10/11/2022

O MOSIACO DA MEMÓRIA PELO CALEIDOSCÓPIO DO DELÍRIO. Um rio que corre em mim, livro de poemas de Toninho Ávila, o Lobo Bruxo de São João Del Rey. Por Francis Kurkievicz


[...]

Sail on by
Your time has come to shine
All your dreams are on their way
See how they shine
Oh if you need a friend
I'm sailing right behind

Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind.

By Paul Simon


Não PRETENDO aqui realizar uma RESENHA em termos clássicos, isto é, CANÔNICOS, deixo esta TAREFA clínica aos especialistas, que possuem a HABILIDADE de manipularem os instrumentos do DISCURSO literário de maneira ANALÍTICA, eficiente, profunda; faço aqui apenas um RELATO de IMPRESSÂO de leitura, bastante impreciso e divagante certamente, é mais um REGISTRO do impacto que a OBRA deste artista multimídia TONINHO ÁVILA exerceu em meu espírito, as imagens e as referências que seus versos invocaram em mim, quando eu NADAVA nas águas do seu RIO cósmico.

O livro O RIO QUE CORRE EM MIM, é a décima primeira empreitada lírica de Toninho Ávila e a quinta obra publicada por esta DESTEMIDA editora paulista: PATUÁ, onde os livros são sempre um amuleto contra a ignorância e o negacionismo. O volume possui 20 poemas, diagramados de forma inusitada [versos fragmentados, alinhamento centralizado, palavras-chaves em CAIXA ALTA], distribuídos em 256 páginas e acrescida com 23 fotos, pinturas e ilustrações do autor, além de uma apresentação de Maya FALKS e um prefácio de DOMINGOS Sávio Dias FERREIRA.

Pouco sei do seu autor, apenas que somos colegas PUBLICADOS na mesma editora e frequentadores do mesmo GRUPO que a editora congrega numa certa REDE social. Mas ESPIANDO seu álbum de fotografias, ilustrações, pinturas nesta rede, é ADMIRÁVEL constatar a riqueza que foi e tem sido a VIDA desta artista mineiro, já septuagenário. Foi EXPRESSANDO esta tímida admiração que o AUTOR me ofereceu um EXEMPLAR de sua obra e deu no que deu: a presente, e sem defesa, PSEUDO-RESENHA.


O livro em sua totalidade, me PARECE um único poema escrito na intensidade do DELÍRIO poético, um delírio, afirme-se, CONSCIENTE, não febril, mas AFETADO pelas impressões sensíveis que geram REFLEXÕES contínuas e atravessadas de MEMÓRIA, saudades, referências musicais, ideias, desejos, SONHOS, pesadelos, realidades assustadoras; onde cada poema ULTRAPASSA a linha do PENSAMENTO, criando dissonâncias SILENCIOSAS, pluralidades de SENTIDOS, impactos EMOCIONAIS, verdades EXPLOSIVAS, lirismos INGÊNUOS, crônicas do INCOSNCIENTE no fluxo da INSANIDADE, tudo articulado numa BRUXARIA inquietante, formando um MOSAICO CALEIDOSCÓPICO DELIRANTE e LÚDICO ao gosto de WOODSTOCK. Aqui o EU LÍRICO “é um RUÍDO do PASSADO”, uma TRAVESSIA onde o poeta “TRANSGRIDE o TEMA, o cânone, o silêncio”, o POETA Toninho Ávila “encarna em sua POESIA seu ETERNO MANTRA que não quer CALAR”, tal como a IMAGINAÇÃO exaltada de uma criança experimentando o INSÓLITO mundo dos adultos, sonhando realidades do PASSADO urdidas no ESPAÇO-TEMPO do presente, uma viagem CÓSMICA de quem viveu tudo e intensamente sem PERDER o MENINO que fundou o ESPÍRITO arrebatado do POETA mineiro.

O livro deste LOBO BRUXO é uma obra que deseja se comunicar com o leitor não exatamente pelas palavras, mas através de uma série de CORES, sensações, AFECÇÕES, instantes únicos e irrepetíveis, na arquitetura de um MOSAICO caleidoscópico intenso, o livro é um convite a visitação do ESPÌRITO do POETA, e não um PASSEIO por suas palavras, pois quando DITO o vivido, torna-se BANAL e SUPÉRFLUO. Nos tempos do AGORA não é o DOMÍNIO da palavra e da linguagem que fazem do POETA o SER que ele É, mas o domínio da IMAGINAÇÃO, a regência do SONHO, o QUESTIONAMENTO incessante, MONÓLOGO interior abissal, a posse do DELÍRIO, o ENTUSIASMO vital e orgânico da EXISTÊNCIA, tal como já nos alertou Fernando PESSOA.

O RIO QUE CORRE EM MIM é um rio sem NOME, este RIO não é o deus cansado e poluído GANGES da Índia, não é o MITO grego LETES, tão pouco o afeto poético e português do TEJO; o RIO que corre em mim é a própria VIDA em sua expressão mais lúdica, mais lúcida, mais úmida possível; e o poeta Toninho Ávila - um velho lobo BRUXO solitário - é este heraclitiano observador mirando com seu terceiro olho as margens do seu RIO interior, EXPERIMENTANDO em sua mente as dicotomias, a DIALÉTICA, os paradoxos, da existência; REVISITANDO o céu & o inferno de sua própria PERCEPÇÃO da realidade e de sua MEMÓRIA, pois a POESIA é a pureza de seu rio interior, o CRISOL que depura o coração pela linguagem e pela palavra poética. O RIO QUE CORRE EM MIM é um livro onde o valor POÉTICO não está nos versos, na linguagem e nem nas METÁFORAS, mas no invisível campo do coração daqueles que se permitem empreender a JORNADA existencial com coragem, tal como o poeta da contracultura Toninho ÀVILA tem realizado.

segue

O POETA

No delírio SOLITÁRIO

E em sua

Militância SILENCIOSA

Com a sua

POESIA MALDITA

Tentando alertar

A ILUSÃO

E no

Caminho sem VOLTA

Seus VERSOS

Lúdicos

Abraçam

Os filhos do VENTO

No eixo

Do risco e do TRAÇO

No CHEIRO da TINTA

A COR

Se faz VIDA.

_____________________

FRANCIS KURKIEVICZ é poeta, publicou pela Editora Patuá o livro de poemas B869.1 K96, vez ou outra se aventura na tradução, entrevista poetas como se estivesse sonhando consigo mesmo, outra vezes arisca uma resenha nada canônica.

24/10/2022

Wagner Silva Gomes lança o poemário Crespidão tipográfica na barbearia rua d’África


Crespidão Tipográfica na Barbearia Rua d’África capta a subjetividade lírica do corre de trabalhadores (as) agentes cultuais e seus filhos (as) que transitam por capítulos-lugares como a Esquina da Olho de Hórus com a Moca, onde recebem acolhida no Salão dos irmãos Marighella e Mano Brown. Das “montanhas/ de abrir o rio/, escavadas/ de janelas/”, “montes escondidos/ nas janelas que dão/ pra Modrian”, há caminhos e olhadas em espelhos, sábias palavras de haicais, que muitas das vezes são puxões de orelha, mantras para mudanças de atitude, como em “tomasse uma moca/ e o ocaso da oca gigante/ se punha no Mon”. Nessa barbearia, ori (cabeça) e ki (saudação) revelam os mistérios da ancestralidade iorubá adaptados à resistência das periferias, ao lidar com influências ocidentais e orientais. Há um clima ancestral refrescante na bala halls vendida pela senhora. Há Jaspion na pedra de Jaspe. Como? Você verá.


Montanha de gíria

 Os golpes de dialetos

que vadeiam nos rios

de nossos lábios

engolem a cidade

com uma lufada

de gírias. As montanhas 

de abrir o rio,

escavadas

de janelas, 

se dão sobre

os rastros 

das beiradas.

Do tanto de 

ser da água,

insurgimos

quase, 

feitos

desgaste.

 

 

Tem halls na Fátima

 

A rua empedrouçada

 

pela manta de um

bombeiro é a manta da

terra.

 

 

Li ão nos morros

 

Na paisagem de Hélio, 

ele-o-centro,

caibo eu, devorador

 

de portas, tetos e

paredes. Escondo-me

por detrás das pálpebras

cerradas dos montes escondidos nas janelas

que dão

pra Modrian. 



Minibiografia

Wagner Silva Gomes (Cariacica – ES, 1987) é licenciado em Letras-Português pela UFES, pós-graduado em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Faculdade Estácio de Sá e mestrando em Letras pela UFES. É poeta, romancista, professor, educador social e é colunista do blogletras.com. Alguns dos livros publicados são os romances Classe Média Baixa (Editora Pedregulho, 2014), Nix: Microfone por Tubos de Ensaio (Editora Pedregulho, 2018); Moço Velho ou Um Areal do Belo (Amazon, 2020), Coroa para Três Rainhas (Amazon, 2020), Qual é o Esquema da Parada (Editora Pedregulho, 2020) . Foi integrante do programa de rádio TEDESOM (Teatro dos Desoprimidos – Rádio Universitária, UFES) interpretando o papel de Malcom-X. 

16/10/2022

O ESPLENDOR DE SIMULTÂNEOS INCÊNDIOS Poemas do livro: Transfigurar es un país que amas - de Mariela Cordero – Venezuela. Tradução - Francis Kurkievicz*

Mariela Cordero

Mariela Cordero (1985) é advogada, poeta, escritora, tradutora e artista visual. Sua poesia foi publicada em várias antologias internacionais. Recebeu algumas distinções, entre elas: terceiro Prêmio de Poesia ALEJANDRA PIZARNIK, Argentina (2014). Primeiro prêmio no II Concurso Ibero-Americano de poesia EULER GRANDA, Equador (2015). Segundo prémio de poesia Concorso Letterario Internazionale bilingue Tracceperlameta Edizioni, Itália (2015) Prémio Micropoemas em castelhano do III concurso TRANSPalabr@rt/2015. Primeiro Lugar no Concurso Internacional de poesia #AniversarioPoetasHispanos - Menção qualidade literária, Espanha (2016). Publicou os poemas: “El Cuerpo De La Duda”, Editorial Publicarte, Caracas, Venezuela (2013) e “Transfigurar Es Un País Que Amas”, Editora duas Ilhas, Miami, Estados Unidos (2020). Seus poemas já foram traduzidos para hindi, tcheco, sérvio, shona, uzbeque, romeno, macedônio, coreano, hebraico, bengali, inglês, árabe, chinês, russo e polonês. Atualmente coordena as seções #PoesíaVenezolana e #PoetasdelMundo na Revista aberta de poesia Poémame (https://revista.poemame.com/ - Espanha). Seus poemas estão sendo traduzidos e publicados pela primeira vez ao português por Francis Kurkievicz.


A MÃO NA SOMBRA


Há uma mão na sombra

desprovida de clemência

excluída do império das carícias

ignora o ofício

de construir vizinhanças ou orações.

 

Esta mão

irrompe

com tremor de matança,

seus movimentos maculam

as ondas

do corpo assaltado.

 

Dilacera com precisão

a pele submissa,

 

sacramenta a ferida

e risca uma linha

com seu dedo de aço.

 

Deseja

Apenas, entregar-te

a cicatriz.

 

OS TRAÇOS PRESSENTIDOS


Todos os rostos se perdem

na viagem,

a memória faminta

aspira mantê-los

mas os traços e os sinais

se diluem na maré da perplexidade.

 

Em meio à multidão floresce

imediato

como um golpe

um rosto único

desconhecido

que se impõe

 

e o desestabiliza

até ser trespassado

pela felicidade fulminante

da busca finda.

 

O rosto amado

reúne

todos os traços pressentidos.

 


OS OLHOS INESCRUTÁVEIS


Os olhos inescrutáveis

que se ocultam

dentro das galopantes cidades de aço,

estão atrás

de milhares de outros olhos sonâmbulos.

 

São narcóticos indomáveis

que mutilam o desamparo

apaziguam alaridos

e vertem carícias.

Quando afloram

te tomam de assalto.

 

Sabes

Que morrerás

invocando-os.

 

DOIS INCÊNDIOS


O esplendor de simultâneos incêndios,

avista-se em duas noites

que de tanto respirar sincrônico

bailam juntas

embriagadas,

se entrelaçam, tornando-se único.

 

Dois corpos se desprendem

daquela noite em chamas,

emergem

como tochas urgentes

lambendo a escuridão.

 

Precipitam-se

um

sobre

o outro,

multiplicando seu calor

até se assemelharem ao raio,

embelezadas

 

ardem até que o sol

lhes devorem.



ILHA

 

Distante,

forjada de esquecimentos

sitiada

por águas famintas

solitária

 

areia cálida.

 

Uma ilha

que calcina se parece com a tua

boca.




*Francis Kurkievicz é poeta, reside em Vitória/ES. Publicou pela editora Patuá o livro de poemas B869.1 k96, em 2021. Colabora com poemas, entrevistas e traduções em diversas revistas digitais.

12/10/2022

O FEITIÇO DE JEANNE BILICH EM ZEITGEIST: O ESPÍRITO DO TEMPO (Prof. Dra. Renata Bomfim)

Jeanne Bilich (1948-2022).

Jeanne Bilich completaria 74 anos no dia 12 de outubro de 2022. A escritora, que faleceu no dia 27 de março de 2022, deixou o seu nome gravado no jornalismo capixaba, pelo qual ela é conhecida como grande “Dama”. É sabido que a hierarquia de gênero faz parte da história de muitas profissões, inclusive do jornalismo. A determinação e a competência de Jeanne Bilich contribuíram para a feminilização dessa profissão majoritariamente exercida por homens, na sua época. 

As conquistas da escritora também se estenderam para o campo da literatura e, em 2013, ela foi eleita para a cadeira nº 7 da Academia Espírito-santense de Letras. Com uma rica obra narrativa, Jeanne possui dois livros de crônicas, Zeitgeist – O Espírito do Tempo (2009) e Viajantes da nave Tempo (2013). Na crônica intitulada "Transgressão às regras da boa crônica”, de Zeitgeist, ficamos sabendo sobre a existência dos “Cadernos de Anotar Vida”, ou seja, uma coletânea que começou a ser escrita em 1972 e que, na época, já contava com “26 volumosos tomos”, “hemorragias gráficas" que, segundo declaração da autora, a impulsionaram para a pesquisa e, mais do que instrumentos para “mapear a alma” “serviam para “diluir raiva, frustração, mágoas ou ressentimentos”. Pouco sei sobre esses “Cadernos de Anotar Vida” além do que está narrado na referida crônica, mas, na condição de pesquisadora e admiradora da obra de Jeanne, confesso que gostaria de saber sobre o seu destino e serão publicados. Certamente, esse material enriquecerá o conhecimento sobre a sua produção.

A obra Zeitgeist: o Espírito do tempo reúne 56 crônicas publicadas no Caderno Dois do Jornal A Gazeta, entre os anos de 2007 e 2009. No prefácio, o escritor e editor Sidemberg Rodrigues adverte ao leitor que “é difícil passar incólume pelas traiçoeiras letras de Jeanne Bilich”, pois elas são “portais” que combatem “os males da limitadora condição humana”. Concordo que cada crônica de Zeitgeist é um “portal”, por onde o leitor pode, de acordo com o seu desejo, penetrar mais profundamente. Observo que há, ainda, na obra, uma profusão de elementos que remetem para o sutil, espiritual e, por que não, para o esotérico? Não é à toa que a escritora, entre os pensadores com quem dialoga, insere Carl Gustav Jung, autor que fez uma cartografia singular da psique humana. Entre esses variados portais, um muito me interessa, e ele tem como seu guardião um gato persa de fina estirpe, Nietzsche, “nigerissimo”, “com olhos de farol, sábio e reflexivo amigo”. Penetrar nesse portal é encontrar Jeanne trabalhando, no cadinho das emoções, seus sentimentos mais íntimos, sua visão de mundo.

Quando penetramos no campo dos símbolos e da magia, assim como guiados pela deusa Hécate, nos surpreendemos com a experimentação de um outro tempo, um tempo cíclico, no qual “já fomos essas crianças de hoje, Depois? Rebeldes adolescentes, desafiantes jovens, adultos responsáveis; e, na maturidade, arcamos com pesados fardos. Imersos no incessante “contínuum” das elipticas”. A crônica “O círculo do ouroboros” revela que a escritora havia completado 60 anos, logo após prestar o seu "particularismo Vestibular para a Velhice". Ela dialoga livremente com o leitor alertando-o que “é de uma franqueza cortante. [...] Bela Virtude, grave defeito”, e que recusou “botox”, “lipo”, “silicone”, etc., preferindo observar “a geografia que se desenha no seu rosto e corpo”. Essa escolha de vida, na contramão das cobranças sociais a que comumente estão sujeitas as mulheres, a levou a um momento sublime, quando percebeu que os dedos da “estreante velha” se entrelaçam amorosamente aos da “menina Jeanne”, “isenta de culpas, mágoas ou ressentimentos" e que “À alma felina,- independente e libertária - amalgamou-se à leveza dos beija-flores que fazem sorrir as orquídeas na janela”. Acredito que muito da magia da obra de Jeanne Bilich está na conjugação entre consciência histórica, capacidade de maravilhamento e contentamento nas coisas simples, algo possível apenas às almas sensíveis. A escritora descansou em paz, entre as pessoas que lhe eram queridas e confessa, na obra, que durante a vida amealhou um tesouro: “amigos diletos, paredes revestidas de livros, o gatinho Nietzsche e você, fiel leitor dominical".

Profa. Dra. Renata Bomfim.

*Texto publicado originalmente no Caderno de Cultura Pensar, do Jornal A Gazeta. (fonte)

10/10/2022

Discurso de posse da escritora Renata Bomfim na AFESL (11/11/2010)

 


     Nesta noite, 11 de novembro de 2010, dia em que esta veneranda instituição, a Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, amorosamente, abre para mim as suas portas, eu os saúdo, assim como a tudo mais que é vivo e respira: as árvores, as flores, os animais (especialmente os gatos), as pedras, as nuvens e, reverentemente, presto homenagem a todas as confreiras que por aqui passaram, deixando além da saudade, importantes contribuições literárias, que ninguém mais poderia dar.
     O reconhecimento público de uma mulher como escritora é uma vitória para todas as mulheres. Uma visada histórica revela que, desde os primórdios da civilização, o silêncio imposto ao discurso feminino por meios de estratégias como a violência cotidianizada e a censura, foi amplamente ocupado pelo discurso masculino. Milhares de mulheres pagaram um alto preço pela liberdade de expressão que desfrutamos hoje, algumas pagaram com a própria vida.
   Este encontro é uma celebração das conquistas alcançadas pelas mulheres que nos antecederam, e a oportunidade de fazermos o bom uso da palavra para construirmos uma nova história, denunciando a violência que ainda cala milhares de mulheres. 
O discurso feminino ainda incomoda e ameaça, mas é certo que avançamos e estou certa que avançaremos ainda mais, até alcançarmos o diálogo com nossos pares, até que dancemos  juntos, celebrando a superação da dicotomia que transformou a todos nós em ilhas.
     A opressão perpetrada à mulher remonta os primórdios da civilização. Na Grécia considerava-se que a mulher não tinha capacidade de Philia, ou seja, da amizade que nasce do amor. Sua função era reproduzir e cuidar dos afazeres da casa. Foi nesse contexto de repressão e injustiça que surgiu Safo, primeira poetisa conhecida, e criou uma escola de formação intelectual para mulheres, Safo chamava suas discípulas de hetairai, ou seja, amigas.
     No império Romano assistimos ao nascimento do Direito e a criação do código penal que legitimou a inferioridade feminina, reforçando a assimetria entre homens e mulheres. Do mundo hebraico nos chegam as histórias de Moisés, que proibiu o culto ao feminino e à natureza por meio das tábuas da lei, e de Eva, mulher que cedeu aos apelos do demônio privando a humanidade do paraíso.
     No Renascimento, a Ciência se consolidou respaldado no pressuposto de que a mulher se fazia bruxa pela sua natureza, ou seja, pelo seu sexo, considerado impuro e maléfico. O Malleus Maleficarum, definiu a mulher como “mental e intelectualmente” inferior e elas perderiam, ainda, nos séculos subsequentes, os direitos sobre os filhos, os bens e sobre qualquer tipo de produção intelectual, que era assinada pelo pai, marido ou irmão. No seculo XIX foi considerada a histérica e, no século XX “ascendeu”, se tornando “ a rainha do lar”, mas apenas do lar...
     Há uma dificuldade em se recuperar, historicamente, os traços da resistência feminina, mas ela sempre existiu, mesmo com a exclusão perpetrada pelo direito, a depreciação sofrida com a Ciência arrogante e a condenação pela religião.
     O pesquisador Francisco Aurélio Ribeiro nos faz saber que, no Espírito Santo, “a questão da literatura feita por mulheres deve ser vista juntamente com a marginalização a que estas foram submetidas pela sociedade machista e falocrata até muito recentemente”. E foi nesse Estado “machista e falocrata”, mais especificamente em Vitória, que Sylvia Meirelles Da Silva Santos (1889- 1990), patrona da cadeira de nº 16, liderou o movimento pelo voto feminino, presidindo a Federação Espírito-Santense pelo Progresso Feminino, e defendendo o direito e o dever do trabalho da mulher. Dona Santinha, como Silvia era carinhosamente chamada, foi professora, poeta, declamadora e ativista social e cultural. Na década de 20, ela emocionou-se ao saber que Adalgisa Fonseca, havia sido a primeira mulher a laurear-se me medicina no ES, prontamente, organizou um jantar de confraternização em sua homenagem.
     Que responsabilidade a minha, amigos e amigas, ocupar esta cadeira. Sylvia Meirelles da Silva Santos chamou atenção em um de seus artigos sobre educação, para a necessidade de que as ações educacionais tivessem por finalidade “o amor à Pátria e à humanidade”, que os ensinamentos fossem “dignificantes” e que elevassem a Moral, burilando o caráter e purificando o espírito. Reafirmo, que desafio dar continuidade a este legado de luta marcado pela generosidade e pela capacidade de acolhimento, valores próprios do feminino.
     Maria Helena Teixeira de Siqueira (1927- janeiro de 2010), sucessora da acadêmica Sylvia Meirelles da Silva Santos, e a quem sucedo na cadeira de número 16, nasceu em Porto alegre e se formou em Direito pela UFES. Especializou-se em Direito Empresarial e foi Professora de português e espanhol. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Associação Espírito-Santense de Imprensa, correspondente da Academia Cachoeirense de Letras: cronista, poeta, crítica literária, e primeira mulher a ser eleita para a presidência da Academia Espírito-santense de Letras.
   Maria Helena Teixeira de Siqueira rompeu barreiras seculares ao militar pela justiça social por meio do direito, dignificando uma carreira que nasceu sob a égide da misoginia e dedicando também a sua pena à liberdade, como mostra o Gato Felini, personagem de sua obra. O gato que queria ser rato, inconformado com a prisão de seu amigo pássaro, lhe abre as portas da gaiola. Maria Helena Teixeira de Siqueira no poema Louvado para o amor diz: “Louvo o amor que tudo move,/ move o céu e as estrelas./ [...] Louvo o amor incontido,/ que se arremessa em torrentes./ Louvo o amor escondido,/ que se revela na poesia.
     Estou profundamente honrada e agradecida ás Acadêmicas por me concederem este voto de confiança, OBRIGADA! Apresento-me perante cada um dos senhores e senhoras como uma servidora, aceitando a responsabilidade de levar adiante o legado destas mulheres valorosas. Buscarei me inscrever literariamente na intercessão das propostas feitas por Sylvia e por Maria Helena, colocando a minha escrita a serviço da natureza, especialmente dos animais, tão merecedores quanto nós, humanos, de respeito, cuidado e amor.
    A História está cheia de assassínios em massa cometidos em nome de uma única verdade, não me arrogo dona de nenhuma verdade, mas acredito que precisamos despertar uma nova consciência. Zigmunt Bauman afirmou que “a voz da responsabilidade é o grito de recém-nascido do indivíduo humano”. Como pudemos observar, a história da civilização se fez e, ainda se faz, a custo de muito sofrimento e sangue, precisamos ler o mundo de forma crítica, como preconizou Paulo Freire, e reescrevê-lo. Portanto, firmo aqui e agora, o compromisso de colocar a minha voz a serviço da Paz e daqueles, cujos gritos de socorro, quase ninguém ouve. A minha pena, em consonância com a minha vida militará pelo Abolicionismo Animal, pois acredito que a libertação destes seres pressupõe a libertação de todos nós, criaturas viventes, dependentes dos recursos da Terra e irmãos planetários.
     O Especismo nefasto que considera todo o animal “não-humano” como propriedade, coisa, arrogando-se o direito de torturá-lo, de privá-lo de seu habitat e do convívio com seus familiares e grupo, de usar a sua pele, de comer a sua carne, está causando, além de sofrimento e dor, uma degradação ambiental sem precedentes na história. Concordo com Victor Hugo quando diz que: “A proteção dos animais faz parte da moral e da cultura dos povos” e acredito que pecamos quando agimos eticamente somente em relação aos seres humanos. 
Finalizo meu discurso para passar aos agradecimentos, com as palavras do Nobel da Paz (1952) Albert Schwweitzer: “Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante.".
     Agradeço, primeiramente, ao Cristo Cósmico, meu guia e inspirador, energia de Paz e amor, fonte de luz que me mantém viva, e que, a cada dia, me alimenta de fé e esperança e me levanta quando estou prestes a desistir... Obrigada Jesus...!
    Agradeço aos meus mestres, a quem tive e tenho a honra de chamar de amigos: Freda Cavalcanti Jardim, que me ensinou a fazer mosaico, que me ajudou a entender que os cacos podem virar arte, basta que queiramos; Maria Lúcia Dal Farra: Poetisa, amiga, gatófila, grande incentivadora e Ester Abreu Vieira de Oliveira: Poeta, professora, apoiadora, mulher que consegue conjugar força e doçura. OBRIGADA!
   Agradeço aos meus amigos, irmãos que escolhi, pelo apoio e a companhia em todos os momentos da minha vida. OBRIGADA!
    Agradeço aos meus gatos por despertarem dentro de mim a consciência ambiental, por me mostrarem que Deus está em cada criatura que respira. OBRIGADA pela amizade, pela companhia radiante e radiosa, pela devoção, pelo encantamento e por me fazerem sorrir mesmo em momento de tristeza e dor.
   Finalizo agradecendo ao meu amor, que é também meu marido e meu amigo: Luiz Alberto Carvalho Bittencourt. Obrigada por me apoiar, por acreditar em mim, por ser sincero e delicado. Obrigada por não fumar, por não beber e por ser vegetariano. Obrigada por ter sido o meu primeiro leitor e por sua crítica apaixonada-delirante ao meu primeiro livro que dizia: “Renata, o seu livro vai mudar os rumos da literatura capixaba e brasileira”. Luiz, OBRIGADA por existir na minha vida!  OBRIGADA a todos. OBRIGADA!

Oceano de luminescências (poesia de Renata Bomfim)

 

Renata Bomfim

Ah! o corpo e sua antiguidade.

Células, sangue, estruturas que se equilibram
Num balé misterioso.
Festa da vida.
É pavoroso descobrir
A fragilidade dessa fortaleza.

II
Penetraste entranhas úmidas,
dedilhaste as camadas do meu dentro
como se um livro fosse.
Reconheceste a história de tuas dores e agonias
nas frágeis páginas de mim.

III
O movimento é lento,
Num átimo meus braços se elevam e
Danço sozinha, no silêncio.
A coluna dobra vertingens,
Os pés deslizam
Tomados por uma emoção sem nome.

Apenas danço!

IV
Esse mesmo corpo conviveu com os dinossauros,
Viu a terra em tempo de belezuras indizíveis.

Será que o corpo que habito me pertence?
Tateio a face,
Os dedos deslizam.
Sinto o sabor da pele fina
da boca, o sugar torna-se religioso.

Os olhos se fecham,
Há brandura e selvageria
Nesse ente.

V
Desfrutaste a beleza dos primeiros dias,
Agora, sinta a beleza do fim.

VI
Canta para os meus seios,
Para as palmas das minhas mãos, ventre.
Canta que a vida é infinita,
Já o corpo,  poeticamente transita
Num oceano de luminescências.


(Renata Bomfim)

Mulheres abolicionistas e sufragistas no Espírito Santo (Por Renata Bomfim)

 

Judite Castelo Leão- fundadora da AFESL.

Abolitionist and suffragist Women in Espírito Santo

   Renata Bomfim[1]

O conteúdo que ora compartilho é fruto de reflexões e pesquisas no campo da literatura de autoria feminina. É fato que as mulheres conquistaram vários direitos sociais e políticos, entretanto, ainda há um longo caminho de luta pela frente até que a sonhada igualdade de direitos seja alcançada. A opressão sexual, afetiva, econômica e política persiste, mostrando que as relações entre os seres humanos ainda não se tornaram transversais. Trazer à luz ações políticas e culturais de mulheres que viveram em outras épocas, passar a história em revisão, não permitindo que essas sejam diminuídas e nem apagadas da memória, é um dos papeis dos intelectuais contemporâneos. O campo de pesquisa da literatura produzida por mulheres, que ganhou força na década de 1970, busca auscultar vozes femininas ignoradas na história por um cânone literário ocidental constituído por homens brancos e de classe social média e alta.

Este é um texto que homenageia as capixabas que participaram do movimento abolicionista e, posteriormente, do movimento sufragista no Espírito Santo. Muitas delas deixaram contribuições ímpares, como Maria Stella de Novaes e Judith Leão Castello Ribeiro.

Historicamente, o binarismo de gênero colocou a mulher no campo do privado, no mundo da família, da reprodução e do cuidado, e os homens no campo público, do trabalho e da política. Maria Stella de Novaes na obra A mulher na história do Espírito Santo (1999, p. 55) discorreu sobre a opressão que solapava as aspirações femininas nos século XVIII e XIX: “Quantas vocações estioladas, [...] quanto idealismo de cursar uma faculdade, uma Academia de Belas Artes, um instituto de ciências era soterrado no percorrer das teclas de um piano”, assim, as mulheres dessa época podem ser comparadas a “abelhas operárias”, “fadas incógnitas, que salvaguardaram as bases da sociedade”.

O caminho que as mulheres trilharam, seja no campo da literatura ou da política, até que chegássemos ao patamar que estamos agora, começou há muitos anos e é marcado pela resistência e pela luta. Lendo a obra História do Estado do Espírito Santo (2008), de José Teixeira de Oliveira, observei que o autor destacou a existência, desde 1869, de um grêmio emancipador na província, a Sociedade Abolicionista da Escravatura do Espírito Santo. Essa instituição contava com vários membros da elite espírito-santense. Teixeira ressaltou, ainda, o empenho desses “batalhadores” que “coordenavam as iniciativas, promoviam reuniões públicas, angariavam fundos e agitavam a questão” (TEIXEIRA, 2008, p. 461). Entretanto, constatei que nenhuma mulher foi citada entre esses abolicionistas. O texto escrito por Teixeira é um termômetro que nos dá a medida do apagamento que as mulheres sofreram durante um longo tempo.

Ao olharmos essa história a contrapelo, observamos que a participação feminina foi decisiva para o sucesso da causa abolicionista no Espírito Santo, pois, elas “agitavam a questão” mobilizando as famílias e outros grupos, organizando variados eventos sociais que arrecadavam dinheiro para a compra de cartas de alforria. Nesses encontros, as mulheres tinham a oportunidade, também, de experimentar outros lugares sociais, entre eles o lugar de escritoras, geralmente, poetisas. 

Francisco Aurélio Ribeiro, na obra Antologia de escritoras capixabas (1998, p. 18), nos faz saber que, em 1884, houve um sarau lítero-musical, realizado sob a coordenação de Afonso Cláudio, líder do Movimento Abolicionista no Espírito Santo, no qual um grupo de mulheres declamou poemas, tocou piano, realizou quermesse com brindes que eram acompanhados por poesias. Entre as muitas escritoras abolicionistas da época encontrava-se Adelina Tecla Correia Lírio (1863-1938), educadora, pianista, primeira professora de datilografia de Vitória e precursora das escritoras capixabas. Ela abriu espaço para as mulheres na imprensa em Vitória, ainda na segunda metade do século XIX, juntamente com Orminda Escobar, outra poetisa e intelectual feminina de grande destaque na época.

As mulheres que participavam dos salões tocando piano e declamando versos não eram levadas a sério como escritoras. Aos críticos de então, as “poetisas de salão”, aspirantes a poetas, só faziam enfastiar. Certamente, havia homens que apoiavam essas mulheres, mas, no geral, a presença feminina no mundo das letras era considerada algo deplorável, pois, como afirmou um crítico literário português[2], desviava as mulheres da sua missão própria, que era a de preparar o caldo.

A produção feminina até o primeiro quartel do século XX foi fortemente marcada por temáticas como o amor, a família e a religiosidade e considerada pela crítica literária, por muitos anos, como uma produção de caráter apolítico. Contudo, conforme afirmou Herbert Marcuse (1999, p. 11), “o potencial político da arte está contido na própria arte que, se apresenta autônoma perante as relações sociais”, permitindo a ruptura da consciência dominante e revolucionando a experiência”. Dessa maneira, podemos constatar que a participação das escritoras capixabas nas causas abolicionista e sufragista, questionou o ideário feminino da uma época.

No Brasil, não podemos parear o movimento abolicionista ao movimento sufragista, no entanto, muitas escritoras participaram de ambos. No início do século XX, em vários países, as mulheres já estavam organizadas social e politicamente em torno do movimento feminista. A luta era, especialmente, pelo direito ao voto, à instrução e pela regulamentação do trabalho feminino. No campo da escrita, as mulheres já possuíam suas próprias revistas, publicavam livros, mas, o silenciamento sobre as suas produções e o desdém da crítica impregnavam o cenário; um exemplo disso é Guilly Furtado Bandeira, primeira capixaba a publicar um livro, em 1913. A escritora foi pouquíssimo lida na sua época e teve o valor da sua obra rebaixado pela crítica que a definiu como “literatura de moça”, com histórias de “escassa originalidade”, “desprovida de força de criação”, algo “natural e desculpável, principalmente em moça estreante”, como destacou Francisco Aurélio Ribeiro na apresentação da versão da obra fac-similada (BANDEIRA, 2011, p. 217). Considerando o olhar depreciativo para a produção da nossa primeira escritora publicada, podemos imaginar a opressão e a discriminação que mulheres que ousaram escrever em épocas anteriores sofreram.

As intelectuais capixabas dessa época, a despeito dos preconceitos, acompanharam o movimento de emancipação que acontecia em outros estados da federação e não deixaram de escrever. Vale destacar que, Dionísia Pinto Lisboa, mais conhecida como Nísia Floresta, é considerada a precursora do movimento feminista em terras brasileiras. Nísia publicou a obra Direito das Mulheres e injustiça dos homens, em 1832, uma livre tradução da obra Reivindicação dos Direitos da Mulher, escrita em 1792 por Mary Wollstonecraft.  Esse trabalho rendeu frutos e, em 1922, Berta Lutz fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

No Espírito Santo, as capixabas não ficaram alheias ao que acontecia no restante do país, em especial, no Rio de Janeiro, e se organizaram fundando em 1933, tanto a Federação Espírito-santense pelo Progresso Feminino, presidida por Sylvia Meyrelles da Silva Santos, quanto a Cruzada Cívica do Alistamento, esta segunda instituição não exigia das participantes o compromisso partidário e tinham como dirigentes Sylvia da Meyrelles da Silva Santos e Maria Stella de Novaes. Certa vez, Berta Lutz, de passagem por Vitória, elogiou Sylvia pela sua capacidade de agregar mulheres em torno de uma causa, e por ter feito um jantar para homenagear Adalgisa Fonseca, a primeira capixaba a se graduar em medicina. Segundo Lutz, essa era a primeira vez que ela via mulheres se reunindo para homenagear mulheres e que isso era “um verdadeiro símbolo da emancipação feminina” (LAZZARO, 1995, p. 80).

Judith Leão Castelo Ribeiro possui um papel importante no movimento sufragista capixaba. Professora, escritora e primeira deputada estadual do Espírito Santo, foi uma defensora dos direitos das mulheres, agregando em torno de si várias companheiras de luta que, mais tarde, a ajudariam a chegar à Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Em 1934, Judith candidatou-se a deputada estadual pela primeira vez, mas como não estava filiada a nenhum partido, acabou não se elegendo. Posteriormente, optou por disputar sem legenda, por apoiar o Movimento Revolucionário Constitucionalista de São Paulo, de 1932, e por discordar da política estadual em vigor na época. Judith conseguiu se eleger como a primeira deputadas estadual capixaba em 1947 exercendo vários mandatos. A participação de Judith na política está presente na criação da UFES; ela foi membro-fundadora do Hospital Santa Rita de Cássia e foi, durante vários anos, membro do Conselho da Associação Feminina do Combate ao Câncer, da qual foi uma das fundadoras.

Maria Stella de Novaes (1999) destacou o “esforço titânico”  das mulheres para se sobressaírem nesse ambiente social marcado pelo preconceito; segundo ela houve apenas Judith na militância, mas também outras intelectuais e escritoras como Guilly Furtado Bandeira, Ilza Etienne Dessaune, Maria Antonieta Tatagiba, Lidia Besouchet, Virgínia Tamanini, Yponéia de Oliveira, Zeny Santo e Haydée Nicolussi.

O movimento feminista capixaba de primeira hora foi formado, na sua maioria, por senhoras de classe média e alta, e era fortemente marcado pela religiosidade e pelos valores da época; entretanto, isso não diminui a sua importância, pois, essas mulheres cumpriram o importante papel de abrir espaços para a expressão e fala femininas. Retomo o pensamento de Marcuse (1999, p. 21) que diz: “a verdade da arte reside no seu poder de cindir o monopólio da realidade estabelecida” e daqueles que a estabeleceram.

Eleita a primeira mulher deputada no Espírito Santo, Judith candidatou-se para ocupar uma cadeira na Academia Espírito-santense de Letras (AEL), mas foi recusada. A negativa levou-a a fundar a Academia Feminina Espírito-santense de Letras (AFESL), em 18 de julho de 1949. Participaram da fundação da AFESL, também, as escritoras Arlette Cypreste de Cypreste, Zeni Santos, Iamara Soneghetti e Virgínia Tamanini; posteriormente, se juntaram a elas Ida Vervloet Finamore, Hilda Prado entre outras.

Essas e muitas outras histórias sobre as conquistas das mulheres nos mais diferentes campos precisam ganhar visibilidade, pois são pouco conhecidas da maioria das pessoas. Há muitas escritoras ainda a serem estudadas e lidas. Na obra A face múltipla e vária (1995, p. 19), Agostinho Lázzaro fez um levantamento das mulheres escritoras na historiografia do Espírito Santo; ele constatou a “dificuldade de acesso às obras produzidas por várias intelectuais” e a “escassez de informações fidedignas sobre as mesmas”.

Finalizo a reflexão fazendo minhas as palavras de Herbert Marcuse (1999, p. 39): “A arte não pode mudar o mundo”, mas pode “contribuir para a mudança de consciência e impulso de homens e mulheres que poderiam mudar o mundo”. Baseada nisso, escolhi autoras capixabas que procuraram mudar as consciências sobre as mulheres. Nesta seleção, apresento alguns textos em verso e prosa, de escritoras que participaram do movimento abolicionista e do movimento sufragista no Espírito Santo. Boa leitura!

 Texto originalmente publicado na Revista Fernão, da Universidade Federal do ES (UFES).

Referências:

·         BANDEIRA, Guilly Furtado. Esmaltes e camafeus. Posfácio de Francisco Aurélio Ribeiro e estudo crítico de Josina Drummond]. E.ed. fac-simile. Vitória, Academia Espírito-Santense de Letras, 2011.

·         LAZZARO, Agostino. A face múltipla e vária: a presença da mulher na cultura capixaba. Vitória: Lei Rubem Braga (PMV), 1995.

·         LÍRIO, Adelina Tecla Correia. Combatem grandes ideias. In: Francisco Aurélio Ribeiro. Antologia de escritoras capixabas. Vitória: UFES, 1998, p. 14.

·         MARCUSE, Herbert.  A dimensão estética. Trad. Maria Elisabete Costa. Lisboa: Edições 70, 1999.

·         NEVES, Reinaldo Santos. Mapa da literatura feita no Espírito Santo. 2, Ed. Vila Velha, Vitória: Estação Capixaba; NEPLES; Cândida, 2019. (série Estação Capixaba, v. 20).

·         NOVAES, Maria Stella de. A mulher na história do Espírito Santo: história e folclore. Vitória: Edufes, Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Secretaria Municipal de Cultura, 1999.

·         OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. 3. ed. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo: Secretaria de Estado da Cultura, 2008.

·         RIBEIRO, Judith Leão Castelo. Deveres e direitos políticos da mulher. In: RIBEIRO, Francisco Aurélio. Antologia de escritoras capixabas. Vitória: UFES, 1998.

·         RIBEIRO, Francisco Aurélio. Antologia de escritoras capixabas. Vitória: Centro de Estudos Gerais, Departamento de Línguas e Letras, 1998.

·         TAMANINI, Virgínia Gaspari. Nasci ainda no século passado. In: LAZZARO, Agostino. A face múltipla e vária: a presença da mulher na cultura capixaba. Vitória: Prefeitura Municipal de Vitória, 1995. p. 169-170. 



[1] Doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo.

[2] O crítico é Ramalho Ortigão, citado por Cláudia Pazos Alonso na obra Imagens do eu na poesia de Florbela Espanca, publicado em Lisboa, na Imprensa Nacional/Casa da Moeda, em 2007. P. 19.