas vãs cobiças”. O escritor relatou que no romance Canaã,
de Graça Aranha, há um personagem antepassado de Ruschi, mas para Braga, foi o
ambientalista quem “escreveu uma das belas páginas do romance”, pois, “enquanto
outros fabricam desertos”, Ruschi promoveu a reconciliação do homem com a
natureza. Ele destacou ainda que “os bandos faiscantes de seus beija-flores
coloridos formam como um grande arco-íris para anunciar essa promessa de paz”.
Braga admirava Ruschi e utilizou, tanto a sua escrita, quanto a sua rede de
relacionamentos fora do Espírito Santo, para ajudar nos assuntos do amigo.
No dia 25 de maio de
1976, Braga pediu a Ruschi informações que lhe possibilitasse embasar os seus
escritos: “caso V. não tenha cópia do estudo que fez sobre a fauna e a flora,
eu gostaria que me indicasse livros que me permitissem conhecer melhor o assunto,
que me capacitasse a argumentar melhor em defesa das reservas”. Em resposta, no
dia 01 de junho, Ruschi, enviou ao escritor suas pesquisas, que deram forma a
um artigo publicado no jornal Diário de Notícias, que denunciava o que
Braga chamou de “um projeto bárbaro”. O escritor fez ecoar as denúncias de
Ruschi sobre os impactos de uma “macabra transação”, fruto de um conluio entre
empresas e Governo Federal, que planejava derrubar “dezessete mil hectares de
matas virgens, para extrair um milhão e trezentos e sessenta mil metros cúbicos
de madeira”. Além da sanha de adquirir e explorar as reservas já criadas no ES,
as companhias passaram a comprar terras de particulares, alijando “os
descendentes de imigrantes” e espoliando comunidades tradicionais. O texto de
Braga causou um grande incômodo, tanto que o diretor de uma dessas empresas
procurou Ruschi e afirmou “o Rubem Braga fez muito mal e trocou alhos por
bugalhos em seus artigos”.
Muitas informações contidas nas cartas, se transformaram em
artigos e crônicas que davam visibilidade as belezas do ES, mas também
desnudavam os impactos ocasionados pelas mãos dos que Braga chamou de “criadores
de desertos”.
Na crônica intitulada “Elefantes e seus parentes”, Braga escreveu: “no Brasil dá pena e vergonha; acabamos por acabar praticamente com o próprio pau-brasil, vamos liquidando aos poucos, a ferro e fogo, tudo quanto é raça de planta ou bicho do mato”. Em alguns momentos Braga se tornou porta-voz do ambientalista: “Ruschi avisa que 200 espécies da nossa fauna e cerca de 300 da nossa flora já desapareceram para sempre. Milhares de outras estão em extinção. É reagir agora ou nunca”. Esse texto, singela homenagem a esses dois grandes capixabas, também faz ecoar esse grito de alerta: É REAGIR AGORA OU NUNCA!
[1] Escritora e ativista ambiental. Criadora da RPPN
Reluz e fundadora do Instituto Ambiental Reluz. Acadêmica na cadeira nº 7 da
AEL.
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