12/04/2021

Mulheres e Política no Espírito Santo: o pioneirismo de Judith Leão Castello Ribeiro (Prof.ª Dr.ª Renata Bomfim)

 

Judith Leão Castello Ribeiro

Falar acerca da força e da coragem das mulheres espírito-santense é algo que nos comove, mas também nos desconforta, pois, infelizmente é uma história ainda pouco conhecida pela sociedade capixaba e marcada pelo silenciamento. A pesquisadora Maria Stella de Novaes, personalidade importantíssima da historiografia do Espírito Santo e autora da obra A mulher na História do Espírito Santo (História e folclore), escrita entre 1957 e 1959, chamou a atenção para essa “omissão de referências às mulheres”. Dona Stelinha, como carinhosamente era chamada, denunciou que esse silêncio sobre a produção intelectual feminina e suas ações de resistência remontam os registros da colonização. Segundo registros, o donatário Vasco Fernandes Coutinho, quando veio tomar posse da Capitania no dia 23 de maio de 1535, não trouxe mulheres na sua comitiva e a epistolografia dos padres Jesuítas atesta que os portugueses se casavam com as índias. 

As mulheres indígenas das tribos que habitavam o Espírito Santo na época da colonização exerciam autoridade na tribo, tanto que nos chegam relatos como o da esposa do índio Maracaiaguaçu (Gato grande), batizada como Branca Coutinho, em homenagem à mãe do donatário, e da viúva de Guajaraba (Cabelo de Cão), que guiou o seu povo na descida do Sertão para a aldeia dos Reis Magos. As índias foram as primeiras mães dos cidadãos nascidos na terra recém-batizada e o papel fundamental e marcante da mulher indígena na indústria caseira e na arte manual, deu forma a uma das tradições mais destacadas do ES, ¾ a tradição da panela e das paneleiras¾. Não ficou de fora do relato de Dona Stelinha a importância histórica de Luísa Grimaldi, que governou o Espírito Santo com êxito entre os anos de 1589 e 1593.

A literatura produzida por mulheres no Espírito Santo tem preenchido muitas lacunas deixadas pela história, exemplo disso é a obra A Capitoa, da escritora barrense Bernadette Lyra, que fala da coragem dessa mulher que foi uma das primeiras da comandar um estado brasileiro no século XVI. Outra personalidade feminina de grande relevo para o Brasil é Maria Ortiz, heroína capixaba filha de espanhóis que defendeu a Catania da invasão holandesa, em 1625. Em um artigo intitulado “Cadê a Maria Ortiz?”, Francisco Aurélio Ribeiro relata que visitou a exposição “Brasil feminino”, no Rio de Janeiro, e pode ver entre as personalidades cronologicamente destacadas, Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del Fuego; a cantora Nara Leão e a escritora Marly de Oliveira, mas, aponta para a ausência de referência a Maria Ortiz que é, inclusive, alguns séculos anterior a revolucionária Maria Quitéria e a Ana Néri, pioneira da enfermagem no Brasil. Dona Stelinha destacou que os séculos passaram e “humildes e ignoradas, alheias, mesmo aos resultados sociais e econômicos dos seus esforços”, as mulheres capixabas chegaram ao século XVIII ainda condicionadas por conceitos patriarcais religiosos, sociais e legais que as caracterizavam como inferiores ao homem: “fadas incógnitas que salvaguardavam as bases da sociedade”, as capixabas eram consideradas “máquina de trabalho doméstico”.

A mulher oitocentista teve a sua liberdade fortemente cerceada e as jovens eram criadas e educadas para o casamento, mas, a escolarização foi essencial para que esse cenário começasse a mudar. Em 1827, Dom Pedro I outorgou a lei que criou escolas nas vilas e cidades mais populosas do império, entretanto, as escolas para meninas seriam permitidas apenas se aprovadas pelo conselho, e caso fossem aprovadas, a elas não se ensinaria aritmética e nem geometria, apenas as quatro operações básicas, ficando o programa restrito às prendas da economia doméstica. Essa realidade estendeu-se até meados do século XIX, quando as mulheres começaram a conquistar espaços sociais fora de casa e as senhoras do Espírito Santo se organizavam em torno de novos interesses, como o jornal de moda parisiense A Estação. Em Vitória e Vila Velha as rendas, parte do aprendizado de trabalhos manuais das moças, eram famosas.

No Espírito Santo, a primeira escola pública primária para meninas, foi fundada em Vitória, em 1835, mas ficou dez anos sem funcionar por falta de professora, até que em 1845 a primeira professora foi contratada, o seu nome é Maria Carolina Ibrense. A escolarização feminina associada à emergência de ações coletivas abriu horizontes para as mulheres no século XX. Maria Stela de Novaes afirmou que o século XIX poderia ser chamado de “O século das mulheres”. A partir de então as mulheres passaram a ser professoras e diretoras de escolas primárias e normais, bem como escritoras, mas, o direito ao voto e a elegibilidade ainda lhe eram negados. Nesse sentido, podemos perceber a relevância da vida e da obra de Judith Leão Castello Ribeiro, professora, escritora e primeira deputada estadual no Espírito Santo. Judith Leão Castello Ribeiro nasceu na Serra, no dia 31-08-1898, seu pai João Dalmácio Castello e sua mãe Maria Grata Leão Castello, primaram pela educação dos filhos e da fizeram questão que a filha também estudasse. Judith Leão se insere no contexto de luta e resistência das primeiras sufragistas capixabas. Vale recordar a importância do feminismo emergente na luta pelos direitos das mulheres e que a exclusão dessas da categoria de cidadãs, na constituição inglesa de 1791, levou a escritora Mary Wollstonecraft a escrever Reivindicação dos direitos da mulher e essa obra, que denunciava a opressão no tempo do iluminismo, ecoou no Brasil e, insuflado por Nísia Floresta com o seu Direito das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, floresceu o movimento feminista brasileiro. Berta Lutz, na década de 1920, liderou a criação da FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO e esse feminismo de primeira hora, que tinha como foco a melhoria das condições da mulher na sociedade e a conquista do direito ao voto feminino, só alcançou o pleito em 1932. Segundo Maria Stella de Novaes, o movimento feminista capixaba delineou-se paralelamente ao movimento nacional, liderados pela Sra. Silvia Meireles da Silva Santos, em Vitória. Nessa época, a organização das mulheres em entidades organizadas fomentou importantes debates políticos e, em vários estados da federação, o feminismo se fortaleceu. No Espírito Santo não foi diferente, as intelectuais capixabas já chamavam a atenção pela atuação destacada no cenário cultural local, mesmo assim, alguns espaços ainda lhe eram negados, e um desses espaços era o político.

O interesse de Judith pela política possui raízes profundas, pois, nascida em uma família tradicional da Serra, o seu bisavô, Manoel Cardoso Castello, avô dos educadores Kosciuszko e Aristóbulo Barbosa Leão, foi vereador na época que a localidade era conhecida como freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Serra, antes de ser elevada à condição de Vila, em 1822. Ela foi, também, casada com Talma Rodrigues Ribeiro, que foi prefeito da Serra entre 1945 e 1946 e que a apoiava incondicionalmente.   

Judith foi uma defensora ardorosa dos direitos políticos das mulheres, mas, o ambiente conservador da época exigiu uma sensibilização das capixabas para a luta política. Maria Stella de Novaes expõe as dificuldades das mulheres que ousavam desafiar a ordem patriarcal adentrando espaços públicos, relata que ela mesma sofreu para ingressar como catedrática no corpo doente do Ginásio do Espírito Santo e na escola normal do Estado, e que “as escritoras e as poetisas amargaram” da mesma forma, “bebendo o cálice da crítica ferina e da oposição implacável”. Em 1933 um grupo de senhoras vitorienses fundou a FEDERAÇÃO ESPÍRITO-SANTENSE PELO PROGRESSO FEMININO, buscando incentivar o alistamento de mulheres e, sem compromisso partidário, a CRUZADA CÍVICA DO ALISTAMENTO, cuja presidente foi Silvia Meireles da Silva Santos, vice-presidente, Judith Castello Leão Ribeiro, e tesoureira Maria Stella de Novaes. Judith Leão já era professora desde o ano anterior, quando tinha sido aprovada, em concurso público, e ingressado como docente no Grupo Escolar Gomes Cardim. Segundo João Luiz Castello, sobrinho de Judith, são vários os exemplos de que Judith mostrava interesse em trabalhar em prol do coletivo, tanto que desejando estimular o aprimoramento cultural de seus alunos fundou o Museu Pedagógico (1930-1946), na Escola Normal Pedro II, e iniciou  o jornal “Folha escolar”, de circulação interna na mesma instituição. A arte e a cultura sempre foram considerados, por Judith Leão, um instrumento de transformação social, de forma que, enquanto professora, estabeleceu um tempo para os seus alunos terem iniciação literária e musical. Foi como professora que Judith, em 1934, candidatou-se a deputada estadual pela primeira vez, mas como não estava filiada a nenhum partido, acabou não se elegendo. Judith Leão optou por disputar sem legenda por apoiar o Movimento Revolucionário Constitucionalista de São Paulo, de 1932, e por discordar da política estadual em vigor na época. A sessão capixaba da Federação contribuiu para com o movimento no Rio de Janeiro, te esse esforço coletivo fez com que, em 1936, o direito ao voto fosse mantido sem restrições na Constituição Federal.

A movimentação feminista vitoriense repercutiu no interior do estado e uma delegação da UNIÃO CÍVICA FEMININA, de Cachoeiro de Itapemirim, em 1936, enviou uma delegada para participar do Congresso Nacional Feminino. O “esforço titânico”, ¾ como diria Maria Stella de Novaes ¾, de Judith Leão e de muitas outras mulheres capixabas, entre elas Guilly Furtado Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta Tatagiba, Lidia Besouchet, Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeni Santo e Haydée Nicolussi, precisa ser conhecido pela sociedade, precisa ganhar destaque na historiografia. Um grupo de mulheres uniu forças com Judith Leão para a fundação da ACADEMIA FEMININA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS (AFESL), no dia 18 de julho de 1949. Francisco Aurélio Riberio, dedicado pesquisador da vida e da obra das escritoras capixabas, nos faz saber que apenas muito recentemente as mulheres foram aceitas nas academias de Letras, e destaca a extemporaneidade e o pioneirismo da capixaba Guilly Furtado Bandeira que, em 1913, ingressou como acadêmica na Academia de Letras do Pará. A escritora é, também, a primeira capixaba a publicar um livro, em 1913, Esmaltes e Camafeus.

A acadêmica da AFESL Ailse Therezinha Cypreste Romanelli salienta que era “um despautério”, na década de quarenta, uma mulher como Judith cumprir quatro  legislaturas como deputada e, ainda, tentar entrar para a Academia Espírito-santense de letras e não ser aceita. Judith se candidatou para uma cadeira da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), mas “as academias eram exclusivamente masculinas”, então num movimento de afirmação feminista, Judith, fundou a Academia Feminina Espírito-santense de Letras (AFESL) e foi a sua primeira patrona. Participaram dessa primeira diretoria Arlette Cypreste de Cypreste, como vice-presidente, Zeni Santos e Iamara Soneghetti como secretárias e Virgínia Tamanini como bibliotecária, a elas se juntaram Ida Vervloet Finamore, Hilda Prado e outras escritoras e musicistas, o que fez com que a instituição fosse se firmando no cenário cultural capixaba.

Nos seus setenta anos de existência, a AFESL vem lutando para ser um espaço de livre produção para as intelectuais no Espírito Santo, desde os seus primórdios quando Annette de Castro Mattos, em 1950, organizou a “Vitrine literária”, primeiro registro das escritoras espírito-santenses, passando pelo programa “Mulher e perfume”, dirigido por Arlete Cyprete de Cypreste, na Rádio Capixaba, e que deu voz a muitas escritoras e artistas; a escritora Zeny Santos, que fundou a “Casa do capixaba”, o apoio dado pela AFESL ao Instituto Braile na sua criação, a criação do “Lar da Menina”, por Beatriz Nobre de Almeida e tantas outras ações das intelectuais capixabas.

É preciso criar espaços para que as mulheres do passado e do presente possam ter visibilidade, é fato. Graças ao esforço e a luta dessas pioneiras, as mulheres capixabas brilham hoje nos mais variados âmbitos da sociedade, no parlamento, nas academias, mas, ainda há muito pelo que lutar contra o preconceito de gênero e a violência. A representatividade das mulheres no espaço político ainda é pequena e o debate sobre questões importantes como a (des)igualdade e a cidadania das mulheres, especialmente das mulheres negras, devem ganhar o cotidiano.

Abraçar o legado deixados por essas mulheres excepcionais é necessário, especialmente em um momento histórico como o atual, no qual o Brasil vive um obscurantismo com relação às questões de gênero, exemplo disso é que o tema vem sendo subtraído das metas da educação nacional, acreditamos que resgatar a história de luta e conquistas de mulheres como Judith Leão Castello Ribeiro inspira os cidadãos e as cidadãs a militarem em prol da educação e pelo direito à livre expressão.

 Minibiografia

Renata Bomfim é mestre e doutora em letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora, escritora e ativista ambiental é gestora e proprietária da Reserva Natural Reluz, RPPN localizada em Marechal Floriano. Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, ocupando a cadeira de nº 16; Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do ES e Diretora técnica da Associação Capixaba do Patrimônio Natural (ACPN). Representou o Brasil em Festivais de poesia no exterior e presidiu a 6ª Feira Literária Capixaba, em maio de 2019. Possui artigos e ensaios publicados, é autora da Revista Literária Letra e fel (www.letraefel.com) e dos livros de poemas Mina (2010); Arcano dezenove (2012), Colóquio das árvores (2015) e O Coração da Medusa (no prelo). 

04/04/2021

Ciclo de Diálogos Reluz: Meio Ambiente e Educação (com as presenças do Prof.º Dr.º Francisco Aurélio Ribeiro e da Prof.ª Dr.ª Karina de Resende-Fohringer.


 Amigos(as), esperamos vocês no Novo Ciclo de Diálogos do Instituto Ambiental Reluz com o tema "Meio Ambiente e Educação". Dias 19/04 às 20h e 26/04 às 13h no instagram

@institutoambientalreluz

Nossos convidados são essas pessoas queridas, de reconhecida contribuição nesses campos e membros do Instituto Ambiental Reluz, o Prof.º Dr.º Francisco Aurélio Ribeiro, que falará sobre "A importância do livro e da leitura na formação cidadã e ecológica", em comemoração ao Dia Nacional do Livro Infantil e a Prof.ª Dr.ª Karina de Resende-Fohringer, que trará uma experiência rica realizada nas suas turmas de português para filhos de brasileiros e portugueses, na Áustria". Terei a alegria de mediar esses diálogos.

Segue o currículo de ambos:
O Prof.º Dr.º Francisco Aurélio Ribeiro é Possui mais de 30 anos de experiência na área de Ensino e Pesquisa. Esta significativa experiência docente provém de sua atuação como professor em diversas Instituições de Ensino, públicas e privadas, com âmbito de atuação no Ensino Fundamental, Médio e Superior (Graduação e Pós-Graduação). Desenvolveu diversos trabalhos de pesquisa na área de literatura, possuindo mais de 40 livros publicados (gêneros infantil, crônica, conto e pesquisa) e vários artigos de sua autoria, participando com suas crônicas de colunas semanais no jornal A Gazeta. Foi Secretário de Cultura da UFES no período de 1992 a 1995, sendo responsável também pela coordenação de cursos em nível de Especialização e Pós-Graduação. Conduziu vários congressos como conferencista e apresentador de comunicação no Brasil e Exterior. Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e à Academia Espírito-santense de Letras, da qual foi presidente em três mandatos. É um defensor do Meio Ambiente e hoje responde como Diretor Secretário do Instituto Ambiental Reluz, dedicando-se à produção de livros infantis com temáticas que privilegiam a ideia de uma relação de harmonia e respeito para com os seres e a natureza.

A Prof.ª Dr.ª Karina de Rezende-Fohringer é doutora em Letras (com ênfase em Estudos Literários - UFES - 2015). Mestre em Letras (com ênfase em Estudos Literários - UFES- 2008). Pós-graduada (Especialização) em Teoria Psicanalítica e Práticas Educacionais (UNIG- 2007), graduada em Letras (UFES- 1991) e em Direito (UVV- 1991). Coordenou (de 01/2009 a 07/2010) o Curso de Letras da Faculdade Saberes (ES), tendo também atuado como professora nessa mesma IES. Trabalhou como professora da Prefeitura Municipal de Vitória, de 1994 a 2011. Em dezembro de 2008, foi empossada membro titular da cadeira n 8 da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras (AFESL). Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Professora convidada dos Cursos de Especialização Lato Sensu em: Linguagens: língua e literatura (Faculdade Saberes) e Educação (FABRA). Bolsista FAPES. Bolsa Sanduíche na Universidade de Santiago de Compostela (USC)- Espanha (Bolsa CAPES), de 27 de agosto a 30 de dezembro de 2013. De 2017 a 02/2020, atuou como Professora de Português na Universidade de Viena (Zentrum für Translationswissenschaft). Desde 2017, é professora de Português como Língua de Herança em Bildungsdirektion für Niederösterreich em St. Pölten e em Mödling na Áustria. Karina é uma defensora do Meio Ambiente e hoje responde como Conselheira fiscal do Instituto Ambiental Reluz.

02/04/2021

A escritora e jornalista Brendda Neves lança o seu primeiro livro de poemas Versos Inversos.

O livro Versos Inversos, da jornalista e poeta capixaba Brendda Neves, convida os leitores a brincarem com seus versos inversos, reversos, avessos e travessos do seu mundo interior onde eles se reconhecem e ganham voz. É um livro de poemas repleto de versinhos de amor. 

No formato A5, com 85 páginas, foi escrito durante um período de oito anos. (...) “Estes versos parecem não ter sentido são inversos ao que eu gostaria de revelar’’(...). Trecho do poema “Versos inversos”, que dá o título ao livro, editado de forma independente na plataforma do Clube de Autores, está em pré-venda nos sites da editora, Amazon, Livraria Cultura e no Google play. Pode ser encontrado nos formatos físico e digital (ePub e PDF). 

Brendda Neves instiga os leitores a navegarem em sua própria subjetividade, a reconhecerem nos versos os seus significados e também os seus efeitos inversos aos se identificarem nos poemas. Se você, leitor, ama poesia e suas múltiplas significações e interpretações o livro Versos Inversos vai de encontro ao que procura num poema. 


Dois poemas da obra Versos Inversos:

Versos inversos

Todos os versos de amor já foram escritos

As mais belas canções todos conhecem

Falta-me desvendar o que não foi dito

Encontrar as palavras que aquecem

Estes versos parecem não ter sentido

São inversos ao que eu gostaria de revelar

Falta-me coragem para lhe entregar

Tudo o que há ainda para ser dito

Único é o momento do reencontro

Revelar a paixão de minhas fantasias

Quando me perco em teus braços é que eu me encontro

Únicos são os versos que lhe faço

Um amor.... Uma vida apenas

Não é suficiente para cantar a arte de amar

Há versos ainda inacabados

Canções e sonetos a serem rabiscados


Florbela  

Por ser livre ela tem a alma florida

E por ser flor ela atrai borboletas

O que a faz florescer é o amor

No seu coração vibram todas as cores

Teu corpo é um jardim que precisa ser regado com carinho

Quando está triste caem pétalas dos seus olhos

Como a rosa ela tem espinho e pode ferir quem ela ama


Brendda dos Santos Neves Gotelip é poeta, natural de Linhares - ES, 25/01/1979. Bacharel em Comunicação Social - Jornalista, Faesa (1999-2003). Imortal de Letras pela Academia Internacional de Literatura Brasileira - AILB (n° 212). Membro da Associação Capixaba de Escritores - ACE. Ex-membro da Academia Jovem Espírito-santense de Letras - AJEL (cad. 28), cujo patrono foi Carlos Nicoletti Madeira. Editou, de forma independente, seu primeiro livro ‘Versos Inversos’. Possui reconhecimento de mérito por destacada participação do I Encontro Virtual Internacional “Dia Mundial da Palavra 2020”, Fraternidade Literária Rosa Blanca; destaque cultural 2020 do canal Foca na Cultura. Escreve soneto, quadra, tanka, tautograma, haicai e poetrix. Fez seu primeiro conto aos nove anos de idade e sua primeira poesia aos 15 - para participar de um concurso de poesias - na Escola Técnica Federal do Espírito Santo, unidade de Colatina/ES.

Contatos: 

Celular/WhatsApp: (27) 9 8805-9591 

E-mail: brenddaneves@gmail.com 

Instagram literário: @coraverblue 

Facebook: brenddaneves


Entrevista com Brendda Neves no Programa Sim para a Literatura.

14/03/2021

Pedro Sevylla de Juana, escritor e artista multifacetado.

Pedro Sevylla de Juana em visita a Marechal Floriano, ES, Brasil.

Pedro Sevylla de Juana é um amigo do Brasil e, especialmente, do Espírito Santo. E foi aqui, em terras capixabas, que ele construiu fortes laços de amizade e parcerias literária de forma que tornou-se Acadêmico Correspondente na Academia  Espírito-Santense de Letras (AEL) e possui várias publicações e traduções de obras de escritores capixabas, com destaque para a obra que traduziu para o castelhano, O Coração da Medusa, que está em fase de editoração. 


Encontro entre Pedro Sevylla de Juana, tradutor da obra O Coração da Medusa e da autora brasileira Renata Bomfim, na Praia de Camburi, Vitória, ES, Brasil. 

Durante a sua estada no Espírito Santo, Pedro Sevylla proferiu uma palestra na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e participou de tertúlias no Instituto Histórico e Geográfico do ES. Tive a alegria de levá-lo ao Morro da Fonte Grande, uma região Periférica da capital, Vitória, onde tenho muitos amigos e amigas. Lá pudemos tomar um café com a atleta Xuxa Capixaba e visitar pessoas da comunidade. Seu ultimo trabalho dedicado ao Brasil foi o livro bilíngue e ilustrado de poesias Brasil Sístoles e diástoles.

Encontro na UFES com o pesquisador Eduardo baunilha, a professora e escritora Ester Abreu Vieira de Oliveira, o gestor da Reserva natural Reluz Luiz Bittencourt e a escritora Renata Bomfim. 

Pedro Sevylla de Juana nasceu no dia 16 de março de 1946 em Valdepero, província de Palencia, na Espanha. Descendente de agricultores e artesãos, possui formação em publicidade, direção e marketing, desenvolvendo trabalhos no campo da arte como o desenho e a fotografia. Pedro trabalhou em variadas multinacionais e, atualmente, dedica-se por completo ao campo da escrita, sendo o autor de várias obras premiadas e do blog literário que leva o seu nome. (http://pedrosevylla.com/)

Desde muito jovem Pedro Sevylla demonstrou interesse pelo campo literário, dedicando especial atenção à poesia e a prosa poética. Possui uma extensa produção narrativa que abarca contos, romances e novelas e uma fortuna crítica que dá uma visão da abrangência de sua escrita. A tradução é outra faceta desse artista multifacetado que dedica ao Brasil variados estudos, traduzindo textos de escritores brasileiros de diferentes épocas. 

Pedro Sevylla é um ser humano inquieto. Ele gosta de conhecer pessoas,  lugares, Nov as culturas e essas experiências convergem para os seus textos de forma poética e lúdica. Já viveu parte de sua vida em Barcelona, Madri, Genebra, Paris, entre outros e, segundo ele, possui três paixões: "Vivir, leer y escribir". Suas obras estão publicadas em várias antologias internacionais. A profícua produção literária de Pedro Sevylla de Juana nos legou  personagens complexos como Estela e Lázaro, da obra Estela e Lázaro vertiginosamente, romance publicado em 2014, mas, entre essas múltiplas figuras destaca-se a de Cesáreo Gutiérrez Cortés, personagem nascido nas tramas da novela Ad Memoriam (2007), fruto da necessidade de sua filha, Alba Gutiérrez Peña, de realizar um trabalho sobre algum escritor para a aula de literatura. Alba, então, recordando-se do pai falecido, sobre o qual pouco sabia, decide empreender uma viagem em busca do Cesáreo pai e escritor. Pedro construiu, em um ensaio recente intitulado Cesáreo Gutiérrez Cortésartista y pensadorum diálogo com Cesáreo. 

Nesse estudo, deparamo-nos com a voz de Cesáreo Gutiérrez Cortés, realizando um largo esclarecimento sobre sua vida interior e motivações. A partir dos pressupostos bakhtinianos, podemos dizer que  Pedro Sevylla de Juana, enquanto consciência autoral, ideólogo da arquitetônica do texto, permite o escoamento de excedentes do texto e Cesáreo pode, então, se manifestar de forma mais livre expondo mais sobre a sua vida literária, aspectos e fatos que fugiram das publicações anteriores e revisando alguns fatos de sua existência, como a inconformidade com a sua morte prematura.A filha de Cesáreo, Alba Gutiérrez Peña, recorreu a um acervo de memórias para reconstituir o perfil inacabado de seu pai, as imagens das fotografias passaram a ganhar vida e a memória passou a ser completada com as tramas da imaginação. Um caderno deixado por Úrsula, sua mãe, seria a fonte de dados inéditos para a jovem, e esse achado lhe possibilita montar o quebra-cabeça, ou seja, o perfil desse personagem singular. A relação entre Pedro Sevylla e Cesáreo Gutiérrez é caleidoscópica e  reflete fragmentos das vidas de um e de outro em uma permuta possível apenas por meio do fenômeno literário, ou seja, da fabulação. 

O olhar de Úrsula para Cesário, somado ao de Alba, acrescido, ainda, do olhar de Pedro Sevylla, observador privilegiado, visto que é autor, descortina a existência de um personagem que nasce nas páginas do papel enquanto memória vida e o leitor, mesmo com essas informações, ainda se pergunta: mas, quem será, na realidade, Cesário Gutiérrez Cortés?

O linguista russo Mikhail Bakhtin fala sobre a importância de não se confundir a vida do escritor com  a do personagem, ou seja, o autor deve ser observado como uma instância que se imbrica numa vivência estética, ele luta por configurar o personagem como um OUTRO de si mesmo. Esse exercício de objetivar-se, como acontece nas autobiografias, por exemplo, exige um exercício de deslocamento no qual o autor olha de fora do mundo íntimo do personagem, de maneira que esse adquire um quantum significativo de autonomia, eis o que então que, no plano da existência,  possibilita o nascimento de um novo ser. Não poderia deixar de citar personagens que gozam de vida própria como os universais Hamlet, Dom Quixote, Madame Bovari, Drácula, Macunaíma, Dom Casmurro, Macabéa, Capitu, entre outros. Essa autonomia do personagem emana do campo estético que gera uma força a partir da qual autor e personagem dialogam intersubjetivamente, destacando aqui o diálogo como um campo de embate, nem sempre harmônico. 

Nesse diálogo franco com Pedro Sevylla, autor, Cesáreo Gutiéres, personagem, expressa algumas singularidades da sua existência literária, especialmente, como citado anteriormente, o descontentamento com a própria morte. Certa vez, a escritora nascida no Espírito Santo, Neida Lúcia Moraes, revelou que um personagem seu trazido à luz diretamente das páginas amareladas de documentos antigos, para as páginas de um romance histórico contemporâneo, recusava-se a morrer, inclusive visitando a autora em sonho, descontente com o fim trágico que lhe relegaria uma segunda morte. Enfim, é interessante observar que muitos desses seres de papel, animados pelo espírito do escritor, são insuflados a desejarem a eternidade, quem sabe pelo próprio escritor, de forma inconsciente, ou pelos leitores. Como não desejar que Diadorim e Riobaldo não fossem separados pela morte e ficassem juntos, mas como não reconhecer a perfeição dessa obra que nos brinda com uma dor essencial, visceral e necessária, permitindo que por meio da catarse, morramos junto com o jagunço que renasce um Riobaldo transformado, um homem pacífico que narra a sua história ao médico viajante, alter ego de Guimarães Rosa. É a partir desse esquema estético e ficcional que compreendo Cesário Gutiérres, um personagem inquieto, assim como o seu autor, mas livre para fazer as suas escolhas dentro desse universo de alteridade que é o da Literatura. 

Aproveito o momento no qual teço essas breves considerações sobre a escritura do amigo e tradutor Pedro Sevylla de Juana para lhe desejar um feliz aniversário e muitos anos de vida e de produção literária, celebrando os vínculos de amizade que a literatura e a pesquisa literária nos favorece. 

Santo Agostinho, entre as suas proposições filosóficas, nos fala sobre os "bons encontros", ou seja, aqueles encontros que aumentam a potência de (cri)ação dos sujeitos, que permitem a formação de singularidades sem medos e nem despotismos, enfim, é assim que agradeço ao Pedro ser esse amigo presente na minha vida há muitos anos e desejo a ele, a sua amada esposa Elvira e aos seus filhos e netos  muitas alegrias.

Renata Bomfim. Vitória, ES, Brasil, 14 de março de 2021

 

12/03/2021

Eles querem a glória (Renata Bomfim)

"Viva àqueles que perderam!
E para aqueles cujas naus de guerra naufragaram no oceano!
E para aqueles que se afogaram no oceano!
E para todos os generais derrotados em suas empresas, e todos os heróis abatidos!" (Walt Whitman)

Eles querem a glória, fortuna,
reconhecimento.
Anseiam o triunfo.
Derramam sangue nas guerras,
carregam, sem culpa, os despojos.

Eles querem a glória, fortuna,
reconhecimento .
Querem sempre mais.
Querem a posse da terra e da água,
Mas rejeitam as agruras e intempéries
do tempo que passa.
Desafiam Deus
julgando serem eternos.

Benditos àqueles que caem
os que cedem,
também aqueles que deixam para lá
as mesquinharias da vida.
Benditos os que reconhecem as perdas
e não lamentam 
e agradecem 
a posse daquilo ninguém pode usurpar.
Benditos os simples e os sem patentes,
pois, ninguém jamais lhes roubará a alma.

Bendito aquele que ama,
Bendito os que alimentam os pássaros e 
regam as plantas.
Benditos os que plantam árvores.
Bendito os que conhecem a gradeza 
da contemplação da vida
que não passa para aquele que enxerga
inomináveis. 


O Estrangeiro de Albert Camus: Filosofia e linguagem (Renata Bomfim)


Renata Bomfim 

XXXXXA escrita de Albert Camus (1913- 1960) se inscreve numa época de grande conflito e sofrimento mundial, especialmente para a Europa que estava devastada pela guerra. O romance O Estrangeiro foi publicado em 1942 e tem como cenário a cidade de Argel, terra natal do escritor, lugar onde viveu durante alguns anos e onde começou a carreira como jornalista.
XXXXX Camus participou diretamente dos acontecimentos de seu tempo e, por meio da escrita, teceu uma ácida critica social ao século XX. Filosofia e linguagem se interpenetram e complementam em O estrangeiro, cunhando uma visão de mundo fundada no absurdo e no sentimento trágico da vida, visão geradora de desconfiança intensa para com aqueles que constroem e lutam para perpetuar os sistemas de valores. O temperamento de Camus e suas leituras de Nietzsche nutriram as suas suspeitas com relação a toda moral tradicional. De forma inquietante o escritor se entregada ao questionamento: como o homem deveria se conduzir em geral e, durante os anos obscuros, quando não acredita nem em Deus e nem na razão?(TODD, acesso em 23 nov. 2006).
XXXXX A obra camusiana apresenta e descreve o absurdo como algo da condição humana. Em Explicações de O Estrangeiro”, Sartre já afirmava que: “Se somos capazes de recusar a ajuda enganosa das religiões ou das filosofias existenciais, restam-nos algumas evidências essenciais, o mundo é um caos, [...] não há dia seguinte, visto que se morre”. Para Sartre, Camus tinha um certo gênero de sinistro solar, ordenado, cerimonioso e deslocado”, que anunciava “um clássico, um mediterrânico”, que diferiria desse “outro mediterrânico” em muitos aspectos, não lembrando tanto um “fenomenólogo ou um existencialista dinamarquês” (SARTRE, 1968, p.89-90).
XXXXX Já Boudon (1996, p. 1), ressaltava que O estrangeiro fitava a narrativa, “a partir do olhar do artista sobre o existir velado na sua estrangeidade, estado difuso, compacto, encoberto”, absurdo que pode ser percebido e descrito sob vários aspectos da obra, especialmente, no silêncio. Uma ausência propositada da fala, magistralmente trabalhada por Camus, põe Meursault, protagonista principal do romance, contra a convenção. Holanda (1992, p. 42) em Criação e Crítica afirma que “a linguagem contém seu poder de liberdade, de subversão do real, quando uma palavra imprescindível, um acordo inesperado, nos acorda a consciência". Para essa critica, “o primeiro passo de Meursault é o de tirar da palavra o ‘phathos’, termo grego que designa sentimentos, estados da alma, cujo peso impede uma relação mais livre com o mundo”.
XXXX O personagem Meursault surge como representante do absurdo camusiano que, para Sartre (1968, p. 90), “nascerá da impotência que temos de pensar com os nossos conceitos e com as nossas palavras os acontecimentos do mundo". O homem absurdo camusiano não vive sob os paradigmas da razão e nem da moral estabelecidas, o que pode ser percebido na abertura do livro, quando nos deparamos com o episódio da morte da mãe de Meursault: “Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem” (CAMUS, 1957, p. 9). Percebe-se que a linguagem é seca, fria, concisa, e há a ausência de emoção, como se a história fosse a de outro, e não a dele. Noutra passagem, desta vez no ônibus, a caminho do asilo, Meursault pensa que “poderia vê-la rápido” [refere-se à mãe morta], para poder “aproveitar os dois dias de folga que havia conseguido”. Ele dorme durante todo o trajeto e, ao chegar no asilo, quando perguntado se gostaria de ver a mãe, responde que não, a resposta do personagem suscita a réplica por parte de seu interlocutor, “por que não?”, e ele responde, “não sei”.
XXXXX Assim, palavras como não sei, tanto faz, nada comentei, disse que sim, mas tanto fazia, fazem parte do vocabulário de Meursault. Sartre (1968, p. 98) diz que “um mal comum a muitos escritores contemporâneos é a obsessão do silêncio”. O silêncio na obra de Camus reflete “a demasiada desconfiança diante do signo lingüístico”, Para Holanda (1992, 68), não podendo calar a sociedade, Meursault cala a si mesmo, e seu comportamento é o de quem “tendo perdido a adesão ao que as palavras vinculam, perdeu aí, a significação do mundo até então seu. Seu silêncio assinala desapropriação do mundo, desinteresse.
XXXXX Meursault reproduz em outros espaços e em diferentes situações a indiferença com que tratou a morte da mãe, por exemplo, quando é convidado por seu chefe para trabalhar em Paris, responde “que sim, mas que, no fundo tanto fazia”. Pois afinal, não tinha razões para mudar a sua vida (CAMUS, 1957 p. 46). Faltava a Meursault, uma razão, um sentido na vida. Corrobora essa afirmação a passagem em que a sua namorada, Maria, lhe perguntou se queria se casar com ela, e novamente a indiferença de Meursault se pronunciou, para ele “tanto fazia” casar ou não, “isso nada queria dizer”.Há também por parte desse personagem a banalização das instituições, das leis, a postura de Meursault aponta para um desmoronamento de valores que norteiam a vida social dos indivíduos. Maria lhe disse que “casamento é ciosa séria”, mas ele nada respondeu preferindo calar-se. Para Holanda (1992, p42) “O homem é prisioneiro de sua ordem social, [...] e também de sua linguagem. O silêncio em Meursault vai contra a convenção que pouco permite ao indivíduo que a sociedade paralisa a partir da linguagem que põe a sua disposição.
XXXXX Quanto ao crime cometido por Meursault, reproduz-se a indiferença, o personagem tira a vida de um árabe em circunstâncias repletas de subjetividade. Assassino circunstancial, Meursault atribui a culpa por seu ato criminoso ao sol e em várias passagens que cercam o acontecido ele atribui vinculação ao sol: “O sol estava agora esmagador”, “Era o mesmo brilho vermelho”, “sentia a testa inchar sob o sol”, “eu estava só [...] todo corpo ao sol”, “era o mesmo sol do dia em que enterrara mamãe”, “o gatilho cedeu”, “sacudi o suor e o sol”. Acerca da presença do sol na escrita camusiana, Sartre (1968, p. 99) escreve que “O estrangeiro oferece uma série de opiniões luminosas, [e que o] verão perpétuo de Argel é a sua estação preferida, a noite quase não entra no seu universo”.
XXXXX A narrativa nos mostra que as noções de bem e de mal parecem indiferentes para Meursault que, após cometer o assassinato, demonstra não tem noção da gravidade de seu ato, e que cometera um crime que, mais tarde, o condenará a pena de morte. Meursault não tem o hábito de refletir e nem de questionar, ele está entregue a própria sorte, ao acaso. O texto nos mostra que na prisão, quando este foi interrogado, por variadas vezes acreditou que seu caso “era muito simples”, mas seu advogado lhe advertia apontando o contrário, que o seu caso “era delicado”. O descaso para com a morte da mãe lhe pesou no julgamento, até com mais força do que a acusação de assassinato:
XXXXX O promotor voltou-se, então, para o júri e declarou:
__ O mesmo homem que, no dia seguinte à morte de sua mãe, se entrega a mais vergonhosa devassidão, matou por motivos fúteis e para liquidar um inqualificável caso de costumes.
[o advogado rebate]
__ Afinal, ele é acusado de ter enterrado a mãe ou de matar um homem? (CAMUS, 1957, p. 98).
XXXXX Meses de cárcere promoveram algumas mudanças em Meursalt, privado de sua liberdade ele passou a fazer algumas reflexões, o texto nos mostra que, no banco dos réus as vezes o personagem “ficava tentado a intervir”, mas o seu advogado lhe dizia: “cale-se, é melhor para o seu caso”. O personagem ressalta que acertaram seu destino “sem pedir opinião”, e que às vezes “tinha vontade de interromper todo mundo e dizer: mas afinal, quem é o acusado? É importante ser o acusado. E tenho algo a dizer” (CAMUS, 1957, p. 100). Mas logo o desejo esvaziava-se e ele percebia que “nada tinha a dizer”.
XXXXX Camus tece uma crítica sobre o arbitrário sistema da justiça quando, na fala do promotor, apesar do silêncio, Meursault tornou-se réu das próprias palavras:
__E aqui está meus senhores- disse o promotor. [...] não se trata de um crime comum, de um ato impensado que os senhores poderiam achar atenuados pelas circunstâncias, Este homem, senhores, [...] é inteligente. Ouviram-no falar, não é verdade? Sabe responder. Conhece o valor das palavras. (CAMUS, p. 101-102).
XXXXX Ao final da narrativa, Meursault “esvaziado de esperança”, entrega-se à morte. Para não se sentir só o personagem deseja que no dia de sua execução, “muitos expectadores” o recebam com “gritos de ódio” e o assistam morrer (CAMUS, p, 122). Segundo Holanda (1992, p. 80), “o que Camus intenta certamente, é fazer com que o leitor partilhe sua visão de sociedade, ele busca traduzir o absurdo da realidade social. Stuar Hall (2004, p.9), no livro A identidade cultural na pós- modernidade, aponta para as transformações que marcaram a modernidade, transformações estas que estão mudando também as nossas identidades pessoais e abalando “a idéias que temos de nós próprios como sujeitos integrados”. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito.[...] e constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo.
XXXXX Em 1940, com o Estrangeiro já escrito, Camus escreveu: “Não sou daqui, mas também não sou do outro lado. E o mundo não é senão uma paisagem desconhecida, onde o coração já não tem apoio” e o escritor pergunta: “Estrangeiro, quem pode saber o que esse nome significa?” e desabafa: “Estrangeiro - confessar a mim mesmo que tudo me é estrangeiro” (HOLANDA, 1992, p. 78).

Referências:

- HOLANDA, Lourival. Sob o signo do silêncio. São Paulo: Editora da Universidade Federal de São Paulo, 1992.
- CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Tradução de Valerie Rumjanek. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1957.
- TOOD, Olivier. Que Absurdo? Texto disponibilizado em: <
%20.htm">http://www.rubedo.psc.br/Artlivro/absurdo>%20.htm. Acesso em 23 nov. 2006.
- BOUDOU, Telma Martins. A construção do olhar. Anais ABRALIC, 1996.
- HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2004.

08/03/2021

Homenagem as Bordadeiras Reluz no Dia Internacional da Mulher

 


Em 2020, um grupo de mulheres se reuniu para bordar, era janeiro e entramos o anos entre agulhas e linhas coloridas tecendo  devires, sonhos e esperanças. Não sabíamos que a Pandemia alcançaria níveis tão ameaçadores e, por força da situação, os nossos encontros presenciais passaram a acontecer pela internet. 

O aprendizado da técnica do bordado, aliado à histórias, contos e troca de experiências foram fundamentais para o enfrentamento de um ano de incertezas e solidão por conta do necessário afastamento social.

O que aprendi e aprendo com essas mulheres maravilhosas?

Há vinte anos atuando como arteterapeuta, sempre me surpreendeu o potencial dos grupos, a força coletiva que nos impulsiona e ajuda a superar dificuldades. Mas, esse grupo de bordadeiras aconteceu em um momento social tão tenebroso da pandemia do COVID-19, marcado por perdas, medo e insegurança, chegou como um sol, enchendo a minha vida de alegrias e de boas companhias.

Meninas, nesse Dia Internacional das Mulheres eu só queria dizer o quanto vocês são especiais!
Beijos
Renata

06/03/2021

Escritora Giovana Schneider lança o romance "Paralelos da vida".

 A vida é cheia de altos e baixos. São momentos que se tornam cruciais para o sujeito repensar quem é, de onde vem e para onde vai. Alguns episódios podem ser por demais marcantes. É o caso especialmente dos ritos de passagem, como casamento, nascimento de um filho, aposentadoria. Há, inclusive, quem pontue sua trajetória por estes ritos: me alfabetizei aos sete, aprendi a andar de bicicleta aos oito, meu primeiro amor foi aos 16, passei no vestibular aos 17, casei-me aos 36, tive filhos com 40, e assim sucessivamente. 

Giovana Schneider, no “Paralelo da vida”, escolheu uma experiência de quase morte para assinalar o antes e depois de sua protagonista. Uma escolha, eu diria, bastante ousada. Além de ser um tema tabu, não é algo com vasto material disponível para pesquisa. Acertadamente, Giovana trilhou a senda da intuição para ir desdobrando os acontecimentos na vida de Mayara. Por demasiada humana, trata-se de uma narrativa linear e deliciosamente cotidiana. Os diálogos são tão naturais que é possível se sentir junto dos personagens, no quarto de hospital, na cafeteria da esquina, ou no sofá da sala enquanto o “dogo” corre pelas pernas, para, depois, cansado, aninhar-se no nosso colo. É possível sentir toda dor de determinado personagem, bem como a alegria de outro; e também o torpor e sensação de confusão que outro personagem sente diante de uma vida que se apresenta às vezes tão sem nexo ou sentido. 

E nesse embalo despretensioso, enquanto vamos saboreando a história, também somos convidados a refletir sobre nossa própria vida. Como eu agiria nesta situação? Como eu me sentiria diante de tal acontecimento? O que eu faria caso tivesse que passar por tal experiência? Isso tudo faz de “No paralelo da vida” uma obra de leitura singular. A história pede a companhia um bom chá, café ou taça de vinho. É obra para degustar, muito embora ela nos tome, vira e mexe, de assalto, e exija uma leitura voraz, ansiosa. A mim, “No paralelo da vida” impactou. Mexeu comigo de diversas formas. Espero que faça o mesmo com você. Boa leitura!

Sandra Veroneze
Editora 

Adquira o  livro, "No paralelo da vida" no site da editora Pragmatha, pelo WhatsApp (27) 9 996-76975 ou pelo e-mail: vaninhaschneider.68@gmail.com
 

PDF da obra Frauta Agreste, de Maria Antonieta Tatagiba.

Olá estimados leitores(as) e estudiosos(as) da Literatura produzida por mulheres, o NEPLES/ UFES publicou a obra Frauta Agreste, de Maria Antonieta Tatagiba, primeira mulher a publicar um livro de poesias no Espírito Santo. Baixe aqui o PDF da obra.