29/03/2019

Espaço de múltiplas vozes: 6ª Feira Literária Capixaba defende o tema “diversidade” e realiza homenagem a Judith Leão Castello Ribeiro


É com muito carinho que estamos preparando a 6ª Feira Literária Capixaba (6ª Flic-ES). Neste ano, o evento — que acontece entre os dias 22 e 26 de maio, na Universidade Federal do Espírito Santo (Campus de Goiabeiras) — terá como homenageada a escritora Judith Leão Castello Ribeiro. Natural do município da Serra, Judith nasceu em 31/08/1898 e foi uma pessoa à frente de seu tempo. Descendente de portugueses, e filha de uma família tradicional, diplomou-se professora ainda muito jovem, tendo estudado, em Vitória, no renomado Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, também conhecido como Colégio do Carmo. Educadora, atuou por mais de quarenta anos na capital. Dentre as escolas que lecionou, estão o antigo Ginásio São Vicente de Paulo e, também, a Escola Normal D. Pedro II.

A experiência no universo docente fez com que Judith enxergasse horizontes mais amplos, construindo uma carreira intensa, na qual assumiu diversos papéis. Revolucionária, foi a primeira mulher eleita Deputada Estadual no Espírito Santo, no ano de 1947. Desvinculada de qualquer partido, pois não concordava com a política da época, Judith exerceu um mandato focado nas áreas de educação, cultura e bem-estar social. Assumiu diversos projetos e, tendo sido reeleita, exerceu o cargo parlamentar por cerca de dezesseis anos. Neste período, integrou também a Conselho Estadual de Educação, ocupando a função de Secretária da Comissão do Ensino Médio.

Além de sua atuação na vida pública, Judith também se destacou no campo literário: foi cronista e ensaísta presente em diversas publicações da imprensa local. Escreveu para os jornais "Diário da Manhã" e “A Gazeta”; e também para os periódicos "Vida Capixaba", "Canaã", "Revista do DSP" e "Revista da Educação". Em 1949, ingressou na Associação Espírito-Santense de Imprensa (AEI). Neste mesmo ano, indignada pelo fato de as mulheres não poderem integrar a Academia Espírito-santense de Letras fundou, juntamente com um grupo de mulheres, a Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, sacramentando-se na história como sua primeira presidente. Na década de 1980, ingressou no Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo (IHGES) e na Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras de Goiás. Além disso, conseguiu, finalmente, participar da Academia Espírito-Santense de Letras, tendo sido a primeira mulher a compor tal núcleo.

Judith foi alguém de vários talentos. Além de todos esses, também tinha o dom para a pintura e gostava de se dedicar às causas assistenciais. Inclusive, sua única obra publicada, a coletânea Presença, foi doada à Igreja, com finalidade de angariar verbas e destiná-las aos pobres. A homenageada da 6ª Flic-ES nasceu no século XIX, numa época em que a mulher era considerada, socialmente, um ser humano inferior: sem direito ao voto e à opinião, fadada ao inglório exercício da submissão, ditado por cruéis e arbitrários padrões de natureza patriarcal. No decorrer do século XX, Judith mostrou ser capaz de transitar por vários campos e, em todos eles, deixou o legado de sua grandeza. Não caminhou sozinha: ao lado do marido, Talma Rodrigues Ribeiro, seu maior incentivador, participou da formação e da luta pelos direitos das minorias. Sem filhos biológicos, o casal também adotou muitas crianças nascidas no município da Serra- ES.

Educadora, política, escritora e artista... Judith mostrou que poderia ser diferente e não aceitou o papel que lhe fora pré-determinado. Voou alto... E mais que isso: atingiu destinos diversos e inimagináveis, deixando, neste percurso, o seu exemplo e a sua indelével contribuição. Inspirada por esta grande mulher, a equipe organizadora da 6ª Feira Literária Capixaba tomou o cuidado de adotar como tema uma palavra que traduzisse a personalidade de sua homenageada. Judith foi alguém que despertou o olhar social para as urgentes e necessárias trocas simbólicas; que permitiriam e viabilizariam o crescimento de toda a sociedade. O desafio de traduzi-la em um só vocábulo originou reflexões que culminaram no termo DIVERSIDADE.

A etimologia da palavra “diversidade”, aqui considerada, advém do latim “diversitas” e desperta um significado que remete às noções de “pluralidade” e “multiplicidade”. Tais noções mostram-se ideais se pensarmos a personalidade e a história de nossa homenageada. Mas não apenas isso: são noções adequadas também para pensarmos o nosso papel enquanto sujeitos que habitam o universo global- contemporâneo. O que somos nós neste contexto, senão sujeitos complexos e plurais, imersos em uma época de intensas transformações e aparatos tecnológicos?! Sujeitos dedicados a múltiplas atividades, vindos de diferentes realidades, dotados de variadas características... Sujeitos históricos que vivem um tempo acelerado e interagem a cada instante, quer pelas redes sociais ou presencialmente... Mas também sujeitos que ainda detém o desconhecimento sobre si mesmos... Que precisam aprender a compartilhar diferenças, sejam elas étnicas, econômicas, políticas ou sexuais... Que precisam unir forças à construção de uma sociedade melhor e mais justa... E como atingir tal objetivo? Relembremos aqui de outro importante intelectual brasileiro, Paulo Freire, para quem a educação só é possível por meio do conhecimento da própria cultura. Para Freire, não há “saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”.

É neste sentido, de fomentar o conhecimento acerca dos múltiplos saberes que compõem a sociedade capixaba, que construímos o propósito da feira literária deste ano. A Flic-ES 2019 será um espaço para as múltiplas vozes, um canal que se propõe a resgatar e proporcionar conhecimentos sobre a identidade e a cultura do capixaba
Da panela de barro à casaca
Do congo ao rap
Do rap ao slam
Dos direitos da mulher, passando pelos direitos dos negros e índios...
Da ética à estética
Da sustentabilidade às obras de nossos queridos e competentes escritores capixabas!

De tudo à literatura e à sua função formadora, presente nos ditames do crítico literário brasileiro Antônio Cândido... Função esta que nos permite desvelar e humanizar, frente aos olhos-leitores, realidades distintas, muitas vezes, também, ocultadas pela ideologia social hegemônica. Relembremos, nesse sentido, o célebre ensaio “O Direito à Literatura”, no qual Cândido enfatiza a potencialidade educadora e representativa que detém esta arte, ao que diz: “a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.”

Sabendo desta propriedade e considerando a importância da convivência plural e respeitosa, pretendemos fazer da 6ª Flic-ES um instrumento dedicado à formação crítico-cultural do povo capixaba. Nossa homenageada, Judith Leão Castello Ribeiro certa vez, ao discorrer em uma crônica intitulada “O Movimento Cultural Na Serra”, deixou registrado: “O serrano não será marginalizado. Acompanhará a evolução que a civilização impõe às coisas e às gentes”. Nós, a equipe organizadora desse evento, estendemos este pensamento a todo o povo capixaba, reconhecendo a dinâmica de nosso tempo, estabelecida em ritmos de diversidade.

Curadora da 6ª Feira Literária Capixaba (6ª FLIC-ES)
Escritora e professora da UFES

17/10/2018

DEUS MENINO

NO TEMPO
FORA DO TEMPO
O MENINO DEUS BRINCAVA
DE LANÇAR ESTRELAS.

NO TEMPO ANTERIOR AO
GRANDE MILAGRE DO
SEU NASCIMENTO
DEUS BRINCAVA DE INVENTAR
A SI MESMO.

NO TEMPO DEPOIS
DE TUDO QUE JÁ EXISTIU
DEUS SENTIU SAUDADES
DE QUANDO ERA MENINO
E LANÇAVA ESTRELAS
BRINCANDO DE SER
ELE MESMO.


RB

05/10/2018

A condição da mulher: o caso de Mariana Alcoforado (palestra com a prof.ª Dr.ª Renata Bomfim)


A Academia Feminina Espírito-Santense de Letras promove mensalmente uma palestra aberta ao público. Nesse mês de outubro falarei sobre a obra de Mariana Alcoforado, freira do barroco português cujas cartas de amor se tornaram célebres desde o século XVII. 

23/09/2018

Tempos de chumbo (RB, Vitória/ES)


Tuas mãos enormes
Seguram o peso do mundo.
Polegar e indicador se tocam
Tentando pinçar o cotidiano.
Mas, meu bem, nem as maiores
mãos do mundo poderão 
suspender a dor desse momento
e nem aniquilar o sombrio
desses tempos de chumbo.


VI o teu rosto (RB, Vitória/ES)



Vi o teu rosto
Por trás da máscara da máscara.
Um deus de carne e osso
Cujos olhos vicejavam luz.
Vi o teu rosto belo de
Imperfeições e assimetrias.
Amo-te desde aquele momento.


21/09/2018

OS GUARDAS DO PARAÍSO (Renata Bomfim)


No centro da minha cidade
Existe uma Árvore.
Guardada por homens 
armados. Não são anjos,
São  os guardas do paraíso.

Um dia atrevi-me.

Tomei conselho com as sombras,
Planejei sob o manto escuro da noite
um jeito, uma forma de provar do fruto.
Há palmeiras rebuscadas
e sabiás nesse paraíso seguro.
Há também macacos prego
Espreitando bananeiras
do lado de fora dos muros.
O abacateiro do paraíso, protegido
Por homens de dentes de ferro, de pesado  
arriou os galhos.

Embora haja muitas frutas é proibido
sucumbir ao pecado da gula.
Por isso regulam a distribuição 
de alimentos: "um cuidado adicional",
é o que dizem os guardas do paraíso.
Mas, da Árvore que fica no centro
da cidade, não se pode nunca provar o fruto.

Desejo sentir o sabor desconhecido,
Sussurro palavras de amor baixinho e,
Ao longe, observo o vento balançar 
os longos galhos Verde-amarelados. 
Algo em mim tremula.

Os frutos da Árvore não são vermelhos
e nem arredondados.
Parecem espirais resplandecentes e criam
Um halo de luz no centro da minha cidade.
O povo vive sob o fascínio da luz, embora
quase sempre faminto.
Tudo parece lindo!

Os homens serram a Árvore, afinal,
é a guarda especializada do paraíso.

Resisto e tramo, na noite, apoiada
Pelo demônio da revolta.
Busco um jeito, uma forma
De alimentar essa fome específica.

Serei eu a primeira a única rebelar?

Lá estão eles, os malditos 
homens com dentes de ferro. Agora,
seguram punhais e escopetas
no centro da minha cidade.



RB, Vitória, dia 21/09/2018 (dia da árvore) 

09/09/2018

Laços


Envolventes fios de tempo entrelaçados,
Canduras e agonias que nos exasperaram,
cânticos e ruídos infernais em sintonia.

Não estamos mais aqui e nem agora,
mas estaremos sempre em algum lugar.

(Renata Bomfim)



08/09/2018

Escritora Renata Bomfim participa do Viradão Cultural 2019, em Vitória/ES



A Biblioteca Pública Municipal Adelpho Poli Monjardim recebeu hoje o público para participar do Viradão Cultural. Houve o lançamento de 13 obras de autores locais com poemas, memórias e literatura infanto-juvenil contemplados em editais públicos de cultura. 
O lançamento foi acompanhado de sarau e música ao vivo.

Foi uma alegria participar de mais esse evento literário na nossa Ilha, pude prestar minha homenagem a escritora Carmélia maria de Sousa, de quem sou grande fã e pesquisadora.
Viva a nossa Capital, Vitória, que aniversaria nesse dia! 


Obrigada aos amigos e amigas da escrita, é sempre uma alegria estar junto de vocês!!!!

07/09/2018

O livro Colóquio das Árvores será relançado no Viradão Cultural e toda verba será revertida para a RPPN Reluz

Se eu morresse hoje

Se eu morresse hoje,
Teria valido a esperança da eternidade.
Descansaria afinal.

Ah!  poemas de linhas frágeis
Entremeados por dissabores e esperanças,
Tão desalinhados e imperfeitos.
Se eu morresse hoje não haveria
Arrependimento do orgulho de ser
Esse ser que inventa a si mesma
Arrancando da pedra sons de lira.

Teria valido o momento impreciso e fugaz
Da explosão da beleza,
A flor se abre para ser beijada pela abelha.
A floresta desperta entre vapores mágicos
Do silencio secular de uma noite.
Teria, sim, valido cada minuto vivido
Entre os teus braços.

Se eu morresse hoje, seria a lembrança
De poucos que me amaram realmente.
Seria eternizada na memória de seiva das árvores,
Minhas filhas mais amadas.
O meu corpo descansaria, afinal,
Depois da jornada de muitas vidas.

Renata Bomfim