01/01/2018

Waldo Motta (por Fábio Eduardo Bonisson Paixão)


O agora já Waldo Motta (eu o li como Valdo Motta) é capixaba, nascido em Boa Esperança (27.10.1959-). Tem profícua produção literária e sua obra já se espraiou para fora dos limites do Estado e do Brasil.
É um artista multimídia, navegando pela poesia, pela atuação como ator e tem pesquisado com profundidade o misticismo, a numerologia, a cabala etc.
Li a obra Bundo & outros poemas por volta do ano 2000. Revisitar a obra agora em 2017 me gerou muito desconforto, pois ainda agora não tenho plena capacidade de decodificar muitas das suas falas. Ledo engano o do leitor de querer decifrar tudo o que diz o poeta. O poeta não precisa ser entendido na sua literalidade: quase sempre não o quer.
Bundo não é marginal, pois se apropria do sagrado para nos levar à dedução de que o profanador é aquele que se distancia do criador sagrado ao repudiar suas criaturas. Bundo recria o conceito de marginal ao nos trazer o grande Esposo, o Deus que está em todos nós e que será o nosso redentor.
Em tempos de patrulhas ideológicas, nos quais prorrompem discursos raivosos tentando censurar nossas produções artísticas com arremedos de discursos moralistas/religiosos, Waldo nos brinda em Bundo uma orgástica manifestação do Divino encravado em todos nós. Nos leva a crer que as interdições em nome de Deus nada mais são do que um imenso vazio existencial, um culto à mediocridade e um grande passo para um fundamentalismo religioso desprovido de qualquer graça divina.
Pedindo-se uma permissão, ou melhor uma verdadeira licença, à teoria pós-colonialista, Bundo permite uma “re-colonização” da linguagem bíblica, pois traz uma produção literária que escarafuncha uma blindada teoria literária bíblica. Mas, Waldo não é marinheiro de primeira viagem e seu trabalho não é só belo: é fruto de incessante pesquisa. Não há ingenuidade ali: há muita pesquisa e muito esforço para se ofertar ao leitor um aporte teórico de linguagem que serve não só como adorno, mas serve para assegurar o gozo da libertação pela exposição da verdade arquetípica: Eis Ele - O Esposo!
Recepcionemos o texto de Waldo sem os arroubos de nossa formação cristã (Minha Nossa Senhora? Como justificar Deus pelo Cu?) e com a liberdade daqueles que não mais aceitam patrulhamentos ideológicos: sejamos corajosos para ouvir Waldo! Sejamos corajosos para recitar Bundo!
Eis um belo exemplo do que nos diz o poeta:
DEUS FURIOSO:
Estendi mãos generosas
a quantos o permitiram
e disse: sou Deus.
Porém, quem acreditou?
Fui humilhado,
escarnecido: Deus viado?
Fui negado e combatido.
Em meu amor entrevado
cerrei lábios e ouvidos.
Até o amor reprimido
virar ódio desatado.

Rasguem céus e infernos,
ó gemidos e brados
de amor ressentido.
Raios partam quantos
meu amor tenham negado.
Prorrompam tormentas
em corações petrificados.
Quero ser amado
quero ser amado
quero ser amado

Então não pode um Deus viado (“Peça com transexual em papel de Jesus é cancelada após decisão judicial”- Folha de São Paulo de 11.12.2017 - in http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/09/1919033-peca-com-transexual-em-papel-de-jesus-e-cancelada-apos-decisao-judicial.shtml).?
Então não pode um poeta analisar de forma profunda o evangelho para trazer à tona a força erótica e a energia criadora da escritura?
Não às interdições e sim a disponibilizar o que se acha necessário, devendo o filtro partir do leitor e não de um censor.
E para terminar, cito a terceira parte  de ANIMA X ANIMUS, para fazer corar aqueles que profanam o nome do Senhor:
Que o sol fique lívido
e a lua corada de vergonha,
as estrelas desmaiem, errem suas rotas os planetas
e os céus aturdidos se embaralhem.
Urrem os mares e os montes estremeçam,
porque a Terra santa grita e sacoleja
de gozo: chegou o seu Esposo.
III - BIBLIOGRAFIA:
MOTTA, Valdo. Bundo & outros poemas. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.


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