01/09/2025

CARMÉLIA MARIA DE SOUZA: ESTA ILHA É UMA DELÍCIA (RENATA BOMFIM)

 

Carmélia Maria de Souza: desesperada e lírica 
 Vento Sul- Seleção, organização e estudo crítico Renata Bomfim 
 Arte da capa:  Attílio Colnago 

No Programa Biografia, da TV- ALES, Milson Henriques, que foi um amigo muito próximo a Carmélia, afirmou que a cronista, quando criou a frase “Essa ilha é uma delícia”, o slogan poderia, à primeira vista, “parecer um elogio”, mas que estava “repleto de ironia”, e, na realidade, a frase queria dizer que, em Vitória, “tudo é proibido, tudo é provinciano, tudo não pode”. Ele acrescentou, ainda, que a despeito da ironia, nada impediu Carmélia de amar verdadeiramente a cidade de Vitória e de defendê-la nas suas crônicas.

Com relação à criação do slogan, “Esta Ilha é uma delícia”, o jornalista Pedro Maia declarou que é de autoria de Acyr Monteiro. Quem traz esse dado é José Irmo Gonring. Segundo Maia, Carmélia o teria adotado para a sua coluna: “Carmélia veio de Barbacena, onde tinha uma coluna chamada Os Pardais, para fazer coluna social no lugar do Hélio Dórea, que tinha ido para o jornal A Gazeta. A ideia de colocar na coluna o nome Essa Ilha É Uma Delícia foi do Acyr Monteiro, que realmente gostava muito de Vitória. Carmélia queria colocar na coluna o nome Os Pardais, mas Acyr achava muito provinciano”. [...] Ela escreveu durante dez anos a coluna”. 

A despeito de quem foi o criador do slogan, Glecy Coutinho destacou “Olha, Carmélia foi a pessoa que, eu acho, mais amou Vitória! Ela escrevia muito sobre Vitória, muito mesmo, e ela defendia Vitória, assim, viu, de unhas e dentes”. Esse amor da cronista pela cidade atravessa todo o livro Vento Sul. O texto “Com vistas ao cronista”42 fala sobre uma viagem que Carmélia fez ao Rio de Janeiro. Nele, a cronista declara que ficou feliz ao encontrar a Revista Vida Capixaba em uma banca, entretanto, ao ler, observou que o cronista Eugênio Sette, seu amigo, “espinafrava” a cidade: “Reconheço que nem sempre é possível a gente se lembrar que roupa suja deve ser lavada em casa”. Carmélia declara ter percebido um certo prazer, por parte do escritor, em “contar para os quatro ventos os pecados da Ilha”, uma intimidade que, para ela, era “sagrada”. Então, de forma humorada, passou a descrever o absurdo de alguém dizer que “os nossos telefones são uma droga”, que “as senhoras da Tradicional Família Capixaba [TFC] são fofoqueiras”, que “quando chove, fica tudo alagado”, e pergunta ao Eugênio: “em que mundo você estava quando inventou essas bobagens?”43 Em diversas crônicas é possível observar que há momentos em que Carmélia se torna porta voz da Ilha de Vitória: “A Ilha está pedindo para que vocês a deixem crescer”, “a Ilha quer saber se lá fora o seu nome é pronunciado com admiração e respeito”, e há outros, nos quais ela se funde à cidade: “Eu sou a Rua Duque de Caxias”. Carmélia afirmou que “gostava do jeito gozador com que os capixabas encaram as coisas da vida” e, no mesmo texto, ela pede ao Eugênio que, quando for escrever, “pense nas tardes de maio, [...], nas noites de serestas, nas estrelas da madrugada {...] e depois escreva uma crônica cheia de doçura, lembrando dela, “alguém que sempre entendeu (com amor e ironia) que esta Ilha é uma delícia”, especialmente por “abrigar os amores que a gente tem”.

Na parte dois de Vento Sul: “Cartas do meu redemoinho”, Carmélia se referirá a Vitória como “preguiçosa e bonita”, uma cidade que parece ter sido feita para abrigar as pessoas de boa fé e os homens de boa vontade”. Nesse texto, o que à primeira vista soa como sarcástico, vai sendo justificado poeticamente e vemos surgir aos olhos uma cidade humanizada “onde o milagre da poesia vai transformando todas as estrelas em perdão, a fim que se perdoem todas as mágoas de amor”46. Outro exemplo interessante que fala sobre os capixabas está na crônica “O deletério do povo capixaba”, onde a cronista diz: “confesso que não encontrei outra [palavra] mais expressiva para dizer o que penso do honrado povo capixaba [...]. É, decididamente, um povo deletério, este”. O povo mais deletério do mundo, talvez”. No texto, a escritora sai em defesa do amigo Marien Calixte que buscava empreender na gestão municipal de Vitória e estava recebendo muitas críticas. Carmélia acrescenta: “é bastante alguém pensar em fazer alguma coisa que preste nessa Ilha (ô Ilha!), para que os chamados “pés-frios” comecem logo a engrossar. Ao invés de darem o necessário incentivo [...]. E vão em frente os deletérios do inferno, apostando a própria mãe como ninguém será capaz de fazer coisa nenhuma. É uma desgraça, enfim”47. Carmélia não tinha papas na língua e fica claro que ela se posicionava com relação aos acontecimentos e às figuras públicas da cidade. A cronista, como bem disse Santos Neves, se dava bem com pessoas de diferentes grupos sociais, possuía amigos da classe trabalhadora e da alta sociedade e mantinha o hábito de passar temporadas nas casas desses variados amigos, como, por exemplo, na da colunista social Maria Nilce. Carmélia tinha consciência da potência das palavras, e de que a forma como representamos algo ou alguém, revela ou confere valor e grau de importância ao representado.

Renata Bomfim.


Nenhum comentário: