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12/04/2021

Mulheres e Política no Espírito Santo: o pioneirismo de Judith Leão Castello Ribeiro (Prof.ª Dr.ª Renata Bomfim)

 

Judith Leão Castello Ribeiro

Falar acerca da força e da coragem das mulheres espírito-santense é algo que nos comove, mas também nos desconforta, pois, infelizmente é uma história ainda pouco conhecida pela sociedade capixaba e marcada pelo silenciamento. A pesquisadora Maria Stella de Novaes, personalidade importantíssima da historiografia do Espírito Santo e autora da obra A mulher na História do Espírito Santo (História e folclore), escrita entre 1957 e 1959, chamou a atenção para essa “omissão de referências às mulheres”. Dona Stelinha, como carinhosamente era chamada, denunciou que esse silêncio sobre a produção intelectual feminina e suas ações de resistência remontam os registros da colonização. Segundo registros, o donatário Vasco Fernandes Coutinho, quando veio tomar posse da Capitania no dia 23 de maio de 1535, não trouxe mulheres na sua comitiva e a epistolografia dos padres Jesuítas atesta que os portugueses se casavam com as índias. 

As mulheres indígenas das tribos que habitavam o Espírito Santo na época da colonização exerciam autoridade na tribo, tanto que nos chegam relatos como o da esposa do índio Maracaiaguaçu (Gato grande), batizada como Branca Coutinho, em homenagem à mãe do donatário, e da viúva de Guajaraba (Cabelo de Cão), que guiou o seu povo na descida do Sertão para a aldeia dos Reis Magos. As índias foram as primeiras mães dos cidadãos nascidos na terra recém-batizada e o papel fundamental e marcante da mulher indígena na indústria caseira e na arte manual, deu forma a uma das tradições mais destacadas do ES, ¾ a tradição da panela e das paneleiras¾. Não ficou de fora do relato de Dona Stelinha a importância histórica de Luísa Grimaldi, que governou o Espírito Santo com êxito entre os anos de 1589 e 1593.

A literatura produzida por mulheres no Espírito Santo tem preenchido muitas lacunas deixadas pela história, exemplo disso é a obra A Capitoa, da escritora barrense Bernadette Lyra, que fala da coragem dessa mulher que foi uma das primeiras da comandar um estado brasileiro no século XVI. Outra personalidade feminina de grande relevo para o Brasil é Maria Ortiz, heroína capixaba filha de espanhóis que defendeu a Catania da invasão holandesa, em 1625. Em um artigo intitulado “Cadê a Maria Ortiz?”, Francisco Aurélio Ribeiro relata que visitou a exposição “Brasil feminino”, no Rio de Janeiro, e pode ver entre as personalidades cronologicamente destacadas, Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del Fuego; a cantora Nara Leão e a escritora Marly de Oliveira, mas, aponta para a ausência de referência a Maria Ortiz que é, inclusive, alguns séculos anterior a revolucionária Maria Quitéria e a Ana Néri, pioneira da enfermagem no Brasil. Dona Stelinha destacou que os séculos passaram e “humildes e ignoradas, alheias, mesmo aos resultados sociais e econômicos dos seus esforços”, as mulheres capixabas chegaram ao século XVIII ainda condicionadas por conceitos patriarcais religiosos, sociais e legais que as caracterizavam como inferiores ao homem: “fadas incógnitas que salvaguardavam as bases da sociedade”, as capixabas eram consideradas “máquina de trabalho doméstico”.

A mulher oitocentista teve a sua liberdade fortemente cerceada e as jovens eram criadas e educadas para o casamento, mas, a escolarização foi essencial para que esse cenário começasse a mudar. Em 1827, Dom Pedro I outorgou a lei que criou escolas nas vilas e cidades mais populosas do império, entretanto, as escolas para meninas seriam permitidas apenas se aprovadas pelo conselho, e caso fossem aprovadas, a elas não se ensinaria aritmética e nem geometria, apenas as quatro operações básicas, ficando o programa restrito às prendas da economia doméstica. Essa realidade estendeu-se até meados do século XIX, quando as mulheres começaram a conquistar espaços sociais fora de casa e as senhoras do Espírito Santo se organizavam em torno de novos interesses, como o jornal de moda parisiense A Estação. Em Vitória e Vila Velha as rendas, parte do aprendizado de trabalhos manuais das moças, eram famosas.

No Espírito Santo, a primeira escola pública primária para meninas, foi fundada em Vitória, em 1835, mas ficou dez anos sem funcionar por falta de professora, até que em 1845 a primeira professora foi contratada, o seu nome é Maria Carolina Ibrense. A escolarização feminina associada à emergência de ações coletivas abriu horizontes para as mulheres no século XX. Maria Stela de Novaes afirmou que o século XIX poderia ser chamado de “O século das mulheres”. A partir de então as mulheres passaram a ser professoras e diretoras de escolas primárias e normais, bem como escritoras, mas, o direito ao voto e a elegibilidade ainda lhe eram negados. Nesse sentido, podemos perceber a relevância da vida e da obra de Judith Leão Castello Ribeiro, professora, escritora e primeira deputada estadual no Espírito Santo. Judith Leão Castello Ribeiro nasceu na Serra, no dia 31-08-1898, seu pai João Dalmácio Castello e sua mãe Maria Grata Leão Castello, primaram pela educação dos filhos e da fizeram questão que a filha também estudasse. Judith Leão se insere no contexto de luta e resistência das primeiras sufragistas capixabas. Vale recordar a importância do feminismo emergente na luta pelos direitos das mulheres e que a exclusão dessas da categoria de cidadãs, na constituição inglesa de 1791, levou a escritora Mary Wollstonecraft a escrever Reivindicação dos direitos da mulher e essa obra, que denunciava a opressão no tempo do iluminismo, ecoou no Brasil e, insuflado por Nísia Floresta com o seu Direito das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, floresceu o movimento feminista brasileiro. Berta Lutz, na década de 1920, liderou a criação da FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO e esse feminismo de primeira hora, que tinha como foco a melhoria das condições da mulher na sociedade e a conquista do direito ao voto feminino, só alcançou o pleito em 1932. Segundo Maria Stella de Novaes, o movimento feminista capixaba delineou-se paralelamente ao movimento nacional, liderados pela Sra. Silvia Meireles da Silva Santos, em Vitória. Nessa época, a organização das mulheres em entidades organizadas fomentou importantes debates políticos e, em vários estados da federação, o feminismo se fortaleceu. No Espírito Santo não foi diferente, as intelectuais capixabas já chamavam a atenção pela atuação destacada no cenário cultural local, mesmo assim, alguns espaços ainda lhe eram negados, e um desses espaços era o político.

O interesse de Judith pela política possui raízes profundas, pois, nascida em uma família tradicional da Serra, o seu bisavô, Manoel Cardoso Castello, avô dos educadores Kosciuszko e Aristóbulo Barbosa Leão, foi vereador na época que a localidade era conhecida como freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra, antes de ser elevada à condição de Vila, em 1822. Ela foi, também, casada com Talma Rodrigues Ribeiro, que foi prefeito da Serra entre 1945 e 1946 e que a apoiava incondicionalmente.   

Judith foi uma defensora ardorosa dos direitos políticos das mulheres, mas, o ambiente conservador da época exigiu uma sensibilização das capixabas para a luta política. Maria Stella de Novaes expõe as dificuldades das mulheres que ousavam desafiar a ordem patriarcal adentrando espaços públicos, relata que ela mesma sofreu para ingressar como catedrática no corpo doente do Ginásio do Espírito Santo e na escola normal do Estado, e que “as escritoras e as poetisas amargaram” da mesma forma, “bebendo o cálice da crítica ferina e da oposição implacável”. Em 1933 um grupo de senhoras vitorienses fundou a FEDERAÇÃO ESPÍRITO-SANTENSE PELO PROGRESSO FEMININO, buscando incentivar o alistamento de mulheres e, sem compromisso partidário, a CRUZADA CÍVICA DO ALISTAMENTO, cuja presidente foi Silvia Meireles da Silva Santos, vice-presidente, Judith Castello Leão Ribeiro, e tesoureira Maria Stella de Novaes. Judith Leão já era professora desde o ano anterior, quando tinha sido aprovada, em concurso público, e ingressado como docente no Grupo Escolar Gomes Cardim. Segundo João Luiz Castello, sobrinho de Judith, são vários os exemplos de que Judith mostrava interesse em trabalhar em prol do coletivo, tanto que desejando estimular o aprimoramento cultural de seus alunos fundou o Museu Pedagógico (1930-1946), na Escola Normal Pedro II, e iniciou  o jornal “Folha escolar”, de circulação interna na mesma instituição. A arte e a cultura sempre foram considerados, por Judith Leão, um instrumento de transformação social, de forma que, enquanto professora, estabeleceu um tempo para os seus alunos terem iniciação literária e musical. Foi como professora que Judith, em 1934, candidatou-se a deputada estadual pela primeira vez, mas como não estava filiada a nenhum partido, acabou não se elegendo. Judith Leão optou por disputar sem legenda por apoiar o Movimento Revolucionário Constitucionalista de São Paulo, de 1932, e por discordar da política estadual em vigor na época. A sessão capixaba da Federação contribuiu para com o movimento no Rio de Janeiro, te esse esforço coletivo fez com que, em 1936, o direito ao voto fosse mantido sem restrições na Constituição Federal.

A movimentação feminista vitoriense repercutiu no interior do estado e uma delegação da UNIÃO CÍVICA FEMININA, de Cachoeiro de Itapemirim, em 1936, enviou uma delegada para participar do Congresso Nacional Feminino. O “esforço titânico”, ¾ como diria Maria Stella de Novaes ¾, de Judith Leão e de muitas outras mulheres capixabas, entre elas Guilly Furtado Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta Tatagiba, Lidia Besouchet, Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeni Santo e Haydée Nicolussi, precisa ser conhecido pela sociedade, precisa ganhar destaque na historiografia. Um grupo de mulheres uniu forças com Judith Leão para a fundação da ACADEMIA FEMININA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS (AFESL), no dia 18 de julho de 1949. Francisco Aurélio Riberio, dedicado pesquisador da vida e da obra das escritoras capixabas, nos faz saber que apenas muito recentemente as mulheres foram aceitas nas academias de Letras, e destaca a extemporaneidade e o pioneirismo da capixaba Guilly Furtado Bandeira que, em 1913, ingressou como acadêmica na Academia de Letras do Pará. A escritora é, também, a primeira capixaba a publicar um livro, em 1913, Esmaltes e Camafeus.

A acadêmica da AFESL Ailse Therezinha Cypreste Romanelli salienta que era “um despautério”, na década de quarenta, uma mulher como Judith cumprir quatro  legislaturas como deputada e, ainda, tentar entrar para a Academia Espírito-santense de letras e não ser aceita. Judith se candidatou para uma cadeira da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), mas “as academias eram exclusivamente masculinas”, então num movimento de afirmação feminista, Judith, fundou a Academia Feminina Espírito-santense de Letras (AFESL) e foi a sua primeira patrona. Participaram dessa primeira diretoria Arlette Cypreste de Cypreste, como vice-presidente, Zeni Santos e Iamara Soneghetti como secretárias e Virgínia Tamanini como bibliotecária, a elas se juntaram Ida Vervloet Finamore, Hilda Prado e outras escritoras e musicistas, o que fez com que a instituição fosse se firmando no cenário cultural capixaba.

Nos seus setenta anos de existência, a AFESL vem lutando para ser um espaço de livre produção para as intelectuais no Espírito Santo, desde os seus primórdios quando Annette de Castro Mattos, em 1950, organizou a “Vitrine literária”, primeiro registro das escritoras espírito-santenses, passando pelo programa “Mulher e perfume”, dirigido por Arlete Cyprete de Cypreste, na Rádio Capixaba, e que deu voz a muitas escritoras e artistas; a escritora Zeny Santos, que fundou a “Casa do capixaba”, o apoio dado pela AFESL ao Instituto Braile na sua criação, a criação do “Lar da Menina”, por Beatriz Nobre de Almeida e tantas outras ações das intelectuais capixabas.

É preciso criar espaços para que as mulheres do passado e do presente possam ter visibilidade, é fato. Graças ao esforço e a luta dessas pioneiras, as mulheres capixabas brilham hoje nos mais variados âmbitos da sociedade, no parlamento, nas academias, mas, ainda há muito pelo que lutar contra o preconceito de gênero e a violência. A representatividade das mulheres no espaço político ainda é pequena e o debate sobre questões importantes como a (des)igualdade e a cidadania das mulheres, especialmente das mulheres negras, devem ganhar o cotidiano.

Abraçar o legado deixados por essas mulheres excepcionais é necessário, especialmente em um momento histórico como o atual, no qual o Brasil vive um obscurantismo com relação às questões de gênero, exemplo disso é que o tema vem sendo subtraído das metas da educação nacional, acreditamos que resgatar a história de luta e conquistas de mulheres como Judith Leão Castello Ribeiro inspira os cidadãos e as cidadãs a militarem em prol da educação e pelo direito à livre expressão.

 Minibiografia

Renata Bomfim é mestre e doutora em letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora, escritora e ativista ambiental é gestora e proprietária da Reserva Natural Reluz, RPPN localizada em Marechal Floriano. Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, ocupando a cadeira de nº 16; Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do ES e Diretora técnica da Associação Capixaba do Patrimônio Natural (ACPN). Representou o Brasil em Festivais de poesia no exterior e presidiu a 6ª Feira Literária Capixaba, em maio de 2019. Possui artigos e ensaios publicados, é autora da Revista Literária Letra e fel (www.letraefel.com) e dos livros de poemas Mina (2010); Arcano dezenove (2012), Colóquio das árvores (2015) e O Coração da Medusa (no prelo). 

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