Processo de externalização
Externalizar significa trazer para o exterior, mostrar, manifestar e possui o sentido de revelar algo se pensa ou sente, algum segredo, raiva, tristeza, entre outros. Um dos pais da terapia narrativa, Michel White, explicou o processo que o levou a definir a externalização com um dos pilares da nova teoria e destacou que sem essa importante etapa do tratamento, seria difícil diferenciar tudo aquilo que leva a pessoa a buscar a terapia do seu self. Trocando em miúdos, a pessoa chega ao consultório com uma narrativa satura de problemas, há um emaranhado, ou uma indiferenciação, entre o ser e o problema que impede uma análise do mesmo e a busca de caminhos alternativos que levarão a pessoa retomar a autonomia sobre o seu processo de melhora.
Externalizar é algo da condição humana, todos nós em algum momento, sentamos com um amigo, um parente, uma pessoa em quem confiamos e lhe contamos as nossas angústias, sonhos, desejos, mas, dentro do arcabouço da teoria narrativa, essa externalização segue um caminho específico que é acompanhado e direcionado pelo terapeuta para um outro espaço, um espaço aberto que difere daquele outro, fechado e opressivo que o problema oferece.
É nesse contexto que a terapia narrativa lança mão de aportes criativos. Um olhar raso para a arte no campo terapêutico pode indicar que é algo "menos sério" que outras abordagens aparentemente mais "científicas" ou "acadêmicas", mas não, é um modo de acessar o psique que vem sendo testada secular e cientificamente e mostrado resultados, vide os trabalhos da Dra. Nise da Silveira. As abordagens expressivas são poderosas para revelar, ou seja, externalizar conteúdos inconscientes.
O ego se acha senhor supremo da vida, ele caminha como um equilibrista sobre a corda fina e bamba, qualquer balanço pode fazer com que caia. É por isso que o acompanhamento/tratamento terapêutico é comparado a uma rede, cuja simples existência já é capaz de dar ao equilibrista a segurança necessária para andar nessa corda fina que é a vida e, caso venha cair, poderá voltar a subir na corda e seguir em frente.
White destaca que é necessário externalizar o problema com vistas a criar uma definição interacionista e uma solução para o problema que antes, poderia ser visto como intratável, grave, desagradável. Essa abordagem do problema pode ser feita pelo caminho da ludicidade. As metáforas são ferramentas importantes nesse processo.
"A pessoa não é o problema, o problema é o problema", eis um dos preceitos da terapia narrativa. Esse olhar, cunhado no âmbito de teorias contemporâneas como a desconstrução derridiano e uma série de abordagens relativamente recentes como o pensamento decolonial, respeita a singularidade de cada pessoa, não julga e nem possui caráter patologizante. A narrativa é a base desse trabalho que reconhece que os seres humanos são seres que interpretam ativamente as experiências da vida e essas interpretações não são neutras, mas permeadas pelo social, cultural, econômico, religioso, ecológico, entre outros. Será a trama resultante dessas experiências que será revisada, desfiada e tecida novamente de uma forma diferente, podendo acolher novos fios, novas cores, desenhos e texturas: o mesmo tecido, porém outro, renovado e criativo.
Na minha práxis, como pesquisadora do campo da linguagem, acrescento a pensamento de Mikhail Bakhtin, especialmente os conceitos de dialogismo e carnavalização, para compreender e lidar com o fenômeno narrativo. bem como, conto com a contribuição de pensadores contemporâneos do Sul Global que ampliam o diálogo acadêmico com saberes oriundos de diferentes contextos, como no caso dos povos originários, buscando auxiliar o indivíduo à abertura e conhecimento de si e do outro.
Para finalizar, externalizar é não calar, é romper silêncios. Poderia haver um começo mais significativo e marcado pela coragem do que esse para um processo terapêutico?
Renata Bomfim
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