Amigos, a escrita de autoria feminina capixaba perde uma de suas estrelas, a escritora Margarida Lena Pimentel. A acadêmica da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras (AFESL), cadeira nº15, cuja patrona é Ailsa Alves Santos faleceu no dia 14 de novembro de 2016, foi velada na sua residência na Praia do Canto e enterrada no Cemitério Santo Antônio, em Maruípe.
Margarida
Lena Pimentel nasceu no dia 8 de fevereiro de 1938, em Vitória (ES). Filha de Pedro Benatti Lenna e Eliza Sodré Lenna, nasceu em Vitória – Espírito Santo. A escritora se destacou na prosa com as obras Apenas um homem, publicado em português, Edições do Val, 1965, Rio de Janeiro e mantido por 18 Bibliotecas mundiais; Adultério sem flagrante, com 2 (duas ) edições publicadas entre 1969 e 1970, em português e inglês, Livraria Eldorado, Rio de Janeiro, mantido por 28 (vinte e oito) bibliotecas em países diferentes; Vento macho, (duas) crônicas, cujas edições foram publicadas em 1967, em português, pela Livraria São José, Rio de Janeiro, e são mantidas por 31 (trinta e uma) bibliotecas mundiais) e crônicas publicadas em Revistas e Jornais: A Gazeta, A Tribuna e o Diário. Participou da antologia da AFESL, Múltiplas vozes (2010).A escritora foi "Destaque Especial" no Concurso Nacional de Contos, 1993 e 1994, recebeu a Medalha Cultural na Revista Brasília. Participou do Anuário de Escritores 2005, Casa do Novo Autor, Editora São Paulo. Além de ter produzido contos e crônicas que foram premiados em vários concursos literários e é Sócia do Clube Literário Brasília.
Compartilho com vocês alguns escritos da nossa saudosa confreira Margarida Lena Pimentel.
O OUTRO
LADO DA COLINA
O outro lado da colina é uma ótima expressão para definir a
meia-idade. É uma fase que, sem dúvida, tem os seus contras. O vento não sopra
tão forte, nem as pernas são tão ligeiras como na subida. O passo encurta e, na
medida em que vamos descendo o outro lado da colina, temos de ter cuidado onde
pomos os pés, porque a experiência já nos ensinou a não pisar nas armadilhas.
Na subida a visão estava bloqueada pelas vertentes, e não havia panorama para
ver, a não ser que olhássemos para trás. Agora a viagem, felizmente está
adaptada às pernas menos ágeis, podemos, então, parar e refletir, uma vez que o
cimo já foi ultrapassado, e há um vasto mundo à nossa frente. Apesar de haver
sombras e nevoeiros no horizonte, o sol também nascerá todos os dias, por mais
trinta, quarenta anos, quem sabe? Tudo é possível... é só saber viver.
O outro lado da colina é mais tranqüilo. A juventude é um
turbilhão de emoções, arroubos, loucuras, sem tempo de reflexão. Depois dos
cinqüenta anos tudo se adapta, se encaixa, se ajeita. O trabalho deixa de ser
uma máquina, para ser um cérebro. O fogo da paixão se transforma em amor e se
divide em mil centelhas quando a família cresce: — Filhos, netos, noras,
genros... e a vida vira uma festa com tantos aniversários, casamentos, formaturas
e há muito mais a comemorar do outro lado da colina. Algumas tristezas, é
claro, mas na maturidade a gente aprende a lidar com elas.
Engano quem pensa que ao chegar ao cimo tudo acabou. Acabou
sim, de plantar, construir, correr atrás dos valores materiais. Agora, chegou a
hora de colher o que plantamos e aí, entra o velho e sábio provérbio: Quem
semeia vento colhe tempestade... do outro lado da colina pode ter flores,
frutos ou espinhos, depende de nós ... é só saber viver.
Precisamos, urgentemente, de mais esclarecimentos para
vivermos a idade madura, para que possamos ser preparados para a segunda metade
da vida. Assim as pessoas aprenderiam que as metas da mocidade como dinheiro,
conquistas e posição já não são as que deveriam procurar e sim o alvo seria:
adquirir sabedoria, no sentido da experiência vivida e da avaliação de valores
apropriados e explorar os tesouros de beleza que nossa cultura nos legou.
Em vez de aceitarem com resignação as frustrações e
decepções, numa monótona solidão, o homem ou a mulher devia procurar novos
encontros do outro lado da colina até mesmo o romantismo de um amor de
outono..
ESTADO
MAIOR
Vivemos em confusão constante em presença da Justiça do
mundo moral. Por quê? É a pergunta, eterna, universal, tão velha quanto a
primeira lágrima, tão recente quanto o último noticiário da televisão. Pode-se
encontrar uma razão pra o rápido sucesso de certas pessoas nos negócios, na
vida social e outras áreas mais? Capacidade, inteligência, talento? Não sei!
Tem tanta gente com tantos predicados e competência, e nada consegue.
Incrível é o prestígio dessas pessoas. Em solenidades, até
mesmo oficiais, esses ilustres desconhecidos ocupam os melhores lugares, estão
sempre nas primeiras filas, reservadas para eles. Os mais dignos não encontram
lugar no recinto. Já imaginou ouvir um longo discurso em pé? Se não havia
lugares para todos, por que convidam tantos? É pura deselegância dar distinção
a poucos e até mesmo fazendo as pessoas que já
estavam sentadas cederem seus lugares a outras para as quais os lugares
estavam reservados.
Aliás, essa história de lugar reservado é antiga. Quando
nos transportamos em imaginação à estalagem de Belém na noite de Natal,
verificamos que não havia lugar para Ele, logo Ele? E constatamos que todos os lugares
na estalagem estavam ocupados pelos homens do Governo e ricos mercadores. E
assim, o menino chamado Jesus nasceu numa manjedoura, mas os seus sábios
ensinamentos acharam lugar no coração da humanidade.
Isso me faz lembrar de uma festa numa cidade do interior,
quando meu marido era juiz da comarca. Festa popular, alegre e bonita, mas
destaque mesmo só para as autoridades, políticos e “aqueles” que os
organizadores da festa achavam importantes. Entre risos e palmas, beijos e
abraços, os figurões circulavam no meio do povo. Entretanto, as barracas com
toldos coloridos e as mesas com toalhas brancas estavam reservadas aos ilustres
convidados que, aos poucos, ocupavam seus lugares.
Depois de uma estafante caminhada pelos caminhos da roça,
bem longe da cidade, onde foi levar a comunhão a um doente, o padre da paróquia
chegou à festa. Suado, cansado, empoeirado. Observou tristemente que todos os
lugares estavam tomados, exceto ao redor de uma esplêndida mesa isolada numa
pequena elevação ao lado da praça. Foi ali que o padre se instalou.
Imediatamente, correu agitado ao seu encontro o secretário
do prefeito da cidade.
—Desculpe, senhor padre, mas estes lugares estão reservados
para o Estado-maior.
—Quem é o Estado-maior? — perguntou o padre.
— Ora, senhor padre, são os homens do Governo, a Justiça,
Exército, política...
— Meu filho — respondeu o padre — eu pertenço ao Estado
–maior do Senhor Jesus Cristo, e até que apareça alguém que seja mais graduado
do que Ele, vou ficando por aqui mesmo!
CHÁ DE CATUABA
Na encosta dos Andes, no Peru, existe um verdadeiro vale,
envolvido numa amena temperatura — 18 graus no inverno e 22 no verão. Nesse
vale a velhice demora a chegar. Ninguém adoece. Seus habitantes vivem em média
de oitenta a cem anos. A maioria em perfeita condição física e psicológica. As
doenças, quando raramente aparecem, são tratadas com ervas e raízes. E usam e
abusam de uma infinita variedade de chás.
O festival de fantasia que o vale oferece na milagrosa cura
dos seus chás, encanta o visitante, mas na cidade moderna parece um pouco fora
de moda. Entretanto, essa milenar sabedoria é uma espécie de elo entre um tempo
passado e a geração presente, porque todos nós sabemos que as plantas
medicinais curam muitas doenças. Muitas dessas ervas vieram para o Brasil,
trazidas pelos imigrantes. Aqui se adaptaram ao clima, solo e juntaram-se a
centenas de outras que nossos indígenas já conheciam. Hoje o Brasil dispõe de
amplo conhecimento sobre sua flora medicinal e nossa geração adora chá. Os
irmãos orlando e Cláudio Vilas Boas, passaram quarenta anos entre os índios
brasileiros aprenderam a conhecer matas, o segredo da nossa flora e valor
medicinal de cada folha.
No Japão, o cerimonial do chá é uma arte. Tem
características da mais profunda religiosidade. Cada gesto deve ser aprendido
nos seus menores detalhes. Na Inglaterra é pura tradição. Chineses e indianos
conferem ao chá os mais altos significados e o seu cultivo vem desde as eras
mais remotas. O gaúcho dorme e acorda tomando chimarrão, seu ritual só perde para
os japoneses.
O chá é a segunda bebida que mais se consome em todo mundo. Só perde para a água. Digestivo,
refrescante, estimulante, os chás não são todos milagrosos, mas muito são de
inegável utilidade para todo o corpo e para todas as idades. Afinal, quem não
se interessa em manter por perto a plantinha que ajuda aliviar cólicas, ores,
infecções e até impotência? Aliás, a impotência masculina é tratada na flora
medicinal com chá de catuaba que contém um grande poder afrodisíaco, infalível
no combate a doença que minha avó chamava de “vergonha do homem”. Não há,
porém, comprovação científica dessa imposta propriedade ao chá de catuaba. Mas
muita gente acredita... Não custa nada tentar ...
E muitos homens quando ouvem o “canto do cisne”, recorrem
ao milagroso chá de catuaba, numa esperança de cura. Talvez, influenciados com
o apelo bem-humorado de propagandas como a do “Poema do Homem Quando
Envelhece”.
Esse porém, muito divulgado, diz mais ou menos o seguinte:—
“quando o homem envelhece/ o cabelo embranquece/ a musculatura desce/ o vigor
desaparece/ a mulher oferece/ e ele diz: — Ah! Se eu pudesse!/ Mas tomando chá
de catuaba isso não acontece!”
Será?...
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