11/01/2021

Nuestra América é o mundo (poema Renata Bomfim)


"No hay odio de razas, porque no hay razas" (José Martí)
Puseram flores no busto de José Martí.
Dois vasos de crisântemos.
Protesto estudantil
Contra a tradição,
Contra os monumentos,
Contra...
Mas, se esqueceram,
Que o busto do poeta não era túmulo.

Recolhi as flores secas.

Quem foi Martí?
Não fazem ideia.
Houve guerra pela independência?
Independência?

Martí, fantasma da esperança,
Cantor de voz veludosa e de mãos ásperas.
Morreu enxergando a aura da liberdade.
Morreram ainda, Paulo Cesar Vinha,
Irmã Dorothy, Berta Cáceres,
Morreram defendendo a vida.
Pusemos flores nos seus túmulos?
Poremos uma pedras sobre as suas memórias?

Recolhi as flores secas.

Toquei com carinho o busto do poeta cubano.
Sussurrei em tom de oração:
¾ Teu túmulo está assentado no silencio de uma isleta.
Toquei com carinho o busto do poeta latino-americano.
¾ É, Marti, a vida anda dura por aqui.
A vida anda dura.
Vida dura, corações que se fecham
Para o sofrimento, a dor. O capital se tornou
O capitão do mundo:
Nau fadada a naufragar,
Estamos sujeitos ao afogamento, todos!

Fomos descobertos
Fazendo amor sob a palmeira.
Fomos descobertos
Nus, radiantes, sem pudores e nem vergonha.
Tínhamos a proteção de Tupã.
A Mata Atlântica intacta cobria de verde 
Os nossos sonhos, o Rio Doce serpenteava 
Livre, livre pelas serras...

Tínhamos a proteção de Tupã.

A vida anda dura, poeta, há emboscadas.
Em cada esquina o impensável.
Duros, os corações dobram as esquinas,
Caem nas emboscadas.
Dobramos as esquinas
Como se pisássemos sobre o Nada. 

Eu odiava os crisântemos.
O cheiro de morte me nauseava.
Eu odiava a morte.
O tempo apaziguou esse meu dentro, já não odeio
Nem os crisântemos e nem a morte.
Mas, quero-os longe de mim!

Planto rosas, lírios, hortênsias rosa e lilases.
Planto abacateiros, mangueiras, goiabeiras,
jacarandás, laranjeiras.
Planto sementes de poesia para que o mundo
Não se torne busto adornado com crisântemos secos
Nem túmulo.
Planto árvores para por fim à dureza dos corações,
(do meu próprio)
Para que dobremos as esquinas conscientes
de que a terra é uma só:
Nuestra América é o mundo.

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