O agora já Waldo
Motta (eu o li como Valdo Motta) é capixaba, nascido em Boa Esperança
(27.10.1959-). Tem profícua produção literária e sua obra já se espraiou para
fora dos limites do Estado e do Brasil.
É um artista
multimídia, navegando pela poesia, pela atuação como ator e tem pesquisado com
profundidade o misticismo, a numerologia, a cabala etc.
Li a obra
Bundo & outros poemas por volta do ano 2000. Revisitar a obra agora em 2017
me gerou muito desconforto, pois ainda agora não tenho plena capacidade de
decodificar muitas das suas falas. Ledo engano o do leitor de querer decifrar
tudo o que diz o poeta. O poeta não precisa ser entendido na sua literalidade:
quase sempre não o quer.
Bundo não é
marginal, pois se apropria do sagrado para nos levar à dedução de que o profanador
é aquele que se distancia do criador sagrado ao repudiar suas criaturas. Bundo
recria o conceito de marginal ao nos trazer o grande Esposo, o Deus que está em
todos nós e que será o nosso redentor.
Em tempos de
patrulhas ideológicas, nos quais prorrompem discursos raivosos tentando
censurar nossas produções artísticas com arremedos de discursos moralistas/religiosos,
Waldo nos brinda em Bundo uma orgástica manifestação do Divino encravado em
todos nós. Nos leva a crer que as interdições em nome de Deus nada mais são do
que um imenso vazio existencial, um culto à mediocridade e um grande passo para
um fundamentalismo religioso desprovido de qualquer graça divina.
Pedindo-se
uma permissão, ou melhor uma verdadeira licença, à teoria pós-colonialista, Bundo
permite uma “re-colonização” da linguagem bíblica, pois traz uma produção
literária que escarafuncha uma blindada teoria literária bíblica. Mas, Waldo
não é marinheiro de primeira viagem e seu trabalho não é só belo: é fruto de
incessante pesquisa. Não há ingenuidade ali: há muita pesquisa e muito esforço
para se ofertar ao leitor um aporte teórico de linguagem que serve não só como
adorno, mas serve para assegurar o gozo da libertação pela exposição da verdade
arquetípica: Eis Ele - O Esposo!
Recepcionemos
o texto de Waldo sem os arroubos de nossa formação cristã (Minha Nossa Senhora?
Como justificar Deus pelo Cu?) e com a liberdade daqueles que não mais aceitam
patrulhamentos ideológicos: sejamos corajosos para ouvir Waldo! Sejamos
corajosos para recitar Bundo!
Eis um belo
exemplo do que nos diz o poeta:
DEUS FURIOSO:
Estendi mãos
generosas
a quantos o
permitiram
e disse: sou Deus.
Porém, quem
acreditou?
Fui humilhado,
escarnecido: Deus
viado?
Fui negado e
combatido.
Em meu amor
entrevado
cerrei lábios e
ouvidos.
Até o amor
reprimido
virar ódio
desatado.
Rasguem céus e
infernos,
ó gemidos e brados
de amor
ressentido.
Raios partam
quantos
meu amor tenham
negado.
Prorrompam
tormentas
em corações
petrificados.
Quero ser amado
quero ser amado
quero ser amado
Então não
pode um Deus viado (“Peça com transexual em papel de Jesus é cancelada após
decisão judicial”- Folha de São Paulo de 11.12.2017 - in http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/09/1919033-peca-com-transexual-em-papel-de-jesus-e-cancelada-apos-decisao-judicial.shtml).?
Então não
pode um poeta analisar de forma profunda o evangelho para trazer à tona a força
erótica e a energia criadora da escritura?
Não às
interdições e sim a disponibilizar o que se acha necessário, devendo o filtro
partir do leitor e não de um censor.
E para
terminar, cito a terceira parte de ANIMA
X ANIMUS, para fazer corar aqueles que profanam o nome do Senhor:
Que o sol fique
lívido
e a lua corada de
vergonha,
as estrelas
desmaiem, errem suas rotas os planetas
e os céus
aturdidos se embaralhem.
Urrem os mares e
os montes estremeçam,
porque a Terra
santa grita e sacoleja
de gozo: chegou o
seu Esposo.
III - BIBLIOGRAFIA:
MOTTA,
Valdo. Bundo & outros poemas. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
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